O presente estudo aponta para tópicos centrais do pensamento político de um importante autor do século XVII chamado Tomas Hobbes, sendo dois em destaque:
1) A doutrina política de Hobbes é construída com base em dois pressupostos antropológicos fundamentais: o primeiro é que na ausência de um poder coercitivo que possa obrigá-los ao respeito mútuo, os homens tendem a se comportar de maneira agressiva uns em relação aos outros. O segundo, é que na própria natureza humana, agressiva, egoísta e individualista encontram-se certos elementos que compensam a agressividade, de modo que se consiga viver numa condição de paz estável e duradora.
2) Hobbes pertence a uma tradição do pensamento político chamado jusnaturalismo, ou seja, um modelo teórico que ajuda a pensar e compreender as causas e os fundamentos do Estado.
Um dos pólos da antítese sobre a qual repousa o modelo jusnaturalista é o chamado estado de natureza, ou seja, condição natural dos homens antes da instituição da ordem civil, ou seja, do Estado. Observe-se logo de inicio, Hobbes jamais acreditou que o estado de natureza universal tivesse sido o estágio primitivo atravessado pela humanidade antes do processo civilizatório. Por um lado, o estado de natureza não consiste de uma situação historicamente datavel e geograficamente assinalável, mas sim uma situação imaginária, hipótese da razão imprescindível para a justificação do Estado. Por outro lado, reúne algumas características próprias que podem ser verificados em eventos históricos concretos.
Há três situações concretas que são caracterizadas pela lógica do estado de natureza: primeiro lugar, a situação dos povos selvagens de muitos lugares da América que viveriam sem governo. Em segundo lugar, a guerra civil, que divide os homens após a dissolução de um governo constituído. Em terceiro lugar, a guerra entre os reis e as pessoas de autoridade soberana dividi-los pela rivalidade, ou seja, a guerra internacional.
O estado de natureza é uma situação imaginaria, na qual não se encontram obstáculos externos que limitem o desejo. Segundo a concepção hobbeseana o desejo humano é angustia diante do tempo. Cito Hobbes, “de modo que em primeiro lugar, apresento como uma inclinação geral de toda a humanidade, um perpetuo e inquieto desejo de poder e mais poder que cessa apenas na morte”. Essa inclinação geral é justificativa, uma vez que “o objeto de desejo dos homens não é fruir uma vez apenas e por um instante de tempo, mas garantir para sempre o caminho de seu desejo futuro”.
A felicidade humana para Hobbes é algo que ultrapassa os estreitos limites do presente, prolongando-se em direção ao futuro, ate que a morte põe fim aos desejos. Por essa razão, ninguém pode contentar-se com a posse de meios suficientes apenas para a obtenção dos bens desejados no presente, pois estes são finitos e se esgotam caso não sejam aumentados. O problema é que o excesso de poder não pode ser compartilhado por toda a humanidade, de modo que, ameaçados pela possibilidade de frustração os desejos dos homens entram em choque. Pode-se dizer que o estado de natureza consiste num espaço hipotético de relações regidas por forças desassociativas.
Com efeito, a rivalidade inclina a cada individuo a repelir seus concorrentes na trajetória que conduz ao objeto desejado. A caracterização do estado de natureza a partir das forças que o regem, é perfeitamente coerente com a tese pela qual o desejo é um movimento que submetido ao principio de inércia tem-se a propagar-se indefinitamente, a menos que o movimento contrário lhe ofereça resistência. Ora, no estado de natureza a expressão natural do desejo do poder é ilimitado, configurando uma dinâmica de relações chamada guerra.
A propósito, a expressão “guerra de todos contra todos” celebrizou-se na historia da filosofia como definição do estado de natureza. Já a expressão “o homem é o lobo do próprio homem”, que é uma expressão atribuída a Hobbes, mas que na verdade é de Plauto, caracteriza o individuo enquanto um sujeito de um desejo ilimitado, pois um individualizado exarcebado na raiz das ações dos homens, os inclina a dominar seus semelhantes, ou mesmo, destruí-los quando parecer necessário, tal como lobos vorazes que se lançam sobre suas pressas.
