quinta-feira, 24 de abril de 2014

TEORIA DO CONHECIMENTO – PARTE 3: KANT


O presente texto é uma produção realizada a partir de um fichamento das atividades propostas na disciplina “Teoria do Conhecimento” do Curso de Licenciatura em Filosofia, que realizo pela Universidade Federal de Lavras, em 24 de abril de 2014.


A primeira parte deste estudo sobre a Teoria do Conhecimento em Platão, você pode acessar aqui. Já a segunda parte, sobre a Teoria do Conhecimento em Descartes e Hume, você acessa aqui.


Immanuel Kant


1) A Filosofia transcendental como análise das condições de possibilidade do conhecimento:

A filosofia transcendental engloba todas as filosofias, os sistemas e as abordagens sobre a emergência e a validação do conhecimento sobre o ser, porém, não se trata de uma ontologia. Em Kant tal termo possui a conotação de investigação sobre as condições de possibilidade de algo, ou seja, a forma como se dá o conhecimento. É na concepção kantiana que a metafísica mostra-se como uma epistemologia, ao analisar as abordagens transcendentais das condições de conhecimento a priori à experiência que o sujeito possa ter. Dessa forma, a filosofia transcendental também se caracteriza como uma crítica à própria metafísica tradicional. Essa proposta supera a crítica da razão pura porque não se restringe, como esta última, a analise apenas de conceitos fundamentais, mas se propõe uma análise que seja exaustiva, de todo o conhecimento humano que se dá de forma a priori.


2) Distinção entre juízos analíticos e sintéticos e a questão: como são possíveis juízos sintéticos a priori?

Na obra “Crítica da Razão Pura”, Kant elabora uma separação entre juízos analíticos e os juízos sintéticos, sendo os primeiros àqueles que não podem ser conhecidos, e os últimos, aqueles que podem ser conhecidos, porém, não sendo universais. Visando eliminar as duvidas sobre qual juízo fundamenta a ciência do conhecimento, Kant propõe que os princípios das ciências teóricas da razão devam ser os juízos sintéticos a priori.

Para tanto, o filósofo parte da concepção de que o objeto do conhecimento especulativo é fundamentado em princípios sintéticos, porém, ressalta que tais princípios sintéticos devem ser a priori, ao afirmar que “a ciência se baseia em um terceiro tipo de juízo, ou seja, no tipo de juízo que, a um só tempo, une a aprioridade, ou seja, a universalidade e a necessidade, com a fecundidade, e, portanto a ‘sinteticidade’” (REALE, 2005, p. 357).

Assim sendo, Kant assevera uma formulação de um juízo fundante da ciência e do conhecimento, mas que esse seja conhecido e universalizado, sendo este o “juízo sintético a priori”, tido como responsável por fundamentar, assim, o conhecimento humano.



3) O significado da “revolução copernicana” na filosofia:

Para resolver a inquietação sobre a possibilidade de se ter um conhecimento seguro e verdadeiro acerca das coisas do mundo, em decorrência da suspeita em relação ao principio da causalidade, que afirma que não existe nada na causa que contenha relação objetiva com seu efeito, e que a causalidade se dá em decorrência dos hábitos do sujeito e não do próprio mundo, Kant utilizou da revolução copernicana. Tratava-se de responder aos filósofos racionalistas, com a defesa da razão especulativa e produção de filosofia com viés dogmático, bem como aos empiristas, que entendiam que o conhecimento humano se dava de forma exclusiva, a partir de experiências sensíveis.

Para tanto, o filósofo classificou o conhecimento decorrente da experiência enquanto um dado a posteriori, uma vez depender da comprovação prática. Já aquele conhecimento que independe dos sentidos, designou como a priori, pois se conhece algo sem que haja qualquer evidencia material de sua existência. No primeiro caso, têm-se um juízo sintético, e no último, um analítico. A partir disto, passou a analisar a possibilidade de se ter um conhecimento a priori de questões, e como da observação de fatos particulares se obtém uma regra universal, que seja aplicável em todos outros fatos de natureza semelhante.

Nesse sentido, Kant propôs uma analogia à teoria heliocêntrica de Nicolau Copérnico para que fosse entendido. Da mesma forma como o astrônomo mudou a teoria, afirmando que os planetas giram em torno do Sol e não o contrário, o filósofo propôs que os objetos seriam regulados pelo sujeito possuidor das formas do conhecimento e não o contrário. Noutras palavras, está no homem a possibilidade de se conhecer todas as coisas, pois possui as regras e dá sentido às coisas do mundo, marcando as formas pelas quais as conhece a partir da capturação das formas logicas existentes no sujeito, e não pela existência de algo transcendente no mundo externo (Deus) ou porque tais objetos estão na mente humana a partir da experiência.


