“Quero entender o que dizem. Estou enjoada de ser prisioneira desse silêncio que eles não procuram romper. Esforço-me o tempo todo, eles não muito. Os ouvintes não se esforçam. Queria que se esforçassem”
(LABOURIT, 1994, p. 39)
(LABOURIT, 1994, p. 39)
A identidade é uma construção contínua, que “pode freqüentemente ser transformada ou estar em movimento, e que empurra o sujeito em diferentes posições” (PERLIN, 1998). Ela está em constante descoberta, que necessita se afirmar cultural quando um sujeito se espelha em outro semelhante. Há sempre essa necessidade da figura do outro igual.
Já a cultura visa uma construção de forma permanente. Seu escopo é determinar as especificidades existentes que estabelecem as fronteiras identificatórias entre o próprio sujeito e outro. É também seu objetivo a conquista do reconhecimento dos demais membros do grupo social ao qual pertence.
O sujeito através das práticas discursivas se emerge e se revela. É no uso da linguagem que as pessoas constroem e projetam suas identidades. De ordem discursiva, a identidade se constrói e se projeta utilizando-se da linguagem, porém com a finalidade interativa e social.
A concepção comumente do termo surdo é associada ao imaginário social de estigma, de estereótipo, de deficiência, de necessidade de normalização a cultura, ao jeito de ser das pessoas ouvintes. É uma representação contraditória e rara, portanto, a concepção do termo surdo que o considera como um sujeito diferente linguisticamente, que compreende o ser surdo como um indivíduo que lê o mundo numa experiência visual e não auditiva.
A identidade surda, portanto, vai ser construída dentro desse modo diferente de ler o mundo, uma experiência de cultura visual. Não se trata de construção cultural isolada, mas multicultural.
A formação da identidade da pessoa surda não passa, seguindo o pensamento descrito, exclusivamente no desenvolvimento da linguagem. Não depende só da audição, mas da oportunidade deste sujeito se comunicar de forma adequada.
É possível que uma criança surda tenha o mesmo aprendizado que uma criança ouvinte, desde que tenha contato com a Língua Brasileira de Sinais – Libras – o mais rápido possível.
Cabe nesse contexto a preocupação na área educacional com o fim das escolas especializadas para crianças surdas. É vital a existência destes territórios para que as crianças surdas possam ter contato com a figura do outro igual. É vital a existência destes territórios para que as crianças possam ter contato o mais cedo possível com a Língua Brasileira de Sinais. Não se trata de uma educação isolada. Trata-se de uma educação diferenciada.
Diferenciada em razão do meio utilizado para se construir a identidade: outra modalidade de língua, onde o discurso é realizado visualmente e não por meio da fala/audição. Nesse território, a identidade é interativa e social, ela se constrói na percepção das semelhanças com o outro.
Diferenciada em razão do meio utilizado para se construir a identidade: outra modalidade de língua, onde o discurso é realizado visualmente e não por meio da fala/audição. Nesse território, a identidade é interativa e social, ela se constrói na percepção das semelhanças com o outro.
Quanto mais tarde esse contato inicial com o outro surdo, com a forma diferente de se construir e expor sua identidade específica, a trajetória de isolamento do ser surdo será maior. É nesse sentido a Língua de Sinais um passaporte para o universo social entre seus semelhantes. A construção da identidade é baseada num processo de associação, na noção de pertencimento a um determinado grupo.
Para os surdos, essa construção da identidade, comparativamente aos ouvintes, é longa, uma vez que na escola para ouvintes, pensadas para ouvintes, onde os professores e a maioria de seus semelhantes são ouvintes, o surdo "incluído" não se constrói e não se expõe como surdo. Isso se dará somente quando, ao crescer ter contato, normalmente, nas associações para surdos com seus iguais.
POCHE (1989) entende por cultura “os esquemas perceptivos e interpretativos segundo os quais um grupo produz o discurso de sua relação com o mundo e com o conhecimento, ou qualquer outra preposição equivalente; a língua e a cultura são duas produções paralelas e, além disso, a língua é um recurso na produção da cultura, embora não seja o único”.