Segundo os elementos que o compõem, e segundo a lógica do poder, o estado de natureza é um teatro de lobos, que encarnam seus papeis e os apresentam em espetáculos com o propósito de submeter seus adversários, pois os poderes devem ser manifestos através da emissão de signos.
No celebre capitulo XII do Leviatã, Hobbes apresenta e discute as condições de perpetuação do conflito entre os homens no estado de natureza. O fio condutor do exame de tais condições é a afirmação da igualdade entre os homens. Cito Hobbes: “... a natureza fez os homens tão iguais quanto as faculdades do corpo e do espírito, que embora por vezes sejam encontrado um homem manifestado mais forte de corpo ou de espírito mais rápido que o outro, ainda assim quando tudo isso é calculado em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é tão considerável, que um possa reivindicar para si mesmo qualquer beneficio ao qual outro não pretende tanto quanto ele”.
Hobbes apresentasse como um teórico da igualdade humana, muito embora ele afirme a preeminência do poder de uns sobre o poder de outros. Em que consistiria tão igualdade e o que seria seu fundamento? Não se trata de uma igualdade segundo as faculdades do corpo e do espírito, consideradas isoladamente, uma vez que reconhece a possibilidade de distinções manifestadas entre a força corporal e a rapidez do espírito dos homens.
Vale lembrar que o poder natural de um homem, segundo o capítulo X de Leviatã, consiste na sua eminência de suas faculdades do corpo e do espírito. Os poderes naturais considerados separadamente, isoladamente uns dos outros, consistem em superioridade, ou empregar os termos dos elementos ovulo em excesso, e por essa razão são diferentes de homem para homem. Em conformidade com a definição dos poderes naturais, mais também pela experiência, há pluralidades entre os poderes humanos designados pelo mesmo nome. O poder do corpo, designado pelo nome força, por exemplo, é passível de variações entre os indivíduos. O mesmo vale para capacidades intelectuais, que os homens possuem em graus diversos, uns em relação aos outros. Quanto aos poderes instrumentais, os homens também são desiguais. Os meios de que os indivíduos dispõem para produção de mais poder não podem ser universalmente compartilhados, e se o possuem não haveria rivalidade pela sua posse. Os poderes instrumentais encontram-se divididos em proporções diferentes entre a humanidade, introduzindo desigualmente entre os homens. Um exemplo típico é o das riquezas, mas o exemplo mais paragnemático é o do maior dos poderes humanos, aquele que é composto pelos poderes da maioria dos homens. O exercício desse poder tem como missão a inferioridade dos poderes daqueles sobre os quais se exercesse.
Pode se concluir que segundo os poderes naturais tomados isoladamente, e também pelo poderes instrumentais, os homens são desiguais. Os homens são iguais segundo suas faculdades do corpo e do espírito, considerados, conjuntamente, pois, conforme Hobbes, “quando tudo é calculado em conjunto, a diferença entre um e outro homem, não é tão considerável que um homem não possa reivindicar para si mesmo qualquer beneficio ao qual outro homem não pretenda tanto quanto ele”.
A igualdade afirmada por Hobbes consiste numa habilidade para obtenção de poderes já alcançados pelos rivais, comum a toda a humanidade. Os poderes naturais de cada indivíduo, embora sejam diversos quando considerados isoladamente, produzem os mesmos efeitos quando atuem em conjunto. O efeito, citando Hobbes, “quanto à força do corpo, o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, seja por uma maquinação secreta, seja por confederação com outros, que estão no mesmo perigo que ele”. Ou seja, do ponto de vista das faculdades corporais e intelectuais, existem homens mais fortes e homens mais fracos, existem homens mais inteligente e homens menos inteligente. Mas quando se considera todas essas coisas conjuntamente, se percebe que o mais forte pode ser morto pelo mais fraco. O mais inteligente pode ser morto pelo menos inteligente. Os homens são iguais no que diz respeito à capacidade de matar.