4) O papel das formas puras da sensibilidade e das categorias do entendimento na obtenção de conhecimento:

As formas puras da sensibilidade tem o papel de oferecer um objeto da intuição empírica. Resulta do espaço e do tempo, que são essas formas que, intuitivamente, contem as condições de possibilidades desse objeto, de forma a priori, enquanto fenômeno, com valor objetivo.

Noutras palavras, a intuição é determinada de forma a priori por meio das formas de sensibilidade que são o tempo e o espaço. Não se tratam de qualidades do objeto, mas sim condições anteriores à experiência, e que permitem a ocorrência de tais experiências. Por meio da sensação, segundo as formas do tempo e do espaço, a mente primeiramente organiza o que capta, e depois ordena e classifica tais coisas, a partir de uma série de categorias, porém, tais categorias são deduzidas e não intuídas pelo intelecto.

Dessa forma, as categorias do entendimento são condições para que o objeto se dê na intuição, e consequentemente, podem aparentar como tais objetos, não obrigatoriamente, relacionando-se com as funções do entendimento, nem sendo condições “a priori”.


5) Distinção entre objeto e coisa em si:

O filósofo propõe uma distinção entre a coisa em si e o objeto. Por meio de tal distinção, Kant propõe que o homem só pode conhecer as coisas como elas aparecem à sua mente. Não é dado ao homem de forma alguma conhecer as coisas em si mesmas, mesmo enquanto ideias inatas na concepção de Descartes, ou ainda tendo o conceito de ideia enquanto copia exata da sensação obtida. O objeto é um fenômeno, ou seja, é uma representação que modifica o sujeito ao afetá-lo. Não se pode conhecer o que afeta o sujeito, este somente sabe que é afetado por alguma coisa porque pode criar uma imagem a respeito do que lhe afeta.



6) “Crítica da Razão Pura” de Immanuel Kant:

“Eu deveria achar que os exemplos da Matemática e da Ciência da Natureza, as quais se tornaram o que agora são por uma revolução levada a efeito de uma só vez, seriam suficientemente notáveis para fazer meditar sobre os elementos essenciais da transformação na maneira de pensar que lhes foi tão vantajosa e, na medida em que o permite sua analogia com a Metafísica como conhecimentos da razão, para imitá-las nisso ao menos como tentativa. Até agora se supôs que todo o nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos, através do que ampliaria o nosso conhecimento, fracassaram sob esta pressuposição. Por isso tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo que os objetos têm de se regular pelo nosso conhecimento, o que concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos objetos que deve estabelecer algo sobre os mesmos antes de nos serem dados. O mesmo aconteceu com os primeiros pensamentos de Copérnico que, depois das coisas não quererem andar muito bem com a explicação dos movimentos celestes admitindo-se que todo o exército dos astros girava em torno do espectador, tentou ver se não seria melhor que o espectador se movesse em torno dos astros, deixando estes em paz” (KANT, I. Crítica da razão pura. In Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980. pp. 12)


A passagem em tela remete à revolução copernicana e os impactos a partir desta construção elaborada por Kant que significou uma mudança de enfoque no objeto, uma vez anteriormente a mente devia se adaptar a ele e agora, passando para a obrigatoriedade do objeto se adaptar à mente.

Assim, a proposta da revolução copernicana vai de encontro à indagação acerca de uma obtenção de conhecimento seguro e verdadeiro sobre as coisas do mundo, considerando a existência de suspeita em relação ao principio da causalidade, ou seja, que não existia nada na causa que possa ter relação objetiva com seu efeito, assim como à afirmação de que a causa não decorre do próprio mundo e sim dos hábitos do sujeito.

Kant desta forma respondeu aos filósofos racionalistas que apregoam uma filosofia dogmática e defendiam uma razão especulativa, e aos empiristas, que entendiam que o conhecimento humano se baseava de forma exclusiva, em experiências sensíveis.

Para ele, o conhecimento que decorria da experiência era um dado a posteriori, já que dependia de comprovação empírica. Já aqueles conhecimentos que independiam de sentidos eram tidos como a priori, já que poderiam ser conhecidos sem que houvesse evidencias materiais de sua existência. Ao primeiro caso classificou-se juízo sintético, e o último, analítico. Põe-se então a analisar sobre a possibilidade de conhecimentos a priori de questões, bem como da possibilidade de se obter uma regra universal a partir da observação de fatos particulares, podendo ser aplicável em todos os outros fatos que tenham semelhança de natureza.

