sexta-feira, 28 de agosto de 2015

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: HENRI BERGSON E OS CONCEITOS DE DURAÇÃO E INTUIÇÃO

O presente texto é uma produção realizada a partir de um fichamento da disciplina eletiva “Tópicos Especiais da História da Filosofia II” do Curso de Licenciatura em Filosofia, que realizei  pela Universidade Federal de Lavras, em agosto de 2015. O objetivo deste estudo é realizar uma análise introdutória sobre a filosofia de Henri Bergson a partir de dois de seus conceitos fundamentais, a saber, a duração e a intuição. Através deles, busca-se mostrar também como se articulam, na obra bergsoniana, as relações entre ciência e metafísica.



AS IMAGENS E A DURAÇÃO:

A proposta do autor ao discutir a mudança, num primeiro momento, se dá concepção duração como uma experiência de cunho psicológico. Nesse sentido, problematiza a possibilidade de se pensar uma identidade de uma determinada personalidade, isto é, de um eu, entendendo-a enquanto um fluxo contínuo, que muda sem cessar, sem considerar a noção de continuidade desta identidade. Além disto, problematiza a categoria “liberdade”.

Segundo Takayama (2015), a duração num primeiro momento pode ser compreendida como “uma espécie de fluxo continuo e ao mesmo tempo heterogêneo de estados”, onde se tem a possibilidade de experimentar “aquilo que supostamente deveríamos melhor conhecer, ou seja, nós mesmos”. (p. 10).

No entanto, aponta que a nossa existência interior se constitui por estados de alma que são sucessivos, isto é, são sentimentos, desejos, representações. Ainda aponta que mudamos constantemente, e que tal mudança nos é mais clara enquanto uma passagem de um estado para outro, porém, “considerados neles mesmos como blocos distintos que não mudam durante todo o tempo em que duram”. (Idem, p. 10-11).

Assim, traz Bergson e sua proposta de esforço para percebermos que é o próprio estado da alma que se modifica, isto é, entender que “mudamos sem cessar, e não porque passamos constantemente de um estado invariável a outro, mas antes porque o próprio estado já é mudança”. Nas palavras de Bergson (1907)

"Quer dizer que não há diferença essencial entre passar de um estado a outro e persistir no mesmo. Se o estado que “permanece o mesmo” é mais variado do que supomos, inversamente a passagem de um estado para outro é mais semelhante do que se imagina ao prolongamento de um único estado; a transição é contínua". (...) A aparente descontinuidade da vida psicológica resulta, portanto, de nossa atenção se fixar sobre ela por meio de uma série de atos descontínuos: ali onde somente existe um plano levemente inclinado, a linha quebrada dos nossos atos de atenção faz-nos ver os degraus de uma escada. Sem dúvida, a nossa vida psicológica é cheia de imprevisto. (...) Cada um deles não é mais do que o ponto mais bem iluminado duma zona movente que compreende tudo o que sentimos, pensamos, queremos, em suma, tudo o que somos num momento dado. É essa zona na sua totalidade que constitui, de fato, o nosso estado". (BERGSON, 1907, p.  42-43).

Assim, o filósofo aponta a dificuldade de se enxergar mudanças internas, seja porque demanda ultrapassar a condição humana, que sempre se propõe em direção às coisas que são externas, numa função de natureza pragmática do sujeito; seja porque a nossa linguagem foi constituída a partir de nossos hábitos mentais, estes se propondo a ver somente ações uteis à vida, e não à especulação sobre a vida.

Como resultado desta situação, tem-se que tentar descrever o que é do interior da vida (com seus estados que se interpenetram e se prolongam uns nos outros) é procurar exprimir o que não se consegue expressão para tanto.

No entanto, Bergson utiliza de metáforas para tentar demonstrar a ideia de duração enquanto realidade psicológica do eu. Primeiro, utiliza-se da imagem de um espectro de mil matizes (1934)

com gradações insensíveis que fazem com que se passe de um matiz para outro. Uma corrente de sentimento que atravessasse o espectro tingindo-se sucessivamente de cada um de seus matizes experimentaria mudanças graduais, cada uma das quais anunciaria a seguinte e resumiria em si as que a precedem (BERGSON, 1934, p. 190).

