domingo, 23 de fevereiro de 2014

FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA III – O EXISTENCIALISMO COMO HUMANISMO EM SARTRE - PARTE FINAL



Esta é a terceira parte de uma série de atividades sobre Sartre, conteúdo da disciplina "História da Filosofia Contemporânea I" cursada na graduação em Licenciatura em Filosofia da UFLA. Sugiro a leitura da primeira e da segunda parte antes de continuar a leitura desta postagem:



A CONCILIAÇÃO TEÓRICA DA INTERPRETAÇÃO MATERIALISTA DA HISTÓRIA COM A EXIGÊNCIA DA COMPREENSÃO DO CARÁTER EXISTENCIALMENTE SINGULAR DA AÇÃO:

Sartre, em sua obra Questão de Método, analisa filosoficamente a relação entre o marxismo e existencialismo, notadamente, com a finalidade de verificar a possibilidade da existência de uma antropologia filosófica, ou seja, de um conhecimento filosófico do homem. Para tanto, a especificidade da existência do homem (idealismo/subjetividade) e a possibilidade de conhecê-lo na sua realidade objetiva concreta (materialismo) são os requisitos da perspectiva antropológico-filosófica sartreana. 

O existencialismo sartreano considera a necessidade da dupla exigência para se chegar à verdade: o conhecimento da especificidade concreta da existência e o conhecimento da realidade objetiva do homem. Por outro lado, a proposta do existencialismo de Sartre seria uma solução para o problema existente da dicotomia de concepções entre o idealismo e o materialismo, enquanto formas de conhecimento da verdade.

O idealismo se caracterizava como a totalização abstrata, metafísico-doutrinário, a partir de uma subjetividade formal para se conhecer a totalidade do homem, e enquanto forma de conhecimento que servia para que a burguesia universalizasse a concepção acerca do homem, na unidade de sua essência. Já o materialismo de Marx não considerava a metafísica para se chegar à compreensão da totalidade do ser. Era preciso compreender a evolução histórica e material, objetiva, real, do processo de construção humana para se chegar à sua totalidade.

Sartre via nessas concepções uma dicotomia justamente porque ambas estão em extremos, sendo o idealismo uma concepção abstrata, que a partir da subjetividade formal colocava-se como uma forma de conhecimento universal a respeito da realidade e da essência do homem, e o materialismo, um processo histórico e objetivo de construção humana para se chegar à totalidade de sua realidade, a partir das condições e resultados das ações do próprio homem como agente de transformação social. 

Para o filósofo era preciso relativizar o idealismo, uma vez que este recusa a visão conceitual da relação entre a objetividade e a subjetividade para se chegar à universalização acerca da essência do homem, ou seja, uma vez que o idealismo não analisa as condições e os resultados de uma ação que está na mediação do agente, a partir da intencionalidade da prática humana como forma de transcendência do ser humano pelo próprio ser humano. Por outro lado, e de igual forma, era preciso relativizar o materialismo, porque este não conseguia interpretar a realidade de forma universal, a partir das ações concretas do homem.

Noutras palavras, suas críticas eram de que, em suma, o idealismo, de um lado, prejudicava a formação de uma doutrina que fosse eficaz, porque se separa a teoria da prática, e por outro lado, o materialismo, se dogmatizava e se tornava ideologizada enquanto uma prática e verdade absoluta, bem como uma política que visa transformações sociais de ordem prática, em totalmente separação com a teorização (valores e princípios) de sua dita verdade. Por tal razão, o materialismo não foi uma resposta ao idealismo, na medida em que ele analisou a realidade enquanto objeto e não como uma prática sobre o sujeito, ficando com a compreensão de que subjetividade seria a representação do sujeito sobre a realidade e sobre suas práticas na realidade, onde a realidade seria estática, passiva, e o sujeito, ativo, o que não se traduz numa forma de relação dialética, produzindo, dessa forma, um prejuízo em separar a teoria e a prática para o conjunto de ideias, com o risco de se tornar uma doutrina sem perfil e eficácia.

Portanto, depreende-se que na concepção sartreana, a dicotomia entre o idealismo e o materialismo, na realidade, tratava-se de um idealismo vulgar, pois ambas as concepções tem por pretensão uma racionalidade constituinte, onde no idealismo postula-se a consciência constitutiva com a subjetividade constituindo a objetividade, e no materialismo postula-se a consciência constituída, com a objetividade constituindo a subjetividade. 

