Charles Sanders Peirce
(Cambridge, Massachusetts, 1839) é filho de Benjamin Peirce (1809-1880), que
contribuiu para definir a matemática como a “ciência que tira conclusões
necessárias”, onde a matemática pode ser utilizada para estudar a lógica.
Pierce durante muito tempo
estudou para saber qual era o melhor lugar para a lógica dentro do quadro das ciências.
Ele define a lógica como semiótica, ou seja, como uma teoria geral dos signos.
Para tanto, classifica as ciências de acordo com suas finalidades precípuas,
não havendo, porem, relação de subordinação entre elas. Trata-se de uma
classificação lógica (as mais gerais fornecem princípios para as menos gerais e
estas fornecem dados e a informações às gerais) e aberta.
Entendia que ciência é um modo de
vida social comunitário, com um propósito único, por meio da cooperação entre
os indivíduos. Fazer ciência é, primordial e principalmente, querer corrigir os
próprios erros e descobrir a verdade.
Pierce classifica as ciências em:
a) heurísticas – visam descobrir
coisas novas;
b) da revisão – visam organizar e
sistematizar o conhecimento descoberto;
c) práticas – visam aplicar o
conhecimento.
Dentro das ciências heurísticas,
ou seja, aquelas que visam descobrir coisas novas, Pierce as apresentam na
seguinte classificação:
1) Matemática
1.1. Lógica
1.2. Das séries discretas
1.3. Dos continua e pseudocontinua.
2) Filosofia
2.1. Fenomenologia
2.2. Ciência normativa (estética, ética, lógica)
2.3. Metafísica (geral ou ontológica, psíquica ou religiosa, física).
A primeira ciência seria a
matemática, a segunda seria a filosofia. A lógica é um tipo de investigação filosófica
especial para Peirce. Faz a classificação em termo de generalidade, de
objetivo, de tipo de estudo, de tipo de descoberta que essas ciências proporcionam.
A lógica aparece como subclasse da matemática e da filosofia.
Peirce entende a matemática como
a ciência que constrói modelos formais hipotéticos para depois se extrair conclusões
necessárias dedutíveis. É possível utilizar os raciocínios e descobertas matemáticas
em qualquer campo, em qualquer área, sem que seja qualquer campo específico.
Pode ser usada em maneira geral para descrever qualquer estado de coisa. Ela é
a ciência que fornece fundamentos básicos, lógicos para todas as demais ciências.
Difere-se da investigação lógica porque enquanto a matemática se pauta pelo
principio da economia, a lógica quer determinar todos os passos necessários
para se chegar a uma conclusão. A investigação filosófica lógica possui um
caráter retórico do raciocínio.
Já na análise da filosofia, a
segunda ciência mais geral de todas, a lógica é uma parte da investigação. A
lógica é a semiótica propriamente dita, é a ciência que aponta as condições
gerais dos signos serem signos. A filosofia, também chamada de cenoscopia, somente é superada pela
matemática, a mais geral de todas as ciências, na visão de Pierce.
A filosofia lida com os fatos
comuns e aprende com a experiência. Começa com um estar no mundo, permeado de
senso comum, ou seja, concepções que não apresentam razões para se duvidar
delas, de tão imerso em que se está quem a analisa. O senso comum, portanto, é
acrítico, pois não se pode duvidá-lo ou questioná-lo. Pode-se somente
investigar pela lógica se são válidos ou inválidos. A filosofia pode também ser
entendida como a ciência do embate com a experiência, no que ela tem de
universal, corriqueiro, mas também de perturbador e resistente.
3.1. A filosofia como
fenomenologia:
A primeira subclasse da filosofia
é aquela que a compreende como fenomenologia, também chamada de faneroscopia, o estudo do fenômeno.
Enquanto fenomenologia é o estudo daquilo que é manifesto, independente se é de
fato ou ficcional. Não é a ciência somente daquilo que aparece, mas também
daquilo que parece ser de certa maneira. Não se interpreta a experiência para
entender o que ela diz a respeito do mundo exterior, apenas inspecionasse seus
elementos, com base na observação e na descrição de seus elementos.