Nesse sentido, a língua é “um instrumento que serve à linguagem para criar, simbolizar e fazer circular sentido, é um processo permanente de interação social”.
Já GEERTZ (1989) entende a cultura como um conceito semiótico, ou seja, um estudo dos modos de como o homem dá significado ao que lhe rodeia. Seria ele rodeado de teias de significados, tecidas por ele mesmo. A cultura seria o conjunto dessas teias.
Para ele, a cultura não é somente um completo de padrões concretos de comportamentos, costumes, usos, tradições, feixes de hábitos, mas também um conjunto de mecanismos de controle, de planos, receitas e regras e instruções para governar o comportamento.
O autor via, portanto, a cultura como um mecanismo de controle, com o pressuposto de que o pensamento humano é basicamente social e público.
BORDIEU (1998) avança e afirma que o mundo social é representação e vontade. Existir passa por ser percebido, principalmente, como distinto.
Perceber a existência de minoria, de um grupo à parte, formada por pessoas surdas, que possuem suas especificidades, seus modos de socialização e de funcionamento cognitivo que dão origem a uma cultura diferenciada, não deve significar a criação de um grupo minoritário que fique à margem da sociedade. Ao contrário, deve possibilitar que ocorra o desenvolvimento normal da cognição, da subjetividade, da expressividade e da cidadania destas pessoas surdas.
O alto número de casamentos endógamos na comunidade surda implícitamente desmascara um medo ao preconceito. Tais membros que casam com outros membros de uma determinada minoria entendem o casamento com uma pessoa ouvinte, no caso da minoria surda, como uma atitude totalmente desaprovada. A não formação da subjetividade dessa identidade diferente, e não isolada, faz com que a cidadania das pessoas surdas seja de certa forma lesada, por causa dos medos de ser relacionar com o outro não igual.
SKLIAR (1998) ressalta que a dificuldade não está na surdez, nos surdos, nas identidades surdas, na língua de sinais, mas sim nas representações dominantes, hegemônicas do discurso ouvintista sobre as identidades surdas, a língua de sinais, a surdez e os surdos.
A existência de um discurso etnocêntrico, que perpassa por uma concepção de desigualdade e de superioridade em relação à cultura surda e seus símbolos, faz com que haja um jogo de poder e força, onde a relação ouvinte/surdo se passe como falante ideal/incapacidade de falar ideal.
Independentemente de ser um mecanismo compensatório que o surdo utiliza para se socializar, ou como um atributo natural, a língua de sinais é o traço por excelência de uma cultura surda.
A cultura surda se legitima por meio da língua surda. Não deve ser por outros traços tidos como culturais, tais como essa relação de poderes específicos de ouvintes sobre surdos; de sistemas de idéias e valores de longa duração, como o discurso ouvintista até hoje presente, sobretudo na atual política educacional brasileira para pessoas surdas; nem de formas de estilização e de estetização da vida.
As identidades surdas, segundo PERLIN (2008), podem ser classificadas em:
a) Identidades Surdas Flutuantes: esses surdos não tem contato com a comunidade surda, seguem a cultura ouvinte/identidade de ouvintes, buscam a oralidade, não se identificam como surdos e utilizam a tecnologia da reabilitação.
b) Identidades Surdas Híbridas: são os surdos que nasceram ouvintes e, por algum motivo ou doença, ficaram sem audição. Usam a língua oral ou língua de sinais, aceitam-se como surdos, a escrita segue a estrutura da Libras, usam tecnologia diferenciada.
c) Identidades Surdas Embaçadas: é a representação estereotipada da surdez ou desconhecimento da surdez como questão cultural. Não usam a língua de sinais, não conseguem compreender a fala, são tratados como deficientes, muitos são 'aprisionados' pela família e há um desconhecimento da cultura surda.
d) Identidades Surdas de Transição: esses surdos viveram em ambientes onde se afastaram da comunidade surda, ficaram sem contato com os demais. Vivem essa transição de uma identidade ouvinte para uma surda, há uma 'des-ouvintização'. É a transição da comunicação visual/oral para a visual/sinalizada.