Visando corroborar sua tese elaborada, propôs uma analogia à teoria heliocêntrica de Nicolau Copérnico para que fosse entendido. Assim como o astrônomo mudou a teoria ao afirmar que os planetas giram em torno do Sol e não o Sol em torno dos planetas, Kant propôs que os objetos seriam regulados pelo sujeito possuidor das formas do conhecimento e não o contrário. Isto é, que estaria no sujeito a possibilidade de se conhecer todas as coisas, já que este detém as regras e dá sentido às coisas do mundo, bem como pode marcar as formas pelas quais as conhece, partindo da capturação das formas logicas existentes no sujeito, e não pela existência de algo transcendente no mundo externo, a ou seja, “Deus”, ou porque tais objetos estão na mente humana a partir da experiência.

Tal caminho empreendido pela concepção kantiana para se fundamentar o conhecimento humano ocasionou relevante mudança no campo da teoria do conhecimento, pois além de reforçar a proposta de revolução copernicana, alterou significativamente as análises acerca dos conhecimentos, ou seja, as formas como o homem pode conhecer. Ao formular a existência de juízos sintéticos a priori, Kant fez com que fosse possível compreender a natureza dos objetos de tais juízos, e distinguiu entre os objetos aqueles que podem e aqueles que não podem ser conhecidos pelo sujeito. Toda essa trajetória impactou a tradição metafísica, bem como contribuiu para que os juízos da matemática e da física fossem fundamentados, o que acarretou, consequentemente, nas ciências naturais num todo.



7) Qual é o sentido da caracterização da filosofia kantiana como “crítica”?

Kant pode ter sua filosofia caracterizada como crítica a partir do momento em que atinge sua maturidade intelectual e propõe uma postura crítica a respeito da investigação dos fundamentos do conhecimento, apoiando uma releitura da fonte de tal conhecimento, e ultrapassando a dicotomia entre o dogmatismo racionalista e o ceticismo empirista. Assim, alvitra que “não se pode aprender a filosofia, somente se pode aprender a filosofar”, ou seja, reconstruir a filosofia enquanto ciência racional, e como tal, abordando todo conhecimento humano ao tentar responder quatro questões tidas como básicas:

a) o que se pode saber;

b) o que se deve fazer;

c) o que se deve esperar;

d) o que é um ser humano.

O filósofo procurou o que seria o caráter da filosofia enquanto ciência primeira, ou ciência geral, completa. Para tanto, superou a dicotomia entre os racionalistas (que a partir do cogito, enquanto ideia inata e universal, não se encontrou comprovação na experiência, numa análise empírica) e os empiristas (que se propunha como base para a construção do conhecimento a experiência, se tornando um individualismo relativista e cético, não possibilitando segurança no conhecer).

Para Kant, os racionalistas estavam errados ao entender que as ideias eram inatas, uma vez que dependem dos sentidos na realidade, e de igual forma, os empiristas também estavam errados ao supor que é pela experiência que a razão é adquirida, já que a mesma existe independentemente de se vivenciar os fatos pessoais.

No entanto, o referido filósofo se depara com uma dificuldade que diz respeito às questões metafísicas, pois estas não se fazem conhecidas ao sujeito pelos sentidos, como, por exemplo, a existência de Deus. Num viés agnóstico, Kant propõe uma solução afirmando a possibilidade da existência de juízos a priori em relação à metafísica.

Assim, a filosofia kantiana pode ser tida como crítica, pois a mesma se propôs a investigar as categorias ou formas a priori do conhecimento. Seu escopo era chegar à conclusão de que o entendimento e a razão podem conhecer, encontrando-se livres de toda experiência, de um lado, bem como, dos limites impostos a este conhecimento, por outro lado.

Tratou-se, portanto, de se fundamentar um pensamento metafísico com um caráter não dogmático, já que a concepção dogmática fora contestada com o posicionamento cético. É esse criticismo kantiano, enquanto alternativa entre o ceticismo empirista e o dogmatismo racionalista, a única possibilidade existente para o filósofo de se repensar as questões próprias à metafísica.


BIBLIOGRAFIA:

KANT, I. Crítica da razão pura in Coleção Os Pensadores. Abril Cultural, 1980.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: de Spinoza a Kant, v. 4. Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2005.

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