A igualdade com que a natureza fez os homens é a primeira condição de perpetuação do conflito, da qual deriva uma segunda, a igualdade de esperança na obtenção do mesmo fim. E por isso, se dois homens desejam a mesma coisa, da qual, não obstante, ambos não podem desfrutar, se tornam inimigos, e no caminho de seu fim, tentam destruir ou subjugar um ao outro.
A esperança na obtenção de bens que não podem ser compartilhado por todos encoraja a cada homem a enfrentar seus rivais com vistas a realização de seus propósitos. Pode se perceber que a esperança na obtenção de um fim cobiçado por muitos é derivada da esperança de cada homem na vitoria sob seus adversários.
Finalmente, a igualdade de esperança tem como conseqüência uma guerra preventiva, por meio da qual cada indivíduo procura proteger-se das investidas dos adversários, pois, “dessa insegurança de uns em relação aos outros, não há nenhum meio para qualquer homem se proteger tão razoável como a prevenção”. Na guerra, o que cada um conquista, pode se tornar objeto de ambição por seus adversários, tudo aquilo que o homem obtém pode ser subtraído por seus concorrentes. A igualdade entre os homens impede que qualquer vitória seja decisiva, e o medo faz com que os homens procurem evitá-la, neutralizando todo aquele que constitua uma ameaça, de modo que a guerra se arrasta enquanto houver suspeita de ofensiva. Enquanto houver homem suficiente próximos uns dos outros, há um perigo a ser temido e evitado, tanto mais quanto coloca em jogo a conservação de cada um, e que por isso, na guerra, autoriza a antecipação do ataque.
Estas são as condições que Hobbes aponta como caracterizadoras do estado de natureza e que são responsáveis pela perpetuação do conflito. Hobbes propõe uma solução para o problema da guerra, que divide os homens no estado de natureza, a partir de aspectos jurídicos da teoria civil formulada pelo autor, com destaque com a teoria jurídica da representação, formulada no capitulo XVI do Leviatã.
Hobbes desenvolveu três grandes tratados políticos: os Elementos da Lei Natural e Política, que circularam na Inglaterra, na forma de manuscritos, no ano de 1640, sendo uma obra destinada a fundamentar a ciência da política e a ciência da justiça; o “De cive”, do cidadão, publicado no ano de 1642, que consiste numa obra onde Hobbes procura demonstrar sua visão sócio-política sobre o cidadão numa Inglaterra em guerra civil. De certa forma ela mostra os conflitos de poderes entre realeza e parlamento inglês; e finalmente, o Leviatã, o mais famoso e importante, publicado em 1651. A doutrina política hobbesiana é bastante parecida, mas o Leviatã apresenta uma novidade em relação aos outros, a teoria jurídica da representação no capítulo XVI.
Hobbes e o estado de natureza
As condições que Hobbes aponta como caracterizadoras do estado de natureza e que são responsáveis pela perpetuação do conflito estão diretamente relacionadas à igualdade entre os homens. A igualdade com que a natureza fez os homens é a primeira condição de perpetuação do conflito, da qual deriva uma segunda condição: a igualdade de esperança na obtenção do mesmo fim.
Por tal razão, se dois homens desejam a mesma coisa, da qual, não obstante, ambos não podem desfrutar, estes homens se tornam inimigos, e no caminho para obtenção de seu fim, tentam destruir ou subjugar um ao outro. Os homens enfrentam seus rivais com o objetivo de realizarem seus propósitos, por serem encorajados na esperança da obtenção de bens que não podem ser compartilhados, e, portanto, percebe-se que a esperança na obtenção de um fim cobiçado por muitos derivasse da esperança de cada homem na vitória sob seus adversários.
Tal igualdade de esperança tem como consequência uma guerra preventiva, onde cada indivíduo procura proteger-se das investidas dos adversários, pois, “dessa insegurança de uns em relação aos outros, não há nenhum meio para qualquer homem se proteger tão razoável como a prevenção”. É por meio da guerra que o que cada pessoa conquista pode se tornar objeto de ambição por seus adversários. É na guerra que tudo aquilo que o homem obtém pode ser subtraído por seus concorrentes.