Pierce distingue a fenomenologia
em três categorias:
a) Primeiridade: tudo aquilo que é por si mesmo, sem relação com nada
outro (um tom de cor);
b) Segundidade: tudo aquilo que é em relação ao outro (um fato bruto);
c) Terceiridade: tudo aquilo que é a mediação entre um primeiro e um
segundo (uma lei ou um símbolo).
3.2. A filosofia como ciência
normativa:
Nessa outra subclasse da
filosofia estudam-se as ciências normativas. Trata-se da análise das condições
de se obter algo que tenha como um de seus elementos essenciais um ideal. São
investigações sobre as maneiras para alcançá-lo. São normativas porque seguem
uma norma, um parâmetro, para se chegar a esse fim. O duelo existente é o fato
bruto da segundidade, ou seja, o dualismo filosófico entre o ser e o dever-ser.
São as seguintes ciências:
a) Estética: ciência que busca determinar a distinção entre o que é
admirável em si mesmo e do que não é. Para tanto, estuda os fundamentos ao
estabelecer o admirável em si mesmo. O que se almeja por si mesmo e não por
conta de outra coisa. A finalidade
última achada admirável por si mesmo.
b) Ética: ciência que busca determinar como se deve agir de moto
que as ações sejam em si mesmas admiráveis. Para tanto, estuda-se as condições
da conduta deliberada para ser um
ideal admirável por si mesmo. Assim, a ética depende da estética.
c) Lógica: ciência que estuda o pensamento
deliberado na medida em que ele é uma forma de ação deliberada. A lógica
depende da ética porque pensar é uma ação. A lógica estuda as condições de se
pensar a verdade, que é o ideal mais admirado.
Nesse sentido, a lógica é SEMIÓTICA, porque estuda a
fenomenologia de todas as espécies de signos (estética, ética e lógica). Pode
ser considerada com a ciência das leis gerais dos signos, porque todo o
pensamento é realizado por signos, ou seja, toda e qualquer expressão do
pensamento.
Pierce afirma que a lógica
semiótica apresenta três ordens, que ratificam o caráter retórico da
investigação filosófica lógica:
a) gramática especulativa: onde se estuda os modos de significar,
fazendo que os signos sejam signos, e as várias linguagens em que as asserções
são feitas.
b) crítica ou retórica especulativa: onde se estuda o uso efetivo
de formas significativas, onde se tem as condições efetivas de significação.
c) metodêutica: onde se estuda os métodos e os procedimentos para o
pensamento expressar a verdade.
3.3. A filosofia como metafísica:
Por fim, nessa subclasse,
entende-se que a metafísica busca interpretar o universo da mente e o universo
da matéria. Busca dizer a realidade em seus traços e características mais
gerais. Pierce entende que nesse caso, a metafísica carecia, em sua época, de
um rigor e parâmetros científicos.
3. 4. Os três tipos
de raciocínios e a natureza da dedução
Na analise da lógica semiótica,
na parte da metodêutica, pode-se analisar as formas de inferências, a saber:
dedução, indução e abdução (ou hipóteses). Peirce classifica as deduções de silogismos apodíticos e a indução e a
abdução de silogismos prováveis. Essa
diferenciação se dá em razão da dedução ser a única inferência que se pode ser
chamada de necessária, porque toda a informação relevante possível para se
chegar à conclusão está contida nas premissas.
Um silogismo dedutivo é aquele que sua validade depende
incondicionalmente da relação do fato inferido com os fatos colocados nas
premissas. A dedução é uma inferência analítica, pois o resultado não foge à
regra. Sua forma é: Regra + Caso = Resultado.
Regra:
|
Todos os feijões dessa sacola são brancos
|
Todo S é P
|
Caso:
|
Estes feijões são dessa sacola
|
M é S
|
Resultado:
|
Portanto, estes feijões são brancos
|
Portanto, M é P
|
Já a indução é um silogismo provável que consiste na inferência de uma
regra geral baseada na observação de um resultado de certo caso. Infere uma
conclusão de generalidade maior do que a premissa, numa operação que permite passar
da determinação da existência para a virtualidade do possível. É o inverso da
dedução. Sua forma é: Caso + Resultado = Regra.
