No estudo da 'História da Filosofia Medieval I' temos a obra de "A
Vida Feliz" de Santo Agostinho como objeto de análise. O autor, mesmo não
sendo propriamente um filósofo medieval (considera-se que Agostinho seja uma
filósofo antigo, mais precisamente da Antiguidade Tardia), é tratado como um
dos principais pensadores da Idade Média porque a Filosofia Medieval Ocidental
apresenta enorme influência sua, sobretudo como fonte de reflexão filosófica
cristã.
Até Tomás de Aquino, no século XIII, Agostinho é o autor de maior
influência na Idade Média porque, dentre outras razões, concebeu o cristianismo
não só como uma religião, mas também como filosofia, mais precisamente, como a
verdadeira filosofia.
SOBRE O DIÁLOGO "A VIDA FELIZ" DE AGOSTINHO
A obra
agostiniana ora analisada é um registro de fatos reais (já que o filósofo
possuía um estenógrafo), uma vez que tal colóquio realmente ocorrera em
Cassicíaco (norte da Itália), numa chácara cedida por seu amigo Verecundo,
homem da nobreza romana, entre os dias 13 a 15 de novembro do ano 386 d.C, em
ocasião do 32° aniversário de Agostinho.
Neste local, o filósofo reuniu seu irmão Navígio, seu filho Adeodato, sua mãe Monica, seus amigos Alípio, Licencio e Trigésio e seus dois primos Lastidiano e Rústico, com o intuito de oferecer-lhes um banquete para o corpo, mas também para a alma, pois nesse contexto estavam todos livres para se dedicarem também à contemplação.
Neste local, o filósofo reuniu seu irmão Navígio, seu filho Adeodato, sua mãe Monica, seus amigos Alípio, Licencio e Trigésio e seus dois primos Lastidiano e Rústico, com o intuito de oferecer-lhes um banquete para o corpo, mas também para a alma, pois nesse contexto estavam todos livres para se dedicarem também à contemplação.
O PRIMEIRO DIA DO DIÁLOGO:
Nesse primeiro
momento do diálogo “A Vida Feliz” (§§ 7-9 referentes
ao primeiro dos três dias – e conseqüentemente três capítulos) Agostinho estava
em duvida sobre a natureza da alma. Ele começa sua constatação com a inquirição
sobre a clareza de todos os presentes acerca do entendimento de que o homem é
composto de corpo e alma.
Todos concordam, exceto Navígio, que duvidava se poderia existir alguma coisa a mais do que isso. Agostinho entendeu-lhe conclui, em conjunto com todos os presentes, que todos estavam em consenso de que existia um corpo e uma alma. Ressalta-se que no início do diálogo, Agostinho referia-se à “vida” e posterior utilizou-se o termo “alma”. Porém, como explica Filho & Gunella (2012, p. 37), o fato de viver, numa análise etimológica, significa possuir uma alma.
Isto posto, passaram a discutir sobre para qual dos dois (corpo e alma) o ser humano deseja o alimento. Após esclarecimentos ao amigo Trigésio, todos concluíram que o alimento é para o corpo, haja vista que se for suprimido o alimento, o corpo definha. Com a aprovação de todos que o alimento se refere ao desenvolvimento e fortalecimento do corpo, a investigação destinou-se à alimentação própria para a alma.
Agostinho pergunta se o alimento para alma não seria a ciência (ou conhecimento), ao que sua mãe, Mônica, de forma veemente respondeu que “não existe outro alimento para a alma que seja o conhecimento das coisas e a ciência”, pois, “é de tais alimentos, isto é, das próprias especulações e pensamentos, que a alma se alimenta” (8). Esse posicionamento de Mônica alvoroçou o ambiente e Agostinho surgiu com o posicionamento de que “os homens sábios possuem o espírito mais pleno e mais livre do que os ignorantes” (8).
Disto decorreu o entendimento de que os espíritos desprovidos de cultura e instrução são como espíritos em jejum e famintos, os quais Trigésio acrescentou definindo-os como “cheios de vícios e maldades”, ao passo que Agostinho corroborou, por entender que esse espírito ignorante, por inanição, está “impregnado de doenças provenientes de suas carências”.
Agostinho então afirmou que a alma que não se alimenta do conhecimento tem uma decomposição maligna, que é “a mãe de todos os vícios”, identificando-se como uma perversão moral, uma vez que vem a ser nada, vazia. Ela – alma – é improdutiva, pois se escoa, decompõe-se, dissolve-se e não pára de se deteriorar e perder-se. Falta-lhe identidade, pois é imutável e perdida.
Já o seu oposto, ou seja, uma alma que se alimenta, possui uma virtude, uma identidade, cujo elemento mais importante se denomina moderação, temperança ou frugalidade, o que significa que tem a alma plena, nutrida, preenchida de conhecimento e que se mantém, perdura-se, não se altera e sempre fica semelhante a si mesmo.
Dessa forma, a investigação da alma e de seu alimento tem como critério a imutabilidade (Filho & Gunella, 2012, p. 40), pois o filósofo elaborou um conceito de alma imaterial, que se alimenta também de forma imaterial, e principalmente, imutável.