e) Identidades Surdas de Diáspora: divergem das identidades de transição, que passam de um estado para o outro, de um grupo surdo para outro. São surdos que vivem a mudança de um País para outro, de um Estado para o outro.
f) Identidades Surdas Intermediárias: apresentam surdez leve à moderada, valorizam o uso do aparelho auditivo,procuram treinamentos de fala e não aceitam intérpretes da LSB. Buscam a tecnologia para treinos de fala, não aceitam intérpretes da língua de sinais, identificam-se com os ouvintes e não participam da comunidade surda.
As identidades surdas, segundo PERLIN (2008), podem ser classificadas em:
a) Identidades Surdas Flutuantes: esses surdos não tem contato com a comunidade surda, seguem a cultura ouvinte/identidade de ouvintes, buscam a oralidade, não se identificam como surdos e utilizam a tecnologia da reabilitação.
b) Identidades Surdas Híbridas: são os surdos que nasceram ouvintes e, por algum motivo ou doença, ficaram sem audição. Usam a língua oral ou língua de sinais, aceitam-se como surdos, a escrita segue a estrutura da Libras, usam tecnologia diferenciada.
c) Identidades Surdas Embaçadas: é a representação estereotipada da surdez ou desconhecimento da surdez como questão cultural. Não usam a língua de sinais, não conseguem compreender a fala, são tratados como deficientes, muitos são 'aprisionados' pela família e há um desconhecimento da cultura surda.
d) Identidades Surdas de Transição: esses surdos viveram em ambientes onde se afastaram da comunidade surda, ficaram sem contato com os demais. Vivem essa transição de uma identidade ouvinte para uma surda, há uma 'des-ouvintização'. É a transição da comunicação visual/oral para a visual/sinalizada.
e) Identidades Surdas de Diáspora: divergem das identidades de transição, que passam de um estado para o outro, de um grupo surdo para outro. São surdos que vivem a mudança de um País para outro, de um Estado para o outro.
f) Identidades Surdas Intermediárias: apresentam surdez leve à moderada, valorizam o uso do aparelho auditivo,procuram treinamentos de fala e não aceitam intérpretes da LSB. Buscam a tecnologia para treinos de fala, não aceitam intérpretes da língua de sinais, identificam-se com os ouvintes e não participam da comunidade surda.
BIBLIOGRAFIA:
BRECAILO, S.F. Cultura Surda. Paraná. 2011. Material da aula da disciplina Cultura Surda, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Libras – Faculdade Educacional da Lapa |EADCON.
BOURDIEU, P. A economia das trocas lingüísticas. São Paulo: Edusp, 1998.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Guanabara: Koogan, 1989.
LABOURIT, E. O vôo da gaivota. São Paulo: Best Seller, 1994.
PERLIN, G. T. T. Identidades surdas. In: SKLIAR, C. (Org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.
POCHE, B. A construção social da língua. In: VERMES G.; BOUTET, J. (Org.). Multilingüismo. Campinas: Editora da Unicamp, 1989.
SKLIAR, C. Um olhar sobre o nosso olhar acerca da surdez e das diferenças. In: ______. (Org). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.
OBSERVAÇÃO: Este texto é um resumo que eu produzi com o material de aula da disciplina Cultura Surda - Núcleo Específico: Educação e Inclusão, da Pós-Graduação
COMO CITAR ESTE ARTIGO:
NOVAES, Edmarcius Carvalho. “REFLEXÕES ACERCA DA IDENTIDADE CULTURAL SURDA". Disponível em: http://edmarciuscarvalho.blogspot.com/2011/03/reflexoes-acerca-da-identidade-cultural.html em 02 de março de 2011.
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Edmacius, é Marcinha de Viçosa,lembra ? Estou fazendo o mestrado sobre a construção da subjetividade surda através da história de um professor surdo: o Wilson.
ResponderExcluirVou comprar seu livro em breve.