Caso:
|
Estes feijões são dessa sacola
|
M é S
|
Resultado:
|
Estes feijões são brancos
|
M é P
|
Regra:
|
Portanto, todos os feijões dessa sacola são
brancos
|
Portanto, todo S é P
|
Por fim, a abdução ou hipótese é uma inferência de um caso particular com base
na regra geral e no resultado provável da aplicação da regra ao caso. Sua forma
é: Regra + Resultado = Caso.
Regra:
|
Todos os feijões dessa sacola são brancos
|
Todo S é P
|
Resultado:
|
Estes feijões são brancos
|
M é P
|
Caso:
|
Portanto, estes feijões são dessa sacola
|
Portanto, M é S
|
Conclui-se que substituindo os
lugares dos sujeitos e dos predicados, podem-se obter diferentes tipos de
raciocínio.
Inferências
|
Premissas
|
Conclusão
|
Dedução
|
Regra + Caso
|
Resultado
|
Indução
|
Caso + Resultado
|
Regra
|
Abdução
|
Regra + Resultado
|
Caso
|
Para Peirce, esses três tipos de
raciocínios são os únicos válidos. A diferença entre a dedução e a indução e a
hipótese é que a dedução não aumenta o conhecimento, por isso sendo um
silogismo necessário. Já a indução e a hipótese aumentam o conhecimento, razão
pela qual são silogismos prováveis.
Ressalta-se que posteriormente
Peirce modificou sua análise acerca da dedução, não sendo a conclusão mais
necessária, e sim provável, pois pode haver alguma falha em seguir o principio
lógico da dedução. Teoricamente, o erro na dedução é impossível, porém pode
haver erros no raciocínio de probabilidade, bem como na percepção e
experimentação.
Peirce considera a dedução como
definidora do raciocínio matemático. Este é entendido como o conhecimento das
implicações dos estados de coisas hipotéticas, pois as construções matemáticas
podem ser aplicadas em qualquer situação de fato. Por fim, difere que a dedução
matemática há dois tipos de deduções, a teoremática (aquele que se pode deduzir
algo novo, com caráter heurístico) e a corolarial (a dedução formal
matemática).
3.5. Os três estágios da investigação científica e a relação entre
indução e abdução:
Em 1910, Peirce entendeu que as
formas de inferências não são somente formas, mas também estágios de investigação científica. Nesse sentido, a indução deixa
de ser uma inferência ampliativa do conhecimento e se torna um teste empírico,
ficando somente a abdução como possibilidade de ampliar o conhecimento.
A indução é entendida como
inferência que vai da parte para o todo de um determinado conjunto de casos,
sem possibilitar novas descobertas sobre outros conjuntos de casos. A indução é
um raciocínio que permite reconhecer o que é verdadeiro acerca do todo, ao
reconhecer uma característica geral verdadeira das partes.
Pierce classifica-a em três tipos
diferentes:
a) crua ou rudimentar: onde simplesmente concluísse que a
experiência futura será como a passada, quando se apresenta o máximo possível
de evidências suficientes para se abandonar a hipótese inicial.
b) qualitativa: quando se usa um método hipotético-dedutivo de
verificação de teorias, fazendo uso de probabilidades e amostras (onde se
analisa aleatoriamente critérios estabelecidos de reconhecimento)
c) quantitativa: busca determinar uma quantidade, medindo o grau de
concordância da teoria com os fatos. É considerada como a mais forte para se
induzir conclusões, pois serve para medir as probabilidades de maneira precisa,
levando-se a uma resposta verdadeira, mesmo que estatisticamente, razão pela
qual que toda a prova indutiva é somente uma prova provisória.
Ressalta-se que esses estágios
não são auto-implicativos, pois pode acontecer a fusão de métodos, onde a
abdução permite formular hipóteses, das quais se deduz e tiram-se conclusões,
que podem ser indutivamente testadas. De igual forma, ressalta-se que para
Peirce, a abdução é o inicio da atividade cientifica. É o primeiro passo da
inquirição cientifica porque parte de uma surpresa na experiência para chegar à
hipótese que a explica.