Todos concordam, exceto Navígio, que duvidava se poderia existir alguma coisa a mais do que isso. Agostinho entendeu-lhe conclui, em conjunto com todos os presentes, que todos estavam em consenso de que existia um corpo e uma alma. Ressalta-se que no início do diálogo, Agostinho referia-se à “vida” e posterior utilizou-se o termo “alma”. Porém, como explica Filho & Gunella (2012, p. 37), o fato de viver, numa análise etimológica, significa possuir uma alma.
Isto posto, passaram a discutir sobre para qual dos dois (corpo e alma) o ser humano deseja o alimento. Após esclarecimentos ao amigo Trigésio, todos concluíram que o alimento é para o corpo, haja vista que se for suprimido o alimento, o corpo definha. Com a aprovação de todos que o alimento se refere ao desenvolvimento e fortalecimento do corpo, a investigação destinou-se à alimentação própria para a alma.
Agostinho pergunta se o alimento para alma não seria a ciência (ou conhecimento), ao que sua mãe, Mônica, de forma veemente respondeu que “não existe outro alimento para a alma que seja o conhecimento das coisas e a ciência”, pois, “é de tais alimentos, isto é, das próprias especulações e pensamentos, que a alma se alimenta” (8). Esse posicionamento de Mônica alvoroçou o ambiente e Agostinho surgiu com o posicionamento de que “os homens sábios possuem o espírito mais pleno e mais livre do que os ignorantes” (8).
Disto decorreu o entendimento de que os espíritos desprovidos de cultura e instrução são como espíritos em jejum e famintos, os quais Trigésio acrescentou definindo-os como “cheios de vícios e maldades”, ao passo que Agostinho corroborou, por entender que esse espírito ignorante, por inanição, está “impregnado de doenças provenientes de suas carências”.
Agostinho então afirmou que a alma que não se alimenta do conhecimento tem uma decomposição maligna, que é “a mãe de todos os vícios”, identificando-se como uma perversão moral, uma vez que vem a ser nada, vazia. Ela – alma – é improdutiva, pois se escoa, decompõe-se, dissolve-se e não pára de se deteriorar e perder-se. Falta-lhe identidade, pois é imutável e perdida.
Já o seu oposto, ou seja, uma alma que se alimenta, possui uma virtude, uma identidade, cujo elemento mais importante se denomina moderação, temperança ou frugalidade, o que significa que tem a alma plena, nutrida, preenchida de conhecimento e que se mantém, perdura-se, não se altera e sempre fica semelhante a si mesmo.
Dessa forma, a investigação da alma e de seu alimento tem como critério a imutabilidade (Filho & Gunella, 2012, p. 40), pois o filósofo elaborou um conceito de alma imaterial, que se alimenta também de forma imaterial, e principalmente, imutável.
O bem da alma:
A
obra agostiniana ora analisada é um registro de fatos reais, uma vez que tal
colóquio realmente ocorrera em Cassicíaco (norte da Itália), numa chácara
cedida por seu amigo Verecundo, homem da nobreza romana, entre os dias 13 a 15
de novembro do ano 386 d.C, no 32° aniversário de Agostinho. Lá, o filósofo
reuniu seu irmão Navígio, seu filho Adeodato, sua mãe Monica, seus amigos
Alípio, Licencio e Trigésio e seus dois primos Lastidiano e Rústico, com o
intuito de oferecer-lhes um banquete para o corpo, mas também para a alma, pois
nesse contexto estavam todos livres para se dedicarem também à contemplação.
No
primeiro momento do diálogo “A Vida Feliz”, notadamente nos capítulos 7 a 9, Agostinho estava em duvida sobre a
natureza da alma, concluindo, por meio do desenvolvimento do diálogo, que a
alma está nutrida quando possui ciência, virtude e ser. Sua relação com o
segundo momento do diálogo, os capítulos 10 a 12,
ocorre quando se exige a posse pela alma do bem imutável, entendido como
Deus, como a origem da felicidade.
Essa
relação entre alimento da alma e felicidade começa quando os interlocutores
respondem a pergunta de Agostinho: “Queremos
todos ser felizes?”, onde após todos responderem coletivamente de forma
positiva, há uma contra-pergunta agostiniana: “Quem não tem o que quer é feliz?” (10), ao passo que todos
responderam que não, pois entenderam que se não se tem o que se quer, não se é
feliz.
Agostinho,
na preocupação de que não se ocorresse uma aporia, inverteu a pergunta: “então, quem tem o que quer será feliz?”
(10), tendo sua mãe, Mônica, respondido – ao compreender o objetivo de seu
filho ao inverter a pergunta – que “sim,
se for o bem que ele apetece e possui, será feliz. Mas, se forem coisas más,
ainda que as possua, será desgraçado”.
O
filósofo conclui essa etapa do colóquio afirmando que sua mãe chegara ao cume
da Filosofia, por ter ido de encontro com a obra de Cícero, intitulada Hortênsio, a responsável por fazê-lo
despertar à Filosofia, e que demonstrava que “não basta possuir qualquer coisa que se deseje para ser feliz” (FILHO
& GUNELLA 2012, p. 43).
Posto
isto, e após advertir Licêncio, que se precipitou questionando o que era
necessário para ser feliz e quais as coisas que se pode desejar para chegar à
felicidade, Agostinho continuou seu itinerário esclarecendo que para todos
estava claro que ninguém poderia ser feliz sem possuir o que deseja e, de igual
forma, não basta aos que já possuem ter o ambicionado para serem felizes, já
que a única coisa que pode ser ambicionada é o bem (10).
