Crônica polêmica escrita por Martha Medeiros, no Jornal Zero Hora de 10 de julho de 2010.
“Quando meu pai ouve uma asneira muito grande, mas muito grande, ele costuma dizer: “É preferível ouvir isso do que ser surdo“, relativizando a ignorância alheia: há coisas piores na vida.
A surdez nunca me comoveu profundamente. Sempre imaginei que a deficiência auditiva seria a mais tolerável, mesmo sabendo que esse ranking é um disparate, não existe a melhor e a pior deficiência, ainda que, em segredo, todos já tenham pensado um dia: entre ser cego ou surdo, surdo toda vida.
O surdo tem recursos. Aparelhos auditivos, leitura labial, linguagem de sinais. Ele só não socializa se não quiser. E se não quiser, tem o álibi perfeito. “Desculpe, não estou escutando nada“.
Acabei de ler um livro que é o que costumo esperar de um bom livro: inteligente, divertido, humano, terno e bem escrito. Chama-se Surdo Mundo, do talentoso David Lodge, autor inglês. O título é um trocadilho deplorável, como todo trocadilho, mas não se pode querer tudo.
É a história de um professor de linguística aposentado que está perdendo a capacidade de ouvir. Ele, um aficionado pelas palavras, já não as escuta com precisão. Sua mulher está cada dia mais irritadiça por ter que repetir as frases toda hora. Seu velho pai já está meio surdo também, e além disso, caduco, o que torna as conversas entre eles totalmente nonsense. Uma aluna bonitona e sem escrúpulos entra na jogada e torna a confusão ainda maior. Mas essa confusão tem mesmo a ver com a surdez que ele sofre, ou com a surdez que ele deseja?
Estamos nos tornando surdos por gosto. As fofocas propagadas diariamente no local de trabalho, as queixas mil vezes repetidas na sala de jantar, as grosserias disparadas pelas janelas dos carros em meio ao trânsito, as angústias de sempre reprisadas nos divãs, as confissões íntimas que acabam por se banalizar: quem está a fim de ouvir quem hoje?”
Não por acaso, a personagem maluquete do livro está fazendo uma pesquisa sobre bilhetes de suicidas, pessoas que chegam ao extremo de se matar, por quê? Simplificando o que não é simples, poderíamos dizer que elas não estão sendo escutadas com a paciência e devoção que precisam. Um dia cansam de falar sozinhas.
Estamos todos muito barulhentos, virulentos, verborrágicos, ansiosos. Há muita comunicação, mas pouco conteúdo. A surdez pode ser uma deficiência física, mas pode também ser uma deficiência provocada, voluntária: cansei, não quero escutar mais nada.”.
A surdez nunca me comoveu profundamente. Sempre imaginei que a deficiência auditiva seria a mais tolerável, mesmo sabendo que esse ranking é um disparate, não existe a melhor e a pior deficiência, ainda que, em segredo, todos já tenham pensado um dia: entre ser cego ou surdo, surdo toda vida.
O surdo tem recursos. Aparelhos auditivos, leitura labial, linguagem de sinais. Ele só não socializa se não quiser. E se não quiser, tem o álibi perfeito. “Desculpe, não estou escutando nada“.
Acabei de ler um livro que é o que costumo esperar de um bom livro: inteligente, divertido, humano, terno e bem escrito. Chama-se Surdo Mundo, do talentoso David Lodge, autor inglês. O título é um trocadilho deplorável, como todo trocadilho, mas não se pode querer tudo.
É a história de um professor de linguística aposentado que está perdendo a capacidade de ouvir. Ele, um aficionado pelas palavras, já não as escuta com precisão. Sua mulher está cada dia mais irritadiça por ter que repetir as frases toda hora. Seu velho pai já está meio surdo também, e além disso, caduco, o que torna as conversas entre eles totalmente nonsense. Uma aluna bonitona e sem escrúpulos entra na jogada e torna a confusão ainda maior. Mas essa confusão tem mesmo a ver com a surdez que ele sofre, ou com a surdez que ele deseja?
Estamos nos tornando surdos por gosto. As fofocas propagadas diariamente no local de trabalho, as queixas mil vezes repetidas na sala de jantar, as grosserias disparadas pelas janelas dos carros em meio ao trânsito, as angústias de sempre reprisadas nos divãs, as confissões íntimas que acabam por se banalizar: quem está a fim de ouvir quem hoje?”
Não por acaso, a personagem maluquete do livro está fazendo uma pesquisa sobre bilhetes de suicidas, pessoas que chegam ao extremo de se matar, por quê? Simplificando o que não é simples, poderíamos dizer que elas não estão sendo escutadas com a paciência e devoção que precisam. Um dia cansam de falar sozinhas.
Estamos todos muito barulhentos, virulentos, verborrágicos, ansiosos. Há muita comunicação, mas pouco conteúdo. A surdez pode ser uma deficiência física, mas pode também ser uma deficiência provocada, voluntária: cansei, não quero escutar mais nada.”.
MARTHA MEDEIROS foi feliz ou infeliz nessa crônica?
Comenta aí em baixo. Em breve, posto minha opinião!
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