Depois, utiliza-se da metáfora de um elástico infinitamente pequeno. Mas, em ambas as metáforas, o resultado ainda continua sendo externo. Assim, ele propõe-se libertar do espaço:

(...) que subtende o movimento para só levar em conta o próprio movimento, o ato de tensão ou de extensão, enfim, a mobilidade pura. Teremos desta vez uma imagem mais fiel de nosso desenvolvimento na duração" (BERGSON, 1934, p. 191).

Na tarefa de se sugerir outras possibilidades de perceber as mudanças psicológicas do eu, talvez utilizar o registro fotográfico, o atual selfie, como mecanismo de percepção de mudanças do sujeito, onde se pode a cada dia ao realizá-lo perceber mudanças de humor e de semblantes. Por um lado é pertinente porque o registro fotográfico capta as imagens de semblantes que expressam os sentimentos do momento em que são feitas, mas por outro lado, sua proposição é deficiente, uma vez que não deixa de ser externa sua realização. Não captamos o interior do eu por meio de uma fotografia, caso o fotografado quiser escondê-lo.


Portanto, têm-se que a compreensão da vida interior, e de seus diversos momentos, por uma imagem é impossível, porque “(...) a vida interior é tudo isso ao mesmo tempo, variedade de qualidades, continuidade de progresso, unidade de direção” (BERGSON, 1934, p. 191-192). No entanto, segundo o filósofo, com muitas imagens diversas, disparatadas o máximo possível, pode fazer com que haja disposição para apreendê-la. 




A DURAÇÃO COMO EXPERIENCIA PSICOLÓGICA:

“Quer dizer que não há diferença essencial entre passar de um estado a outro e persistir no mesmo.” (BERGSON, 1907, p. 42).

Bergson (1859-1941) estava propondo uma análise sobre a mudança, num primeiro momento, a partir da concepção de duração como uma experiência de cunho psicológico. Para tanto, problematizou a possibilidade de se pensar uma identidade de uma determinada personalidade, isto é, de um eu, entendendo-a enquanto um fluxo contínuo, que muda sem cessar, e sem considerar sua a noção de continuidade.

Assim, propõe um esforço para que se possa perceber que é o próprio estado da alma que se modifica, isto é, entender que “mudamos sem cessar, e não porque passamos constantemente de um estado invariável a outro, mas antes porque o próprio estado já é mudança” (TAKAYAMA, 2015, p. 11), ou nas próprias palavras do filósofo, “que não há diferença essencial entre passar de um estado a outro e persistir no mesmo.” (1907, p. 42).

Na realidade, o filósofo aponta a dificuldade de se enxergar mudanças internas, seja porque isto demanda ultrapassar a condição humana – que sempre se propõe em direção às coisas que são externas, numa função de natureza pragmática do sujeito –, seja porque a nossa linguagem foi constituída a partir de nossos hábitos mentais, estes se propondo a ver somente ações uteis a vida, e não à especulação sobre a vida. Como resultado desta situação, tem-se que tentar descrever o que é do interior da vida (com seus estados que se interpenetram e se prolongam uns nos outros) é procurar exprimir o que não se consegue expressão para tanto.

Para solucionar o problema, propõe uma distinção entre dois eus. Um “eu superficial”, enquanto representação espacial do outro, voltado às necessidades sociais da vida prática, e um segundo, o “eu profundo”, este sendo aquele que se identifica com a duração, onde o primeiro, em razão da necessidade de se associar do homem, prevalece sobre o último. (BERGSON, 1889).

Resumidamente, o “eu profundo” enquanto duração significa passar por mudanças continuas e imprevisíveis que definem a singularidade e a identidade do homem. O ato livre então resulta desta personalidade inteira, do eu profundo, que é a possibilidade de criação de si por si mesmo. Neste sentido, não há diferença essencial desse eu profundo em passar de um estado a outro (socialmente – “eu superficial”) e persistir no mesmo, isto é, o “eu profundo”.




A DURAÇAO COMO MOVIMENTO E MUDANÇA:

A duração é a solução dada por Bergson aos paradoxos de Zenão, uma vez que o filósofo entende que a duração é composta por dois aspectos de uma mesma realidade (ou da própria realidade): o movimento e a mudança. Nesse sentido, afirma que:

Há mudanças, mas não há sob a mudança, coisas que mudam: a mudança não precisa de suporte. Há movimentos, mas não há objeto inerte, invariável que se mova: o movimento não implica um móvel (BERGSON, 1934, p. 169).