Para
não cair em aporia, Agostinho retoma a discussão com as perguntas: “Admitis ser infeliz o homem que não é
feliz?” e “Logo é infeliz quem não
possui o que deseja”? (11) após ter obtido resposta positiva de todos à
primeira questão.
Passa-se
então a discutirem “o que o homem precisa
conseguir para ser feliz?” (11), qual o bem que a alma necessita possuir
para se ter uma vida feliz, ou seja, o que convém ser desejado.
Entendendo
que para ser feliz é preciso possuir um bem sem o qual a felicidade não existe,
esse bem necessita, portanto, ser um “bem
permanente, livre das variações da sorte e das vicissitudes da vida” (11),
não podendo “ser mutável, não pode deixar
de existir, perecer”, pois, “se a
fonte de minha felicidade desaparecer, a felicidade mesma desaparece” (FILHO
& GUNELLA, p. 44). Aplicando o critério de imutabilidade, com exceção de
Trigésio, todos concordaram com tal critério, para que se chegue à vida feliz.
Trigésio
excepcionou-se porque afirmou a existência de homens afortunados que possuem em
abundancia bens frágeis e sujeitos ao acaso, mas, não obstante, conseguem viver
de forma agradável. Agostinho refutou-o, afirmando que a felicidade não pode
existir em conjunto com o temor e o sofrimento da perda, ao passo que Mônica
ratificou o argumento de seu filho, ao afirmar que “ainda que alguém tivesse a certeza de não perder tais bens frágeis,
contudo, nunca viria a se contentar com o que já possui. Portanto, a pessoa
seria infeliz pelo fato de querer sempre mais”, o que na perspectiva de FILHO
& GUNELLA (p. 45) se resume em duas razões: a causa do medo, que não existe
quando se tem a felicidade absoluta, e o traço de insaciabilidade das coisas
relativas.
Ainda
utilizando o critério de imutabilidade do bem que propõe a felicidade por meio
dos próprios bens relativos, Agostinho os inquiriu sobre a possibilidade de
alguém possuir “bens em abundância,
rodeado de benefícios sem conta, supondo que pusesse limite/medida a seus
desejos e vivesse satisfeito com o que possuísse, no gozo honesto e agradável
desses bens” (11), e se assim poderia ser ele feliz.
Mônica
afirmou que poderia ser sim feliz, porém “não
seriam essas coisas que o tornariam feliz, mas a moderação de seu espírito” (11),
trazendo a análise da felicidade para análise da virtude da moderação, tal como
foi com o alimento da alma.
Nesse
sentido, FILHO & GUNELLA (2012) afirmam:
“O que pode
tornar o homem feliz não é a posse de um bem exterior a ele, não é a posse de
algo corpóreo, mas de algo incorpóreo, da mesma natureza da alma. A virtude,
dessa maneira, é apresentada como bem imutável. Se uma alma é virtuosa, assim
será sempre: em toda e qualquer circunstância agirá com virtude, moderadamente”
(2012, p. 46).
O filósofo nesse momento concluiu que “se alguém quiser ser feliz, deverá procurar um bem permanente, que não lhe possa ser retirado em algum revés de sorte” (11), e de forma imediata desenvolve mais ainda seu raciocínio ao concluir que “é feliz quem possui a Deus” (11), tendo como premissas ‘ser feliz quem possui um bem imutável’ e a ‘imutabilidade de Deus’. Portanto, Deus é o bem que a alma precisa possuir para se ter uma vida feliz.
Finalizando esse segundo momento do diálogo, Agostinho apresentou um novo questionamento: “quem entre os homens possui a Deus?” (12). Como maneiras da alma possuir o bem que a alma necessita (ou seja, Deus), de Licêncio obteve a resposta “quem vive bem” (12), de Trigésio “quem faz o que Deus quer que se faça” (12), e de seu filho Adeodato, obteve “quem não tem em si o espírito imundo” (12).
Após saber o que cada um dos presentes pensava a respeito, Agostinho concluiu que responder essa pergunta é “a matéria mais elevada sobre a qual” se deve filosofar na “busca da felicidade” (FILHO & GUNELLA, p. 47). Porém, o filósofo deixou essa investigação para o dia seguinte, haja vista que já estavam prontos para se fartarem dos pratos servidos na ocasião.
O SEGUNDO DIA DO DIÁLOGO
Na continuidade da obra "A Vida Feliz", em seu terceiro capítulo, intitulado "O segundo dia", Agostinho retoma a metáfora alimentícia e as conclusões obtidas no dia anterior, tendo certeza de que todos ali novamente presentes entendiam que a discussão nesse segundo momento seria mais breve. Igualmente, que todos os presentes desconheciam o que estaria preparado para esse segundo momento, ao afirmar:
"Desconheço, entretanto, o que vos está preparado para hoje, tanto
quanto vós. Pois existe Outro que não cessa de oferecer-se a todos os melhores
manjares, sobretudo os deste gênero de que vamos nos servir neste
momento". (17)
Segundo explicam FILHO & GUNELLA, Deus caracterizado na figura do ‘Outro’,
é de suma importância haja vista que se trata “da afirmação de uma alteridade com o ser humano, cuja distância parece
poder ser suprimida, na medida em que o homem deve possuir a Deus”. (2012, p. 55)
Salientam, porém, que essa caracterização não se trata de uma
identificação do homem com Deus, de uma deificação, “pois o fundamento do homem se encontra em Outro, de forma que ele nunca
poderá bastar-se e fundamentar-se a si mesmo”. (2012, p. 55)
Na continuidade de sua fala, Agostinho afirma ser a própria humanidade a
ser abster de tomar desses 'manjares', seja "por fraqueza, por
fastio, seja por excesso de ocupações" (17).