Por isso, a igualdade entre os homens impede que qualquer vitória seja decisiva. Como consequência, o medo faz com que os homens procurem evitá-la, neutralizando todo aquele que constitua uma ameaça, de modo que a guerra se arrasta enquanto houver suspeita de ofensiva. Enquanto houver homem suficientemente próximo uns dos outros, persiste um perigo que deve ser temido e evitado, tanto mais quando coloca em jogo a conservação de cada um, e que por isso, na guerra, vai autorizar a antecipação do ataque.
As causas da guerra
Hobbes, no capítulo XIII de “Leviatã”, discorrendo sobre a condição natural da humanidade relativamente à sua felicidade e miséria, aponta “que na natureza do homem” há “três causas principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória”.
Assim, as causas do conflito que divide os homens no estado de natureza são três, a saber:
O primeiro é a competição. A competição enquanto causadora de conflitos se caracteriza pela ambição por poder e por notoriedade. Para tanto, não há limites éticos. Para se conseguir o poder e a notoriedade e se chegar aos objetivos, notadamente lucrativos, todos os limites podem ser ultrapassados. No passado, isto acontecia nas competições em estádios olímpicos. Atualmente, essa competição visa, sobretudo, os lucros financeiros e os ganhos pessoais, em todos os campos – profissional, comunicacional, religioso, etc. Pode-se, inclusive, para obter o poder, utilizar-se da violência, tornando realidade o senhorio sobre “pessoas, mulheres, filhos e rebanhos dos outros homens”.
Já a segunda causa de conflitos apontada por Hobbes é a desconfiança. Através do pretexto de se defender a soberania, há toda uma articulação preparatória para o estado de guerra. Se necessário, em nome da soberania, utiliza-se da violência para “defender” as pessoas que possam ter suas soberanias violadas. Recentemente, o Brasil viu-se violado em sua soberania pelos Estados Unidos da América, que teriam espionado trocas de mensagens da Presidência da República com seus subordinados, com o pretexto da defensa preventiva daquele país em relação às eventuais futuras ações do governo brasileiro.
Por fim, na concepção hobbesiana, a terceira causa de discórdia é a glória, ou seja, é a busca de se ter uma boa reputação do nome. É a preocupação com a própria imagem em relação às demais pessoas. Nas palavras do filósofo, a discórdia pela glória se dá “por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma diferença de opiniões”. Ressalta-se que, caso isso não seja possível, utiliza-se até da violência, para rebater “qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido a suas pessoas, quer indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua nação, sua profissão ou seu nome".
A polêmica com Aristóteles
Hobbes refuta a concepção aristotélica de que os homens seriam capazes naturalmente de viver socialmente uns com os outros, a partir de seis motivos. O primeiro diz respeito aos homens viveram envolvidos na competição pela honra e pela dignidade, de forma constante. A inveja, o ódio, a guerra são consequências pela ambição pelo poder e pela notoriedade, pelo desejo de ser superior aos outros.
O segundo motivo está relacionado ao fato de que, por haver entre os homens o espírito competitivo, tais homens encontram o prazer somente naquilo que os fazem superior aos outros, promovendo uma distinção significativa entre o que é bem comum e individual, acabando pela promoção de satisfação pessoal, de suas próprias necessidades.
O terceiro motivo é o fato dos homens possuíram o uso da razão. Por isto, eles percebem e julgam sempre os outros por seus erros, vendo a si mesmo como mais hábeis, superiores.
Já o quarto motivo está relacionado ao fato dos homens usarem a linguagem como instrumento de concretização da discórdia entre si. Pela comunicação influenciam, perturbam, distorcem fatores essenciais nos relacionamentos, o que promove a desordem.
O sexto motivo é que os homens possuem um acordo artificial para conviverem em sociedade. Tal convivência, por ser obrigatória, faz com que haja um poder comum que os mantenham num respeito mútuo, guiando suas ações em benefício de todos, protegendo-os das injurias alheias. Tal poder estabelecido faz com que os homens não precisem confiar somente em suas próprias forças e aptidões para se protegerem.