Isto ocorre porque o artifício utilizado por Zenão se constituía em pensar uma realidade a partir de recortes do movimento. Assim, poderia se pressupor que num dado movimento, pode-se dar “passos ou saltos de um metro, de um décimo de metro, de um centésimo etc., que não correspondem de modo algum às partes reais do movimento, tal como ele efetivamente se faz” (TAKAYAMA, 2015, p. 21).

Deste modo, tem-se por um lado Zenão, entendendo que o movimento não era possível – ou melhor, as dificuldades advindas ao se tentar pensar sobre o movimento –, e por outro lado, Bergson, apontando para a distinção entre o movimento real e sua representação simbólica.

Takamaya (2015) aponta que Bergson se propôs justamente a denunciar os paradoxos entre duas ordens de coisas que são distintas, isto é,

entre o verdadeiro movimento que só se faz enquanto se faz e a reflexão sobre um movimento já feito; entre um ato simples e indivisível, e o espaço percorrido infinitamente divisível; entre a mobilidade pura e a sua tradução em símbolos imóveis; entre o tempo real ou duração e sua representação espacial através da sucessão de instantes que não duram. (TAKAYAMA, 2015, p. 19).

Portanto, para o filósofo Bergson, toda esta confusão se dá por quem observa o movimento e o espaço percorrido “de fora”, iludindo-se a partir do uso da inteligência. Caso esforçasse para entender a experiência realizada por dentro, conseguiria entender a continuidade que há o movimento real. Assim, apresenta a duração como solução para este paradoxo de Zenão, entendendo-a composta pelo movimento e pela mudança, que são aspectos da realidade.




A DURAÇÃO ENQUANTO MEMÓRIA:

A proposta do autor ao discutir a mudança, num primeiro momento, se dá concepção de duração como uma experiência de cunho psicológico. Nesse sentido, problematiza a possibilidade de se pensar uma identidade de uma determinada personalidade, isto é, de um eu, entendendo-a enquanto um fluxo contínuo, que muda sem cessar, sem considerar a noção de continuidade desta identidade. Além disto, problematiza a categoria “liberdade”.

Já num segundo momento, a mudança, se dá na concepção de duração enquanto memória. Nesta, o passado sobrevive sem cessar, conversando-se. Quando é preciso se produzir algo útil, o ser humano se utiliza de sua consciência, a partir de um mecanismo cerebral, que o atualiza. Fora isto, o cérebro serve mais para manter no subsolo da consciência aquelas lembranças que não são úteis no ato continuo de agir ao qual somos impelidos hodiernamente.

É neste sentido que Bergson afirma que a memória

não é uma faculdade de classificar recordações numa gaveta ou de as inscrever num registro. Não há registro, não há gaveta, não há sequer, aqui propriamente uma faculdade, porque uma faculdade age por intermitências, quando quer ou quando pode, ao passo que o amontoar-se do passado sobre o passado prossegue sem tréguas. Na realidade, o passado conserva-se por si próprio, automaticamente.” (BERGSON, 1907, 44-45).

Assim, tem-se que o passado não se conserva como lembrança em nosso cérebro porque ele não se reduz a um estado que substituiria a outro estado, ou como algo que já passou e que permanece armazenado em algum lugar do cérebro. É em sua função de memória, enquanto fatos imediatos da experiência, úteis nos trabalhos (ações) que desempenhamos em todo momento, que o passado se faz duração enquanto memória, sobrevivendo sem cessar, conversando-se a si mesmo, e auxiliando o cérebro em suas escolhas.




A CONCEPÇÃO BERGSONIANA DO SONHO:

Bergson (1859-1941) estava propondo uma análise sobre a mudança, num primeiro momento, a partir da concepção de duração como uma experiência de cunho psicológico, e num segundo momento enquanto memória, onde o passado sobrevive sem cessar, conversando-se. Assim, quando é preciso se produzir algo útil, o humano se utiliza de sua consciência, a partir de um mecanismo cerebral, que o atualiza. Fora isto, o cérebro serve mais para manter no subsolo da consciência aquelas lembranças que não são úteis no ato continuo de agir, ao qual somos impelidos hodiernamente.