Nesse ponto, FILHO & GUNELLA afirmam que mesmo havendo a
possibilidade do homem buscar a Deus após ser suscitado por um mestre, o mesmo
não é autossuficente, pois “não depende
apenas de si para nutrir a alma e encontrar a felicidade, nem é capaz de
produzir o próprio alimento anímico, mas é dependente da dispensação do Outro”.
(2012, p. 57)
Isto posto, Agostinho reconstrói a discussão que ficara suspensa no dia
anterior, qual seja, somente é feliz quem possui a Deus e
que na análise de quem possui a Deus foram apontadas três respostas:
1 - Possui a Deus quem faz o que Deus quer.
2 - Possui a Deus quem vive bem.
3 - Possui a Deus quem não tem em si o espírito denominado impuro.
A partir disso o filósofo de Hipona examina cada uma delas para
verificar se seus interlocutores não teriam dito o mesmo, porém com outras
palavras. Na análise dos dois primeiros pareceres Agostinho vê a existência de
uma concordância entre eles, pois, como afirmou, “vemos que quem vive bem faz a vontade de Deus; e quem faz o que Deus quer
vive bem” (18).
Com a anuência de todos, Agostinho parte para o terceiro parecer,
entendendo que antes de analisá-lo é preciso entender o significado de
‘espírito imundo’, ou seja, se este é aquele “espírito que, de fora, invade a alma, perturbando os sentidos, a ponto
de provocar na pessoa uma espécie de loucura”, sendo necessário o exorcismo
para expulsá-lo, ou se este se trata de “toda
alma impura, isto é, manchada de vícios e erros”. (18).
Adeodato, filho de Agostinho e propositor desse terceiro parecer, logo
respondeu afirmando que “está isento de
espírito imundo aquele que vive castamente”. (18). Porém, o significado de
‘castidade’ também é ambíguo, pois pode significar tanto “aquele que não comete nenhum pecado” como “quem se limita a abster-se de relações carnais ilícitas”.(18).
Assim, a conclusão que chegam é que o pecado incide “em qualquer ser humano que procure a felicidade em bens relativos,
esquecendo-se de que a verdadeira beatitude não reside em objeto suscetível à
mudança, mas em um ‘bem permanente’ e imutável”. (FILHO & GUNELLA,
2012, p. 60). Nas palavras de Agostinho, a pessoa casta é aquele que tem “os olhos voltados para Deus”, além de “não se prender a nada além dele só”
(18).
A partir do entendimento de que a pessoa casta é aquela que possui a
alma inteiramente voltada para Deus, é possível incluir o parecer de Adeodato
nas duas primeiras opiniões, pois “viver bem” e “fazer o que agrada a Deus” são
a mesma coisa, assim como não é possível ser livre do espírito imundo se não se
cumprir a vontade de Deus e viver bem.
Assim, todos os presentes concordaram que todos três pareceres coincidem
em uma só opinião.
A posse de Deus:
O diálogo A Vida Feliz, de Agostinho
de Hipona, na primeira parte de seu capítulo III, depara-se com a conclusão de
que os três pareceres dados acerca de quem possui a Deus podem ser resumidos
numa única opinião, a saber, que viver bem e fazer o que agrada a Deus são a
mesma coisa, assim como não é possível ser livre da imundice do espírito – e,
portanto casto – sem cumprir a vontade de Deus e viver bem. Já na segunda parte
do referido capítulo, notadamente no trecho composto pelos parágrafos de número
19 a 22, que o diálogo caminha para uma explicitação da equivocidade da expressão
‘posse de Deus’, bem como da problematização entre os termos ‘possuir’,
‘encontrar’ e ‘procurar’ a Deus.
A equivocidade da expressão ‘posse de
Deus’ se dá quando Agostinho aponta para uma falácia em que todos incorreram,
pois as três opiniões dadas não respondem a pergunta “quem entre os homens possui a Deus?” (II, 12) e sim, quem procura
a Deus.
Para ordenar a discussão nesse sentido,
Agostinho procede a um exercício filosófico com uma sucessão de perguntas: (1) “Deus quer que o homem O procure?”, onde
todos concordaram; (2) “Podemos dizer que
quem busca a Deus vive mal?”, em que todos responderam negativamente; (3) “Pode o espírito impuro procurar a Deus?”;
e tendo a negativa também de todos nessa última inquirição, Agostinho concluiu
que:
“Se, pois, possui a Deus
aquele que busca a Deus, faz a vontade de Deus, vive bem e está livre do
espírito impuro; e, entretanto, por outro lado, quem está a procura de Deus
ainda não o possui; segue-se que quem vive bem faz o que Deus quer e não possui
o espírito impuro, só por aí, não pode ser considerado como alguém que possua a
Deus” (19).