O direito de natureza
A concepção hobbesiana a respeito do direito natural era de sê-lo a liberdade de usar o seu poder inerente, para a preservação da própria natureza humana, da maneira que melhor achar necessária, que há em cada ser humano. Nesse sentido, o uso do próprio poder que o homem possui para a preservação de sua própria vida, habilita-o para fazer tudo o que decorresse de seu julgamento e de sua razão, no intuito de ter os meios adequados para atingir tal finalidade.
No entanto, o direito natural mesmo estabelecido pela razão, às vezes não se mostra suficiente para garantir a paz entre os homens, superando as condições de conflitos, justamente por causa da liberdade. É a liberdade enquanto “ausência de impedimentos externos” capazes de tirar “parte do poder que cada um tem de fazer o que quer”, que faz com que, às vezes, a paz não se efetive.
Isso ocorre porque o direito natural é uma regra geral, um preceito firmado pelo uso da razão, e que visa à proibição do homem de utilizar de todos os mecanismos para a destruição da vida, bem como dos meios necessários para preservá-la, ou da omissão daquilo que possa contribuir como a melhor forma de preservação da existência humana.
Nesse sentido, o direito difere-se – e é antagônico – à lei. O direito consiste no uso da liberdade de se fazer ou de se omitir em relação a alguma coisa. Já a lei é impositiva, determinando, obrigando, que se faça ou se omita a fazer algo. Ou seja, enquanto o direito abre espaço para a liberdade, a lei impera a existência da obrigação.
Portanto, o direito natural, pelo uso da razão, nem sempre proporciona a paz na convivência entre os homens, justamente pela possibilidade destes em utilizarem a liberdade.
A primeira lei da natureza
A concepção hobbesiana a respeito do direito natural era de sê-lo a liberdade de usar o seu poder inerente, para a preservação da própria natureza humana, da maneira que melhor achar necessária, que há em cada ser humano. Nesse sentido, o uso do próprio poder que o homem possui para a preservação de sua própria vida, habilita-o para fazer tudo o que decorresse de seu julgamento e de sua razão, no intuito de ter os meios adequados para atingir tal finalidade.
No entanto, o direito natural mesmo estabelecido pela razão, às vezes não se mostra suficiente para garantir a paz entre os homens, superando as condições de conflitos, justamente por causa da liberdade. É a liberdade enquanto “ausência de impedimentos externos” capazes de tirar “parte do poder que cada um tem de fazer o que quer”, que faz com que, às vezes, a paz não se efetive.
Isso ocorre porque o direito natural é uma regra geral, um preceito firmado pelo uso da razão, e que visa à proibição do homem de utilizar de todos os mecanismos para a destruição da vida, bem como dos meios necessários para preservá-la, ou da omissão daquilo que possa contribuir como a melhor forma de preservação da existência humana.
Nesse sentido, o direito difere-se – e é antagônico – à lei. O direito consiste no uso da liberdade de se fazer ou de se omitir em relação a alguma coisa. Já a lei é impositiva, determinando, obrigando, que se faça ou se omita a fazer algo. Ou seja, enquanto o direito abre espaço para a liberdade, a lei impera a existência da obrigação.
Portanto, o direito natural, pelo uso da razão, nem sempre proporciona a paz na convivência entre os homens, justamente pela possibilidade destes em utilizarem a liberdade.
A segunda lei da natureza
Hobbes idealizava as leis de natureza como instrumental para determinar as condições necessárias de superação, de forma prudencial, dos conflitos existentes na convivência humana. A primeira lei dizia respeito à procura pela existência de um estado de paz que fosse capaz de fazer com que a condição humana de guerra de todos contra todos fosse solapada.
A segunda lei de natureza, por sua vez, apontava para o uso de todos os meios possíveis, para a defesa pessoal. Como ápice da suma do direito natural, decorria desta segunda lei que todos os homens deviam concordar, quando os outros também assim o fizessem – levando em consideração a necessidade do estabelecimento da paz e a necessidade da defesa de si mesmo –, que os homens se contentassem em relação aos outros, na medida da liberdade em que os outros homens assim os permitissem em relação a si mesmos.