Neste contexto, o sonho é outra possibilidade da duração enquanto memória, que ocorre quando o ser humano está dispensado da necessidade de agir. No sonho, quando se recebe estímulos menores que quando acordado, o cérebro atualiza “lembranças-fantasmas, que não mais atendem a algum trabalho útil, vindo a se incorporar nessas sensações imprecisas” que se experimenta ao dormir. (TAKAYAMA, 2015, p. 26).

A duração é memoria porque é útil ao homem para lhe mostrar as consequências vantajosas ou prejudiciais que podem ter acontecido em experiências anteriores análogas, informando-o sobre o que deve fazer. Mas no caso do ser humano estar adormecido, essas lembranças não se tornam mais percepções atuais, reais, mas sim “lembranças-fantasmas” que

(...) aspiram a um lastro de cor, de sonoridade, de materialidade enfim, as únicas bem-sucedidas serão as que puderem assimilar a poeira colorida que vejo, os ruídos externos e internos que ouço etc., e que, além disso, se harmonizarem com o estado afetivo geral que minhas impressões orgânicas compõem. Quando se operar essa junção entre a lembrança e a sensação, terei um sonho (grifo nosso) (BERGSON, 1919, 95-96).”

Portanto, o que difere a lembrança (que ocorre no sonho) e a percepção (o que ocorre ao estarmos acordados) é, segundo Bergson, justamente a direção assumida: a lembrança remeti-nos ao passado, a percepção ao futuro, sendo o presente este “incessante desdobrar-se de si mesmo”, que coincide com o próprio movimento de auto-conservação do passado, sendo a duração, portanto, memória: onde “o passado não é aquilo que deixou de existir, mas o que deixou de ser útil”, e “o presente não é o que existe, mas antes aquilo se faz”. (TAKAYAMA, 2015, p. 30).




A EVOLUÇÃO CRIADORA:

O elã vital pode ser compreendido, segundo Takayama (2015), como uma “criação contínua e imprevisível de novas formas, diferenciando-se em novas espécies e indivíduos”, que tem por objetivo confrontar as duas principais teses explicativas da evolução: mecanicismo e o finalismo. (p. 32)

Segundo o autor, tal confronto se dá na discussão da consciência individual e da possibilidade da conservação do passado no presente, bem como na problematização de que tais questões possam ser partilhadas pela vida em sua concepção geral, isto é, em seu processo de devir das espécies em evolução.

No que tange ao mecanicismo, que considera o futuro e o passado calculáveis em razão do presente, segundo o autor, seu erro está na falta de eficácia desta concepção, que entende que a inteligência sobre-humana é “capaz de tudo determinar através de uma espécie de matemática universal”, como se dada num mundo tido como um conjunto harmonioso (Idem, 2015, p. 32).

Já em relação ao finalismo, seu erro está em entender que “tudo já está definitivamente dado, não havendo espaço para o imprevisto, para a criação do novo”, isto é, para “o próprio tempo entendido como duração”. (Idem, 2015, pp. 32-33).

Assim, tem-se a dificuldade de se conceber um elã vital, ou seja, de produzir uma “ideia de um único e mesmo impulso originário de múltiplas virtualidades ou tendências que se atualizam em diversas direções criando novas e imprevisíveis espécies e indivíduos”. (Idem, 2015, p. 33). Isto porque o mundo harmonioso proposto pelo mecanicismo não é perfeito, possui suas discordâncias e enganos no ato de produzir, sobretudo nas novas formas de vida que se cria a partir de uma identidade de um único impulso criador. De igual forma, também porque o finalismo tem a mesma função de considerar a necessidade de ação, que fundamenta nossos hábitos mentais.

Portanto, a evolução criadora, na perspectiva bergsoniana, é aquela que tida “como um movimento de diferenciação da duração, como atualização de tendências virtuais de um elã vital que se manifesta na criação de novas espécies e indivíduos”. (Idem, 2015, p. 34). Tal diferenciação se dá porque a vida é tendência, que se destina a desenvolver-se com divergentes direções, sendo, portanto, duração, que se difere de si mesma, bem como mudança, enquanto evolução criadora a partir de diferenciações.