Os três estágios da investigação científica
|
|
Abdução
|
Formulação de hipóteses
|
Dedução
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Conseqüências necessárias
|
Indução
|
Teste
|
3.6. Pragmatismo como lógica da descoberta:
A imaginação de hipóteses é o
primeiro passo fundamental da ciência na busca pela verdade. A abdução é a única
operação lógica com essa potencia heurística. O procedimento retrodutivo de
imaginar hipóteses é o único dotado de potência heurística originária. A
abdução é a única operação lógica que introduz qualquer idéia nova, meramente
sugere que algo pode ser. Ela não confere necessidade alguma às hipóteses que
sugere.
A dedução é o único raciocínio necessário.
É o raciocínio da matemática. A indução é o teste experimental de uma teoria e
sua justificação é que, embora a conclusão em qualquer estágio da investigação
possa ser mais ou menos errôneo, ainda assim a aplicação posterior do mesmo
método deve corrigir o erro, determinando o valor de uma quantidade. Já a
abdução consiste em estudar os fatos e em inventar uma teoria para explicá-los.
Sua justificativa é que, se tivermos de entender as coisas, deve ser desse
jeito.
Porém, é necessário testar
empiricamente a validade da abdução. Isso é o pragmatismo do método lógico da
abdução. Termo criado por Peirce em 1878, que o considerava um método de
esclarecimento conceitual, significa que um método para esclarecer os
pensamentos e estabelecer significado de conceitos: a significação é dada pelos
efeitos práticos concebíveis que uma idéia, ou um termo ou expressão conceituação
qualquer prediz.
Para cada tipo de inferência corresponde
uma modalidade lógica: à dedução, estabelece raciocínios necessários; indução, raciocínios
prováveis; abdução, delimita uma expectação, uma hipótese relativa à conduta
futura dos fatos.
O processo abdutivo de
estabelecer uma hipótese inicia-se com o reconhecimento de um fato
surpreendente, do qual é necessário dar uma explicação inteligível. A surpresa
é uma regularidade imprevista, ou seja, certa regularidade de acontecimentos
estranhos, que fazem com que se leve a explicá-los.
Essa máxima pragmática é um método
que relaciona probabilidade e a plausibilidade das hipóteses com a sua
possibilidade de descrever a experiência. Para tanto, utiliza-se como regra a
cautela e prudência na adoção de hipóteses. Tal inferência deve sempre se
desenvolver em uma conexão argumentativa mais ampla, pois possibilita alcançar
a plausibilidade das hipóteses e potencializa o processo heuristicamente, indo
além dos limites da mera experiência factual. Assim, com a criação de hábitos
de condutas capazes de orientar uma conduta futura, existindo uma convergência entre
a forma de conceito e o curso da experiência possível no futuro.
O pragmatismo abdutivo é uma
maneira de acertar a verossimilhança das hipóteses com os fatos, bem como de
mediar a construção de idéias de conduta racional. Nesse sentido, a abdução é o
inverso da indução. A abdução começa nos fatos e busca encontrar uma teoria que
os explique. Já a indução parte de uma hipótese explicativa para a busca dos
fatos que a sustentem.
Assim, conclui-se que para Peirce
não há conhecimento estritamente infalível. Existem graus variáveis de
probabilidade de que determinadas teorias continuarão prevendo o curso dos
acontecimentos. À investigação compete a tensão da tradição com a mudança, da
invenção e o reconhecimento. O confronto com a experiência promove modificações
ou invenções de novas teorias, porém não apresenta exatamente o que deve ser
feito, nem como. Isso é a atribuição do investigador.
VEJA TAMBÉM:
BIBLIOGRAFIA:
RODRIGUES, Cassiano Terra; SOUZA, Edelcio Gonçalves de. Lógica II: Guia de Estudos. Lavras. UFLA. 2012.
OBSERVAÇÃO:
Esse texto é um resumo que produzi com o material de aula da disciplina 'LÓGICA II' da Graduação em Licenciatura para Filosofia - Universidade Federal de Lavras / EAD - Polo UAB Governador Valadares, produzido em 25/10/2012.
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