Assim, ao concordarem que o desejo de Deus é que o homem o procure, a expressão ‘posse de Deus’ perdeu seu sentido, haja vista que se alguém procura algo, é porque não possui aquilo que é procurado.
Mônica então propõe um novo sentido
para a ‘posse de Deus’. Baseada no entendimento de que quem procura a Deus já o
possui de algum modo, pois “não há
ninguém que não possua a Deus” (19), especifica as modalidades dessa posse,
a saber: “aquele que vive bem possui a
Deus como um amigo benévolo, e quem vive mal, como alguém que lhe é distante”(19).
Agostinho alerta nesse momento que se
for verdade que todos O possuem, fizeram “mal
ontem em concordar que é feliz todo aquele que possui a Deus (...), pois, na
verdade, vemos que nem todos são felizes”. (19). Navígio, por sua vez,
refuta o sentido dado por Mônica, pois, se aceitar que “é feliz quem possui a Deus como benévolo”, há de se dizer que os
acadêmicos são felizes.
A esse respeito, FILHO & GUNELLA
(2012, p. 63) afirmam que “se eles (os
acadêmicos) estão em busca da
verdade, e se a verdade, ainda que eles não admitam, é Deus, Deus é benévolo
com eles, pois Deus não pode ser malévolo com que o procura” (destaque
nosso) e que a discussão nesse ponto é sobre o critério central do diálogo,
a saber, a imutabilidade. Noutras palavras, seria “a possibilidade de alguém que não possui um bem imutável ser feliz”.
A conversa prossegue uma vez que ainda
não entendiam a inconsistência da expressão “é
feliz quem possui a Deus como propício” (19), até que se deparou com a
necessidade de se repensar a problemática sobre uma outra modalidade de se
possuir a Deus.
Segundo FILHO & GUNELLA (2012) o
problema que todos os presentes encontraram era justamente que “se Deus não
pode ser propício aos acadêmicos, seria Deus malévolo com eles. Se sim, então
Deus seria malévolo com quem procura a verdade, o que seria um absurdo”.
Além de que teria surgido uma terceira questão: “como aqueles que não possuem a Deus nem favorável nem hostil,
possuiriam a Deus?” (p. 63-64).
Nesse ponto, ao Agostinho (21) inquirir
se valia mais possuir a Deus ou não estar sem ele, Mônica elabora uma nova
forma de relação entre o homem e Deus, a saber:
“... quem vive bem possui
a Deus, e de modo propício. Quem vive mal possui a Deus, mas como distante. E
quem quer que esteja à procura, sem todavia o ter encontrado ainda, não possui
a Deus nem propício nem molesto. Contudo, não está sem Deus”.
Assim, a mãe do filósofo de Hipona afirma ser possível ‘possuir a Deus’ de dois modos: propício ou molesto/distante. O primeiro significa “não
só procurar por Deus, mas ainda viver bem ao longo da procura, o que se dá com
o auxílio de Deus”, e o segundo, “não
desfrutar de auxilio algum de Deus, inclusive porque ele é malévolo (...) com
quem vive mal, vive imerso em vícios e não o procura”. Por sua vez, os que
não possuem a Deus em nenhum dos dois modos, mas o procuram, não estão sem
Deus, porém não vivem bem. (FILHO & GUNELLA, 2012, p. 64).
Nesse momento
Agostinho aponta para a incompatibilidade de tentar vincular ‘posse’ e
‘procura’ para definir quem seja feliz, pois considerando ser Deus favorável a
quem o procura, e se admitisse que é feliz quem Deus for favorável, deve-se
concluir que “quem ainda não possui o que
deseja é feliz” (21), contrariando o entendimento do dia anterior, onde
todos concordaram que “ninguém pode ser
feliz, sem possuir o que deseja” (II, 10).
Assim, a referida problematização
a respeito da ‘posse de Deus’ passa a ter uma conotação distinta de ‘procurar a Deus’, devendo-se
analisar a relação entre ‘encontrar’ e ‘procurar’, pois assim é possível
conceber que “nem todo o que possui Deus
favorável é feliz” (21), uma vez que nem todo que já o possui o encontrou.
Agostinho então
propõe uma nova tripartição da relação do homem com Deus, a saber:
“Todo o que encontrou a
Deus e o tem benévolo é feliz. Todo o que ainda busca a Deus tem-no benévolo,
mas ainda não é feliz. E, enfim, todo o que se afasta de Deus, por seus vícios
e pecados, não somente não é feliz, mas sequer goza da benevolência de Deus” (21).
Pode-se concluir que nessa nova proposta do filósofo, aquele “que encontrou a Deus benévolo e é feliz” tem sua posse vinculada ao termo ‘encontrar’. Já aquele que “ainda busca a
Deus tem-no benévolo, mas ainda não é feliz” já tem sua posse vinculada ao
verbo ‘procurar’. Ambos são felizes justamente porque não pode ser feliz a
pessoa que não possui o que deseja. Por sua vez, aqueles que se afastaram de
Deus não contam com sua benevolência, pois não o encontraram e nem o
procuraram.