A DIFERENÇA ENTRE O CONHECIMENTO ANALÍTICO E O CONHECIMENTO INTUITIVO:

Para o filósofo em tela existem duas formas de conhecimento: o primeiro é o conhecimento analítico, que diz respeito a análises relativas do que se tem exteriormente “ao que se propõe conhecer”, ou seja, trata-se de um conhecimento “que depende do nosso ponto de vista e dos símbolos através dos quais nos exprimimos”. Já o segundo é o conhecimento intuitivo, que diz respeito a um tipo que “atinge o absoluto, que nos faz entrar na coisa, que não depende de nenhum ponto de vista e não se apoia em nenhum símbolo”. (TAKAMAYA, 2015, p. 42).

Segundo a perspectiva bergsoniana o conhecimento analítico visa exprimir uma coisa em função do que ela não é. Trata-se de uma tradução, símbolos que se desenvolvem, numa representação dada, a partir de pontos de vistas sucessivos a cada novo contato realizado com o objeto novo de análise. Assim, “multiplica incessantemente os pontos de vista para completar a representação sempre incompleta, varia sem descanso os símbolos para perfazer a tradução sempre imperfeita. Prolonga-se, portanto ao infinito” (BERGSON, 1934, p. 187).

A crítica ao conhecimento analítico se dá porque o absoluto (a realidade), perfeito na medida em que ele é aquilo que de fato se faz, nunca pode ser representado num certo ponto de vista em sua totalidade. É sempre uma tradução feita a partir de símbolos e, portanto, imperfeita em comparação ao objeto tomado da realidade, pois os símbolos não o conseguem exprimi-lo.

Já o conhecimento intuitivo por sua vez, segundo o autor, é “o método responsável por pretender trazer à filosofia uma precisão análoga àquela que a ciência alcança em relação a seu objeto próprio” (TAKAMAYA, 2015, p. 45).

Para tanto, a intuição é um método filosófico que supõe a duração, pois não se reduz a um único ato. Trata-se de um desdobramento duma série de atos que correspondem “a todos os graus de ser” (BERGSON, 1934, p. 214). É a partir da intuição se pode conhecer o interior de um objeto do conhecimento, para se coincidir com aquilo que este objeto tem de único, de exprimível.




O FALSO PROBLEMA DO NADA QUE PRECEDE O SER:

Bergson (1859-1941) entendia que a filosofia criava verdadeiros problemas ao invés de resolvê-los. Para o autor, os problemas filosóficos se constituem, em boa parte, de problemas metafísicos, agrupados em problemas inexistentes (que se resolvem quando se constata a ilusão em sua formulação) e em problemas mal colocados (precisando ser reformulados).

Os questionamentos metafísicos (“de onde viemos?”, “o que somos?”, “para onde iremos?” e etc.) apontam, num primeiro momento, para os problemas inexistentes porque tem o vício de querer tomar o mais pelo menos, de querer pressupor um não-ser que preexiste ao ser, uma desordem à ordem, um possível ao real. Porém, o que é verdade é o ser, a ordem, o real, e não a ilusão do falso problema de um “movimento retrógado do verdadeiro” (BERGSON, 1907), que precedem o ato criador que os constitui.

Assim, “(...) acredita-se que há mais na ação daquele que, tendo-a executado, interroga-se, além disso, se a realizou como queria, e menos naquela de quem simplesmente cumpre seu ato sem se questionar se o fez a bom termo ou se poderia tê-lo feito de outra forma”.

No então, segundo Takayama (2015, p. 55), a perspectiva bergsoniana entende que é através da intuição, que os falsos problemas são desvelados e desvanecidos, possibilitando a invenção do que seja o verdadeiro.

Portanto, os falsos problemas são aqueles classificados como “os problemas angustiantes da metafísica” (TAKAYAMA, 2015, p. 47), em razão de sua urgência de se impor e ao mesmo de não se ter respostas definitivas para eles. Em razão disto, acredita-se que tal dificuldade existente é contínua e que nunca será solucionada.

Para Bergson (1907), como nunca serão respondidos, os problemas filosóficos não se deveria ser colocados, pois são problemas inexistentes, sendo falsos problemas, já que se trata de metafísicas e de epistemologias que se aportam em ilusão.

Noutras palavras, assim como a teoria do conhecimento tem como problema crucial determinar como é possível a ciência, entendendo o porquê da ordem racional das coisas próprias da natureza, o problema epistemológico da filosofia se baseia numa ilusão análoga ao se indagar sobre o problema do nada: trata-se de um falso problema.