De igual forma, pode-se concluir que Sartre tenta superar teoricamente a exigência da interpretação materialista da história com a exigência da compreensão do caráter existencialmente singular da ação ao apontar que o conhecimento consiste na inteligibilidade dialética que articula a efetividade do processo real da realidade (materialismo) com a conduta ativa da atividade (subjetividade) do sujeito. A relação entre o sujeito ativo e a realidade ativa, faz com que a verdade nasça Na relação concomitantemente, sendo fruto das mudanças em ambas às instâncias, ou seja, da atuação do objeto em relação ao sujeito e do sujeito em relação ao objeto, em via dupla. 

A verdade não é concebida como invenção do sujeito, não se trata de produção subjetiva, ela se revela (desvela-se) na realidade onde o sujeito está, a partir da ação deste homem, que se manifesta historicamente. Nas palavras de Silva, “a verdade consiste em haver coisas, em haver mundo, e a relação entre o ser das coisas e o sujeito é de constante revelação, que propicia ao sujeito a exploração deste haver” (2013, p. 74). É com a experiência histórica do sujeito face à realidade que a totalidade da verdade se manifesta, ou nas palavras de Sartre, “a verdade não é uma organização lógica e universal de ‘verdade’ abstratas: é a totalidade do Ser na medida em que se manifesta como um há na historialização da realidade humana” (1973, p. 55).

Nesse sentido, a verdade se manifesta com a realidade objetiva do mundo, a partir da analise de maneira subjetiva da realidade, sendo tal analise subjetiva aquela que compreende que o sujeito é agente transformador da realidade concomitantemente à realidade ser agente sobre o homem, o que promove uma relação dialética. 



DUPLO MOVIMENTO DA SINGULARIDADE: CONSTITUÍDA PELA HISTÓRIA E CONSTITUTIVA DO HISTÓRICO: 

A singularidade do sujeito pode ser considerada abstrata se for analisada no ponto de vista de sua particularidade, porém, a singularidade é parte integrante do processo histórico, uma vez que é nela que o individuo se produz, individualmente e historicamente, onde, de forma concreta, ele produz a história e ao mesmo tempo se torna que o é, por meio de suas condições de inserção na situação onde se encontra.

Desconsiderar essa relação ativa do sujeito no fazer histórico, e enquadrá-lo numa análise objetiva, universalizadora, a partir de uma visão unilateral da história, enquadrando-o como ser abstrato e mero componente de elementos estruturais, tais como povo, nação, burguesia, classes, e etc., faz com que a análise da prática também seja abstrata, unilateral, pautada por um determinismo meramente lógico-causal.

O que Sartre queria com as relações mediadas entre o geral e o universal era justamente situar o sujeito não apenas em relação ao universal abstrato com o particular abstrato, e sim, demonstrar a subjetividade que engendra a singularidade, partindo de condições gerais.

Considerar a universalidade, a partir de suas condições, deve significar tê-la como perspectiva metódica, como parte que integra a produção de uma verdade que se encontra numa relação que dialoga as condições de conhecimento e as considerações da singularidade que o sujeito possui. Noutras palavras, somente as condições particulares do sujeito podem ser consideradas como mediações para se apreender, de fato, a inserção que o individuo produz no fazer histórico, bem como o seu modo singular de se expressar a universalidade. A totalização só pode ocorrer, portanto, sendo resultante de uma aplicação heurística dos conceitos gerais no processo de compreensão da singularidade do sujeito em sua própria historia, em seu agir, em seu próprio devir.


BIBLIOGRAFIA:

SARTRE. Jean Paul. Questão de Método. Tradução brasileira de Bento Prado Júnior. Editora Nova Cultural, São Paulo, 1973, Capítulo II, p. 115-154 (Coleção Pensadores).

SILVA, Franklin Leopoldo e. Unidade III – Considerações sobre Questão de Método (primeiro capítulo). In: Contemporânea I: Guia de Estudos. Lavras: UFLA, 2013.

SILVA, Franklin Leopoldo e. Unidade IV – Considerações sobre Questão de Método (segundo capítulo). In: Contemporânea I: Guia de Estudos. Lavras: UFLA, 2013.

OBSERVAÇÃO:

Este texto é um resumo que produzi com o material de aula de disciplina "HISTÓRIA DA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA – GUIA DE ESTUDOS" da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA - Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares, produzido em 20/02/2014.

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