Isto se justifica na medida em que a condição de guerra é justamente a possibilidade de cada homem utilizar o seu direito de fazer tudo quanto queira, incluindo a liberdade de atingir o corpo de outros homens. Se os homens não renunciarem a esse direito, bem como os outros homens na mesma medida de liberdade de renúncia, não há possibilidade de paz e não há razão para que alguém se prive de seu direito, pois tal privação seria “oferecer-se como presa (coisa a que ninguém é obrigado), e não dispor-se para a paz”.
A renúncia do direito de utilizar de tal liberdade coaduna com a do Evangelho – que determina se que faça ao outro somente aquilo que queres que se faça a ti – como a materialização de se privar da própria liberdade, negando ao outro o beneficio de seu próprio direito, ao fazer a mesma coisa. É se afastar para que o outro possa gozar de seu direito original sem obstáculos, porém, sem que o outro, no uso de seu direito, seja também um obstáculo da parte daquele que se afasta.
A consequência dessa segunda lei de natureza é a diminuição equivalente dos impedimentos ao uso do próprio direito original para ambos, na medida em que ambos desistem de seus direitos originais da liberdade de fazer o que quiser, inclusive sobre os corpos alheios. Tal diminuição dos impedimentos pela desistência de seus direitos naturais pode se dar por renúncia (quando não se importa em favor de quem irá ser beneficiado) ou por transferência para outrem – quando há a pretensão de beneficiar especificamente alguma(s) pessoa(s) determinada(s).
Ao se abandonar ou adjudicar de seu direito, aquele que o faz obriga-se, forçar-se, a não impedir o beneficio daquele a quem abandonou ou adjudicou de seu direito. Trata-se de um dever não tornar nulo tal ato de renuncia, não ocasionando dessa forma, a injustiça e a injuria, uma vez que tê-lo feito de forma voluntária.
O contrato social
A renúncia do direito de utilizar da liberdade proveniente do direito de natureza, baseada na privação da própria liberdade ao negar ao outro o beneficio de seu próprio direito, fazendo a mesma coisa, visa que aquele que renuncia se afaste para que o outro possa gozar de seu direito original sem obstáculos, porém, sem que o outro, no uso de seu direito, seja também um obstáculo da parte daquele que se afasta.
A conseqüência dessa segunda lei de natureza é a diminuição equivalente dos impedimentos ao uso do próprio direito original para ambos, na medida em que ambos desistem de seus direitos originais da liberdade de fazer o que quiser, inclusive sobre os corpos alheios. Tal diminuição dos impedimentos pela desistência de seus direitos naturais pode se dá por renúncia (quando não se importa em favor de quem irá ser beneficiado) ou por transferência para outrem – quando há a pretensão de beneficiar especificamente alguma(s) pessoa(s) determinada(s).
Ao se abandonar ou adjudicar de seu direito, aquele que o faz obriga-se, forçar-se, a não impedir o beneficio daquele a quem abandonou ou adjudicou de seu direito. Trata-se de um dever não tornar nulo tal ato de renuncia, não ocasionando dessa forma, a injustiça e a injuria, uma vez que tê-lo feito de forma voluntária. A prática daquilo que a abandonou é considerada uma injustiça e injúria, justamente porque se praticou aquilo que inicialmente se tinha, de forma voluntária feito, ou seja, o comprometimento de não fazê-lo.
A renúncia ou transferência de um direito podem ser feitas pelo homem por meio de uma declaração ou expressão, onde se emite um sinal ou sinais voluntários que sejam suficientes para afirmar a renuncia ou transferência daquilo ao que o outro aceitou. Tais sinais podem ser manifestar por meio de palavras ou ações, ou por palavras e ações. Por meio destas os homens ficam obrigados a um vinculo que não é proveniente da própria natureza, mas sim de um medo de que, no caso de alguma ruptura por algumas das partes, haverá como conseqüência a prática de um mal.