OS PROBLEMAS INEXISTENTES:

Bergson (1859-1941) entendia que a filosofia criava verdadeiros problemas ao invés de resolvê-los. Para o autor, os problemas filosóficos se constituem, em boa parte, de problemas metafísicos, agrupados em problemas inexistentes (que se resolvem quando se constata a ilusão em sua formulação) e em problemas mal colocados (precisando ser reformulados).

Os questionamentos metafísicos (“de onde viemos?”, “o que somos?”, “para onde iremos?” e etc.) apontam, num primeiro momento, para os problemas inexistentes porque tem o vício de querer tomar a ilusão sobre a verdade do que seja o ser, a ordem, o real em si. Noutro momento, porque precisam ser mais bem colocados, reformulados.

Neste último sentido, é também uma ilusão aquela que se coloca para se fazer acreditar que um dado acontecimento não teria se realizado se antes não pudesse se realizar, isto é, “que antes de ser real é preciso que ele tenha sido possível”. (TAKAYAMA, 2015, p. 53). Isto ocorre porque existe um hábito mental que afirma a possibilidade das coisas preexistirem às próprias coisas, ou seja, o possível enquanto uma ideia de algo é precedida à realização deste algo. Assim, o real é mais que o possível, uma vez que se constitui da ideia do possível acrescida da existência que o acrescenta quando se realiza.

No entanto, este problema está mal formulado na concepção bergsoniana. Para o filósofo, “é o real que se faz possível e não o possível que se torna real” (1934, p. 119). Quem não concebe que há mais no possível do que no real, entendendo que o possível implica a existência do real mais uma operação de entendimento que retroprojeta enquanto possível antes mesmo de sua realização, além de uma motivação para se realizar, é porque é vitima de uma ilusão proveniente da essência do entendimento humano. Segundo o autor, isto se dá por que

(...) As coisas e os acontecimentos produzem-se em momentos determinados; o juízo que constata a aparição da coisa ou do acontecimento só pode vir após eles; tem, portanto, sua data. Mas essa data apaga-se de imediato, em virtude do princípio, arraigado em nossa inteligência, de que toda verdade é eterna. Se o juízo é presentemente verdadeiro, deve, ao que nos parece, tê-lo sido sempre. Por mais que não estivesse ainda formulado, punha-se a si próprio de direito, antes de ser posto de fato. (...)”(BERGSON, 1934, pp. 16-17).




OS PROBLEMAS MAL COLOCADOS: 

Para o filósofo em tela os falsos problemas podem ser tanto os inexistentes como os mal colocados. Ambos são oriundos de ilusão que consiste “em pensar em termos de mais ou de menos, em ver diferenças de grau onde existem, na verdade, diferenças de natureza, em negar o ser, a ordem e o real” utilizando-se de “um movimento retrógado do verdadeiro”, assim como “em conceber o novo com um rearranjo do já conhecido” em detrimento de se “aprendê-lo em sua radical imprevisibilidade”. (Takayama, 2015, p. 60).

Especificamente os mal colocados se caracterizam por reunir coisas que diferem por natureza num mesmo gênero, pois “é possível que estados distintos entre si  encontrem-se reunidos sob os mesmos termos” (Idem, p. 57). Noutras palavras, tem-se que se trata daqueles problemas cujos termos são mistos, mal analisados, e que, portanto, onde as divisões não correspondem às naturais articulações.

Como exemplo desta divisão que não acompanha as articulações naturais de seus termos, a ponto de se perceber apenas diferenças de intensidade, onde de fato há diferenças de natureza, o autor apresenta o falso problema da liberdade, onde deterministas e defensores do livre arbítrio se conflitam por conceberem a existência de um “eu superficial”, dividido em estados ou sentimentos que não variam e que estão justapostos no espaço, onde seria possível a vontade se realizar a partir da ação que seria livre.




A DIFERENÇA ENTRE INTELIGÊNCIA E INTUIÇÃO:

Bergson entendia que a inteligência é uma disposição natural que se volta a uma ação sobre uma matéria bruta, a um sólido inorgânico, onde se tem uma representação do que é imóvel, a partir de sua direção e o local onde se encontra num determinado momento de sua trajetória. Assim, não se propõe compreender a passagem de mudanças. Essa ação humana se realiza, amiúde, portanto, em objetos móveis.