Com a concordância
de todos, Agostinho também conclui que assim, o entendimento anterior de que “todo aquele que não é feliz é infeliz”
é também falso, passando a entender como infeliz “a pessoa que possuindo a Deus de modo benévolo, pelo fato mesmo de
estar em busca de Deus, não é feliz” (22).
Não obstante, o diálogo nesse segundo
dia deixa em suspenso a possibilidade de existir um estado de intermediaridade
entre a felicidade e a infelicidade, tendo que ulteriormente analisarem “se é verdade que seja infeliz quem se
encontra em indigência” que também seja “verdade
que todo infeliz seja indigente” (22), pois caso a reflexão seja positiva, “a infelicidade consiste tão-somente na
carência e na indigência” (22), o que significaria que a pessoa que procura
por Deus, que possui a Deus benévolo, na realidade não o possuiria e assim
seria indigente e, portanto, infeliz.
O TERCEIRO DIA DO DIÁLOGO:
Na continuidade da obra "A Vida
Feliz", no Capítulo IV – “A Felicidade é Plenitude Espiritual”, já
relatando o terceiro dia do diálogo, Agostinho e seus convidados vão à um campo
e lá retomam a discussão do ponto que tinham parado no dia anterior, ou seja,
na possibilidade de serem todos os infelizes necessitados de algo, carentes, no
sentido oposto da noção de possuir.
Para tanto Agostinho tenta compreender
em que consiste a infelicidade e a felicidade, tendo como método a indigência,
pois caso o resultado fosse que todos os infelizes são carentes de algo, seria
possível descobrir quem é feliz, ou seja, seria “feliz quem não sofre
necessidade” (23).
Trigésio, amparado na conclusão do dia
anterior que de não haveria um meio-termo entre felicidade e infelicidade tenta
concluir que feliz é aquela pessoa que não está na indigência. Ocorre que no
dia anterior viu-se que há um grupo de pessoas, que não são felizes, e que
procuram a Deus, porém ainda não o encontraram, mas que essas pessoas já o
possuem de algum modo. Se já o possuem, não se pode afirmar que são indigentes,
contrariando dessa forma, Trigésio.
Agostinho então procura demonstrar que a
conclusão de Trigésio não ampara a suposta identidade entre infelicidade e
indigência, passando a analisar o meio-termo entre infelicidade e felicidade,
para vê se pode concluir que o feliz é aquele não está na indigência.
Para tanto, Agostinho que afirmou que
‘estar na indigência’ como análogo ‘à estar enterrado há um ano’ não possibilita
a seqüência ‘quem não está na indigência é feliz’ como análogo de ‘não estar
vivo alguém que já fora enterrado há mais de um ano’.
Após essa
analogia e diante de uma compreensão vaga, concluíram que precisavam examinar
melhor o conceito de indigência.
A indigência:
O diálogo A Vida Feliz, de Agostinho de Hipona, na primeira parte do Colóquio do Terceiro Dia (§§ 23-29) propõe-se à questão da identificação entre a indigência e a infelicidade. Para tanto, utilizam-se de uma concepção estóica para compreender quem é a pessoa sábia, sendo esta alguém que não está em busca da felicidade, pois já a encontrou. Em razão disto, deve-se analisar tal sabedoria pela perspectiva da existência de uma possível indigência.
Nessa análise de suas possíveis
carências, a necessidade corporal não se justifica, pois “estas coisas não se fazem sentir na alma – sede da vida feliz”
(25). Já na análise relativa à alma, o traço da sabedoria é a virtude da
fortaleza, que é a tranqüilidade sob a qual a alma repousa, a ponto de não se
abater com a privação de bens exteriores, sendo “tolice suportar o que se pode evitar” (25) razão pela qual o sábio
tem critérios racionais de possibilidade e conveniência.
Justamente por isto, Agostinho (25)
passa a analise da concepção de felicidade ou de infelicidade para uma dimensão
interior, pois ser sábio é também “evitar
certos males”, e mesmo “diante do
insucesso ele não se tornará infeliz, pois reconhecerá que aquilo que não pode
ser evitado se refere ao que ao homem não deve querer evitar” (FILHO &
GUNELLA, 2012, p. 75), indo de encontro com a máxima de Terêncio: “já que as coisas não podem ser tal como
queres, deseja apenas aquilo que for razoável” (25).
A sapiência é justamente saber o deve
querer e o que não se deve querer, uma vez que “tudo o que ele faz será conforme as prescrições da virtude e da divina
lei da sabedoria”, já que a sabedoria reside em bens imutáveis, que nunca “poderão ser arrebatados” (25). Nesse
ponto, e visando contrapor o homem sábio do não sábio, o diálogo passa a
analisar a figura de Orata, um personagem que representa o sentido material da
indigência.
Abastado, via-se inseguro com o temor
da perda de toda a sua riqueza, não podendo assim, ser feliz. Ressalta-se que
mesmo infeliz em razão de sua insegurança, Orata não se encontrava em
indigência. Daí concluir-se que a felicidade coincide com a ausência da
indigência, e de igual forma, que a infelicidade nem sempre coincide com
indigência, pois a indigência nesse caso, material, não existia.
Por essa razão, Mônica aponta para um
entendimento de indigência em outra esfera, ou seja, espiritual. Nesta, a
indigência “é a privação da sabedoria”,
sendo considerada “a maior e mais
deplorável indigência” (27). Noutras palavras, a indigência seria o oposto
da sabedoria, ou seja, a estupidez, a estultícia.