Nessa renúncia ou transferência de um direito há sempre a necessidade da reciprocidade de se receber outro bem daquele a quem se renunciou ou lhe transferiu o primeiro direito. Enquanto ato voluntário visa-se, portanto, os homens visam “algum bem para si mesmos”. Por tal razão, há alguns direitos que são irrenunciáveis (não suportam o abandono) ou são considerados intransferíveis, como o direito de resistir a quem o ataque pela força para tirar-lhe a vida; os ferimentos, as cadeias e o cárcere; bem como a segurança da pessoa de cada um, no que se refere à sua vida e quanto aos meios para preservá-la.
A teoria hobbesiana de representação
A concepção hobbesiana compreende que o Estado é a personificação da unidade entre os homens, fruto de uma convenção social, onde se reduz as vontades individuais (que se colidem quando individualizadas), numa só vontade.
Na compreensão desta teoria da representação, Hobbes entendia que uma pessoa é “aquele cujas palavras ou ações são consideradas quer como suas próprias quer como representando as palavras ou ações de outro homem”. Nesse sentido, ressalta que, etimológica, a palavra “pessoa” vem do latim, que significa “o disfarce ou aparência exterior de um homem, imitada no palco”, o que para a língua grega, dita como “prósopon”, que significava rosto.
Assim, ao surgir para expressar o disfarce do rosto, por meio de máscaras, viseiras utilizadas nos palcos, a palavra “pessoa”, passou a representar também as palavras e ações, independentemente do espaço físico, sendo utilizada não somente nos palcos, mas também nos tribunais.
O filósofo inglês concebeu ainda a possibilidade da existência da pessoa, enquanto natural (quando elas são consideradas como suas próprias) ou como pessoa fictícia/artificial (quando são consideradas como representando as palavras e ações de um outro).
A pessoa, em sua atuação (seja no palco, nos tribunais, ou em conversações correntes) promove sempre uma representação, seja de si mesmo, seja de outrem. Nesse último caso, ou seja, quando representa à outrem, a pessoa – enquanto artificial – é considerada como “portador de sua pessoa”, recebendo, para tanto, designações diversas (representante, mandatário, lugar-tenente, vigário, advogado, deputado, procurador, ator, e outras semelhantes) que variam de acordo com as ocasiões onde são empregadas.
Porém, se a pessoa é natural, age por autoridade, onde suas palavras e ações representam a si mesmos. Nesse caso o ator é também o autor, ou seja, à ele pertence a posse do domínio, e por isto age conforme sua própria autoridade – podendo praticar qualquer ação, diferentemente da pessoa artificial, onde aquele que atua, atua por comissão ou licença daquele a quem pertence o direito.
A representação e o grande teatro das relações humanas
A teoria hobbesiana da representação permite compreender a idealização do Estado enquanto personificação da unidade entre os homens, de forma que as vontades individuais sejam reduzidas em favorecimento de uma única vontade e que agrade à maioria. Portanto, a representação é a possibilidade da promoção de uma realidade de paz, fazendo com que o estado natural do homem (de viver em constante guerra de todos contra todos) seja impelido.
Assim como no espaço de atuação teatral, as pessoas quando representam determinadas coisas inanimadas, como por exemplo, uma igreja, um hospital, tem autorização para promover a conversação destas instituições, que são conferidas por seus proprietários. Isso significa que o comportamento humano tende a aceitar a personificação como uma forma de promoção da convivência pacífica, enquanto participantes de um Estado de governo civil. O mesmo vale para as pessoas que não possuem o uso da razão por si mesmas, para a personificação dos ídolos (como os deuses pagãos), e a própria pessoa do Deus, onde tais passam a ser representados por outras pessoas, que agem em seus nomes.
A concepção do Estado, enquanto organização civil, objetiva que as pessoas consigam conviver de forma pacífica. Para tanto, habilita a personificação de determinadas pessoas em determinados contextos, de forma com que, assim como o contexto de atuação teatral, aqueles que representam determinados representados, visam à conversação destes, enquanto integrantes do Estado civil. Para tanto, aquele que representa à muitos, tem em sua voz a constituição de todos eles, uma vez que é a maioria.
Nesse sentido, cada homem que é representado transfere ao seu representante a sua própria autoridade em particular. De igual forma, a cada um pertence as ações praticadas pelo representante, quando lhe seja conferida autoridade sem limites para tanto.