Já a intuição é uma ciência do espírito, uma verdadeira metafísica, que propõe um pensamento em duração enquanto método filosófico. Por isto, é uma proposta que exige esforço para a construção de pensamentos árduos, obscuros e efêmeros, onde o espirito se define e não se nega tudo o que se conhece é para além do concreto, matéria.

Portanto, a intuição enquanto duração colide com a inteligência e seu regime natural, pois aquela se propõe inverter a maneira habitual de pensar. Entende que somente desta forma é possível se compreender a realidade movente da duração, entendendo suas direções. Diferente da inteligência com conceitos ressecados, fixos, a intuição concebe conceitos que são fluídos, que podem acompanhar o movimento e a mudança das coisas. Nas palavras de Bergson (1934), essa diferenciação se dá porque

“A inteligência parte ordinariamente do imóvel e reconstrói como pode o movimento com imobilidades justapostas. A intuição parte do movimento, põe-no, ou antes, percebe-o como a própria realidade e não vê na imobilidade mais que um momento abstrato, instantâneo que nosso espírito tomou de uma mobilidade. A inteligência brinda-se ordinariamente com coisas, entendendo com isso algo estável, e faz da mudança um acidente que lhe viria por acréscimo. Para a intuição, o essencial é a mudança: quanto à coisa, tal como a inteligência a entende, ela é um corte praticado no meio do devir e erigido por nosso espírito em substituto do conjunto. O pensamento representa-se ordinariamente o novo como um novo arranjo de elementos preexistentes; para ele, nada se perde, nada se cria. A intuição, vinculada a uma duração que é crescimento, nela percebe uma continuidade ininterrupta de imprevisível novidade; ela vê, ela sabe que o espírito retira de si mesmo mais do que possui, que a espiritualidade consiste justamente nisso e que a realidade, impregnada de espírito, é criação (...) (PM, 32-33).”

Assim, a intuição corrobora com Bergson, ao afirmar que “filosofar consiste em inverter a direção habitual do trabalho do pensamento” (1934, p. 221).




A UNIFICAÇÃO DA CIENCIA E DA METAFÍSICA

Bergson (1859-1941) entendia claramente uma diferença de natureza entre a ciência e a metafísica, pois aquela tem a inteligência como seu instrumento e a matéria sólida como seu objeto. Já a última é como um método e um espírito, que se propõe a partir do que é movente, em busca do que seria absoluto.

No entanto, o filósofo não as opunha. Pelo contrário, procurou unificá-las por entender que elas se complementam, tal “como duas faces da realidade” (Takayama, 2015, p.76). Ressalta-se que neste exercício de unificação, também não tentava unifica-las meramente a partir das teses de relatividade do conhecimento ou da impossibilidade de se alcançar o absoluto pela metafísica. O que as unia, na perspectiva bergsoniana, era a intuição.

Assim, por meio da intuição, a ciência, com base na inteligência, não deixava de ser afetada pela Filosofia com seu trabalho de inverter na ordem direcional pela qual o pensamento se habituou a transcorrer. E é justamente este tipo de trabalho que mais se faz, tanto nas ciências como na metafísica.

Nas palavras do próprio filósofo (1934), essa unificação da ciência e da metafísica pela intuição,

“(...) Ao mesmo tempo em que constituiria a metafísica em ciência positiva – quero dizer, progressiva e indefinidamente perfectível –, levaria as ciências positivas propriamente ditas a tomar consciência de seu verdadeiro alcance, com frequência muito superior àquele que imaginam ter. Colocaria mais ciência na metafísica e mais metafísica na ciência. Teria como resultado o restabelecimento da continuidade entre as intuições que as diversas ciências positivas obtiveram de longe em longe no decorrer de sua história e que só obtiveram graças a lances de gênio (PM, 224).”


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

BERGSON, Henri. A Energia Espiritual, ensaios e Conferências. 1919.
_______________. A Evolução Criadora. 1907.
_______________. Ensaio sobre os dados imediatos da consciência. 1889.
_______________. O Pensamento e o Movente, ensaios e conferencias. 1934.

TAKAYAMA, Luiz Roberto. Eletiva II: Filosofia Contemporânea II / Luiz Roberto Takayama. – Lavras : UFLA/CEAD, 2015.