Com essa nova perspectiva, pode-se
identificar a indigência com a infelicidade, bem como a estupidez com a
infelicidade, sendo possível afirma que “todo
insensato é infeliz, do mesmo modo todo infeliz é insensato” (28). Na lição
de FILHO & GUNELLA (2012), essa conclusão pode ser compreendida com o
seguinte raciocínio: “- A indigência (carência
de sabedoria) é estultícia;/ - Toda estultícia é uma infelicidade; / - Logo,
toda infelicidade é uma indigência. (p. 78).
Para fazer com que Trigésio
compreendesse que a identificação de indigência e infelicidade se torna
necessária a partir da compreensão de que a indigência é a falta de sabedoria,
e o seu oposto é a estupidez, Agostinho ainda utiliza-se de exemplos como a
privação da luz e a questão da nudez, onde, analogamente, a estultícia era
compreendida como o ‘não possuir’ a sabedoria, podendo finalizar essa parte do
diálogo afirmando que “todo insensato é
infeliz e todo infeliz insensato, assim também todo indigente é infeliz e todo
infeliz indigente” (29).
A análise etimológica da indigência:
Nessa segunda metade do texto referente ao terceiro dia do colóquio empreendido por Agostinho com seus interlocutores, passa-se a uma análise etimológica dos conceitos associados à compreensão de indigência. Desta forma, a estultícia se refere à alma que apresenta todos os vícios que existem, pois o homem estulto é considerado como aquele incapaz de virtudes, porque não possui sabedoria. A nequícia significa a malícia, a maldade, é considerada como a mãe de todos os vícios, é a esterilidade, é o ‘não ser’. Juntamente com a indigência, a estultícia e a nequícia, formam uma tríade cuja relação entre elas é recíproca, ou seja, uma não existe sem a outra. O oposto da nequícia é a frugalidade, ou seja, a virtude da alma fecunda, que produz frutos, é o ‘ser’. Já o oposto da estultícia é a sabedoria. Ser estulto – e também indigente – é, portanto, ser néscio, é ser privado “de ser”, de ter sabedoria.
Essa dicotomia entre malícia e frugalidade possibilita a compreensão do contrário da indigência como sendo a plenitude e a opulência. Acima da compreensão de riqueza (vocábulo simplório para se opor à indigência) é a plenitude o oposto da indigência, pois dessa forma, atrela-se seu significado ao conceito de frugalidade, na medida em que se entende essa frugalidade como a plenitude da alma, como a mãe de todas as virtudes, como a moderação e temperança, como a medida certa, nem abundante e nem faltosa. Nesse sentido, a opulência também pode ser considerada o contrário da indigência, na medida em que é um auxilio para se encontrar a medida, para que nada seja em excesso.
Quando se analisa a relação de contrariedade entre indigência e frugalidade, estabelece-se uma relação de deslocamento e ampliação do sentido lógico (entendido como conhecimento) da sabedoria, para um sentido físico, (enquanto ontologia), e moral. Ao se definir a sabedoria como a medida da alma, tem-se que a sabedoria é o contrário da estultícia, da indigência e da carência. A sabedoria como a medida da alma é a plenitude. E a plenitude se dá com o tratamento das perturbações da alma e com a conservação de seu equilíbrio para não se dispersar em excessos ou se encolher abaixo de sua plenitude.
Essa sabedoria se dá com o encontro da medida da alma não
somente no plano moral, mas também em seus sentidos físico e lógico. Tal qual a
tríade negativa (indigência, ignorância, nequícia) e a positiva (plenitude,
sabedoria, frugalidade), o encontro da medida da alma também passa pelo
conhecimento dos fundamentos que levam à sabedoria, a saber: a) o físico –
compreendido como a medida certa em si que a alma precisa, ou seja, através do
encontro com o Pai, entendido como Deus, o bem imutável; b) o lógico –
entendido como a Verdade, através do Filho, na figura Jesus, que também é Deus
e, portanto, imutável; e c) o moral - a terceira pessoa da Trindade, o Espírito
Santo, elemento no qual a dinâmica de Deus com a criação se completa ao se
revelar ao homem, que em sua passividade somente se entrega à transcendência e
a presença de Deus no mundo, na alma racional dentro de si, sendo assim, capaz
de conduzi-lo à Vida Feliz.
A medida da alma como possuir a Deus:
O diálogo A Vida Feliz, de Agostinho
de Hipona, em sua parte final propõe-se a estabelecer a compreensão da ‘medida
da alma’, bem como que sua posse significa ter a ‘posse de Deus’.
Agostinho, após analisar
etimologicamente alguns conceitos acerca da indigência e de seus opostos, desenvolve
a compreensão acerca da relação de reciprocidade entre física, lógica e moral (§§
32-33), pois com a ampliação do conceito de sabedoria enquanto a medida da alma
foi possível conceber um sentido físico (por uma análise ontológica) e moral
para tal conceituação.