A noção hobbesiana de autorização
O ato jurídico mediante o qual uma pessoa artificial é constituída é a autorização, ou seja, é o direito de praticar qualquer ação, cujos efeitos decorrem da comissão ou licença daquele a quem pertence o direito. Nesses casos, aquele que pratica as ações comissionadas e/ou licenciadas é considerado o ator. As palavras e as ações deste ator pertencem, porém, ao seu autor, razão pela qual o ator age por autoridade dada pelo o autor.
Tal ato jurídico confere legitimidade à representação quando obriga o autor como se o mesmo realizasse as ações que o ator realiza com sua autorização, e de igual forma, obriga também ao autor as consequências das ações realizadas pelo ator em seu nome. Uma vez que os pactos entre os homens – que os fazem com sua capacidade natural –, tem validade também para as ações realizadas pelos atores, representantes ou procuradores (pessoa artificial), que agem por autoridade, dentro dos limites que lhes foram comissionados, não os ultrapassando, tal representação se legitima.
Assim, se o autor realiza qualquer ação que seja considerada contra a lei da natureza em razão da ordem do autor, tem-se que quem violou a lei da natureza fora o autor e não o ator, pois este último assim o fez por ser obrigado a cumprir a ordem do autor. O ator o faz para cumprir os contratos, uma vez que o seu descumprimento seria ir contra a lei da natureza.
Atribuição verdadeira ou por ficção
A distinção hobbesiana entre atribuição verdadeira e fictícia ocorre quando há a personificação. A atribuição verdadeira é aquela quando uma pessoa, a partir de um pacto de autorização, age a partir do direito consentido pelo seu ator de praticar atos e palavras em seu nome. Já a atribuição fictícia se dá quando não se pode ter personificação, como é o caso das coisas inanimadas.
Hobbes afirmava que tais coisas (as inanimadas), como por exemplos, “uma igreja, um hospital, uma ponte”, podem por meio de “um reitor, um diretor ou um supervisor”, serem personificadas. No entanto, tal atribuição é fictícia, uma vez que aquilo que se personifica é privado de razão e de vontade, não podendo desta forma, pactuar uma autorização de representação para aquele que a personifica. Compete a estes que personificam tais coisas inanimadas, somente “autoridade para prover à sua conservação, a eles conferida pelos donos ou governadores dessas coisas. Portanto, essas coisas não podem ser personificadas enquanto não houver um estado de governo civil”.
Nesse sentido, a Pessoa Artificial do Estado é aquela decorrente da organização do governo civil, cujo Estado se dá com a representação consentida por muitos homens, para que o mesmo, enquanto Estado de governo civil, o represente, sendo “a voz do maior número” de pessoas, e, portanto, “considerada como a voz de todos eles”.
A unidade da soberania
A teoria hobbesiana da representação permite compreender a idealização do Estado enquanto personificação da unidade entre os homens, de forma que as vontades individuais sejam reduzidas em favorecimento de uma única vontade e que agrade à maioria, sendo possível a partir disso realizar uma teorização da Pessoa Civil do Estado, enquanto convenção jurídica que o concebe como aquele que representa a voz da maioria das pessoas, que se organizam para conviverem em paz.
A Pessoa Civil do Estado, por meio da representação consentida pelas pessoas para que as represente resulta na possibilidade da promoção da paz, o que indica que o estado natural do homem (de viver em constante guerra de todos contra todos) consegue ser impelido.
O Estado – enquanto Pessoa Civil – é uma organização cuja finalidade é fazer com que as pessoas consigam conviver de forma pacífica, e para tanto, habilita a personificação de determinadas pessoas em determinados contextos, de forma que aqueles que representam determinados representados objetivem à conversação destes, pelo simples fato de serem integrantes do Estado civil.
Tem-se assim que o Estado, enquanto Pessoa Civil é aquele que representa a muitos, tendo em sua voz a constituição de todos eles, uma vez ser a maioria.
OBSERVAÇÃO:
Este texto é um resumo que produzi com o material de aula de disciplina “FILOSOFIA POLÍTICA II” da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA – Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares, produzido em 28/10/2013.
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