A sabedoria é tida como a ‘medida da
alma’ haja vista que ela é o oposto da estultícia, da indigência. Ser estulto e
indigente é carecer de sabedoria. Possuir a sabedoria é ter plenitude, é
possuir a medida certa, nem em excesso, nem em falta. É, portanto, ter a medida
da alma. Ser sábio e ter a medida da alma, segundo Agostinho, é ter a moderação
da alma, ou seja, é ter “aquilo pelo que
alma se conserva em equilíbrio, de modo a não dispensar em excessos ou
encolher-se abaixo de sua plenitude” (33).
Não ter essa medida faz com que a alma se
entregue às perturbações: luxúria, ambições, orgulhos, baixezas, temores,
tristezas, cobiças e outros excessos do gênero. Quem não possui essa vida
moderada é “miserável, porque, ignorante
e indigente, é incapaz de viver conforme a sua natureza e o bem imutável que
deve possuir”. (FILHO & GUNELLA, 2012, p. 88).
Para se encontrar tal medida é preciso
descobrir a sabedoria, contemplá-la, aderi-la à alma e se converter das
‘aparências enganosas’ para Deus (§ 33). É nesse sentido que possuir a medida
da alma é possuir a Deus, uma vez que se passa do domínio da lógica (do
conhecimento) para os domínios da moral e da física, pois a alma guarda relação
com esses três domínios, para que seja sábia (lógica), virtuosa (moral) e plena
de ser (ontológica).
O bem imutável que é desejado pelo
homem para se alcançar a vida feliz é superior a ele e tem o nome de Deus. Todo
o percurso do colóquio, ora estudado, leva à compreensão de que a inconstância
é própria do ser humano e que ele depende de algo imutável, ou seja, que o
homem precisa ‘possuir a Deus’, pois este é a Sabedoria.
Assim, Agostinho nos §§ 34-36
estabelece a possibilidade de a alma moderada possuir a Deus através da fé na
Trindade. Desembarcando numa filosofia religiosa, e realizando referências
bíblicas (34), Agostinho propõe que a Sabedoria é o Filho de Deus, na figura de
Jesus Cristo, e que tal Sabedoria também é a Verdade, ou seja, Deus, bem como
que a Verdade seja também a Medida, pois ao sábio não se pode faltar nada que é
próprio da Sabedoria.
Utilizando-se da imutabilidade do bem
que a alma deve possuir, tanto a Medida (compreendida na figura de Jesus
Cristo), quando a Verdade/Sabedoria (Deus) se apresentam como eternas, não
tendo inicio e nem fim, justificando o por que “todo aquele que vier à Suma Medida pela Verdade será feliz. E isso é
possuir a Deus na alma, gozar de Deus” (34), é desfrutar Dele.
Sendo o homem a única criatura capaz de
possuir seu Criador, ou seja, Deus, Agostinho aparenta, nessa parte do diálogo,
dispor dos conceitos de imagem e semelhança, onde todas as criaturas são
semelhantes à Deus, sendo porém, somente a alma racional, imagem Dele. Atingir
a Deus é, portanto, uma oportunidade ao homem de realizar uma terapia da alma,
onde num processo de divindade beatificante, o ser humano pode encontrar-se e
viver a Vida Feliz.
Para esse processo de cura da alma
doente e desnutrida (II, 8) é preciso que a alma racional se cure ao mesmo
tempo no registro da física (ou seja, com o encontro com o Pai Criador na realização de uma análise ontológica), da
lógica (através com encontro com o Filho, sendo a medida da alma) e da moral,
sendo esta a terceira pessoa da Trindade, ou seja, o Espírito Santo.
Na concepção agostiniana, cabe a Ele –
o Espírito Santo – a irradiação do Pai e do Filho, da Suprema Medida e da
Verdade. É a terceira pessoa da Trindade o responsável pelo domínio da moral,
em realizar a admoestação do ser humano “para
retornar à pátria, a terra firme, para onde ele deve peregrinar e da qual nunca
deveria ter se exilado”. (35), cabendo ao homem, nesse processo de ter a
Vida Feliz, abrir mão de sua altivez, de seu orgulho, e se entregar, em sua
passividade face à transcendência de Deus no mundo, notadamente na alma
racional, para se elevar ao estatuto de divindade.
Assim, pode-se concluir que para
Agostinho a “Vida Feliz” consiste em conhecer com perfeita piedade o Pai
(aquele que nos guia para a verdade), o Filho (aquele de onde a verdade frui),
através do Espírito Santo, o responsável por nos unir com a suprema medida. Para
tanto, deve o homem, através da Trindade em sua vida, ter um itinerário
religioso que passe por três virtudes apontadas pelo Apóstolo Paulo, qual
sejam: uma fé sólida, uma viva esperança e uma ardente caridade. (35).
BIBLIOGRAFIA:
AGOSTINHO. A vida feliz. Trad. N. A. Oliveira. Col. Patrística, 11. São Paulo: Paulus, 1998.
FILHO, Luiz Marcos da
Silva; GUNELLA, Elis Joyce. História da
Filosofia Medieval I. Guia de Estudos: Lavras: UFLA, 2012.
OBSERVAÇÃO:
Este texto é um resumo que produzi com o material de aula de disciplina “História da Filosofia Medieval I” da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA – Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares, produzido em 30/11/2012.
OBSERVAÇÃO:
Este texto é um resumo que produzi com o material de aula de disciplina “História da Filosofia Medieval I” da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA – Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares, produzido em 30/11/2012.
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