segunda-feira, 23 de maio de 2011

PARTE 05 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UMA DUPLA DIMENSÃO – LIMITE E PRESTACIONAL



Em continuidade a nossa série sobre as concepções acerca do conteúdo e dos significados do conceito de Dignidade da Pessoa Humana, numa perspectiva jurídico-filosófica, baseada na obra “Dimensões da Dignidade: Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional” (SARLET, 2009, Livraria do Advogado Editora) esta quinta parte examinará a presente questão por uma dupla dimensão.

Pode a Dignidade da Pessoa Humana se manifestar simultaneamente como expressão da autonomia da pessoa humana, no sentido de autodeterminação no que diz respeito às decisões essenciais a respeito da própria existência, bem como na condição de expressão da necessidade de sua proteção (assistência) por parte da comunidade e do Estado, especialmente quando se encontra fragilizada ou até mesmo, quando ausente a sua capacidade de autodeterminação.

Nesse sentido, de acordo com a doutrina de Dworkin, a dignidade em seu sentido assistencial (de proteção a pessoa humana) poderá, em determinadas circunstâncias, prevalecer em face à dimensão autonômica. Assim, todo aquele a quem lhe faltarem as condições para uma decisão própria e responsável, inclusive em casos onde se perde o exercício pessoal de sua capacidade de autodeterminação, o direito a ser tratado com dignidade, de forma protegida e assistida, prevalece.

É partindo do pressuposto da dignidade possuir uma voz ativa e uma voz passiva que encontram-se conectadas, que Dworkin infere o valor intrínseco da vida humana de todo e qualquer ser humano, justificando que, mesmo em casos onde há a perda da consciência da própria dignidade, trata-se a dignidade de um valor que merece ser considerado e respeitado.

Cabe nesse momento a análise em relação à concepção da Dignidade da Pessoa Humana enquanto biologização, ou seja, a vinculação total da dignidade pelo simples fato de ser uma vida. Essa dimensão de ser a dignidade humana um valor que necessita ser assistido e protetivo, sobretudo nos casos onde há a impossibilidade da autodeterminação do sujeito, faz com que seja incompatível a total desvinculação entre vida e dignidade. A dignidade consiste, portanto, num axioma, ou seja, num principio diretivo da moral e do direito.

Mesmo na concepção de Hegel, onde se encontra subjacente uma teoria da concepção da dignidade como viabilização de determinadas prestações, tal dimensão encontra guarita. Segundo essa linha de pensamento, a proteção jurídica da dignidade reside no dever de reconhecimento de determinadas possibilidades de prestação, nomeadamente, a prestação do respeito aos direitos, do desenvolvimento de uma individualização e do reconhecimento de um auto-enquadramento no processo de interação social.

Não obstante, não implica na desconsideração da dignidade e sua proteção, no caso de pessoas com deficiência mental ou gravemente enfermas, uma vez que a possibilidade de proteger determinadas prestações não significa que se esteja a condicionar a proteção da dignidade ao efetivo implemento de uma dada prestação.

Grimm apud Koppernock (1997) sustenta que a dignidade, na condição de valor intrínseco do ser humano, gera para o individuo o direito de decidir de forma autônoma sobre seus projetos existenciais e felicidade e, mesmo onde esta autonomia lhe faltar ou não puder ser atualizada, ainda assim ser considerado e respeito pela sua condição humana.

Pode-se constatar que a Dignidade da Pessoa Humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais, da comunidade em geral, de todos e de cada um. Trata-se de uma condição dúplice, pois ao mesmo tempo em que se aponta como uma dimensão defensiva que estabelece alguns limites, também aponta para uma dimensão prestacional.

Enquanto limite, a dignidade implica que a pessoa não pode ser reduzida à condição de mero objeto de ação própria e de terceiros. Geram-se então direitos fundamentais, considerados negativos, ou seja, contra atos que violem ou exponham a graves ameaças a pessoa humana.

Por outro lado, enquanto tarefa, a previsão constitucional – seja de forma explicita ou implícita – da dignidade da pessoa humana implica deveres concretos de tutela por parte dos órgãos estatais, visando à proteção de dignidade de todos, assegurando da mesma forma por meio de medidas positivas – consideradas prestacionais – o respeito e a promoção da dignidade.

Podlech (1989) complementa a dúplice dimensão da dignidade da pessoa humana ao afirmar que na condição de limite da atividade dos poderes públicos, a dignidade necessariamente é algo que pertence a cada um e que não pode ser perdido, alienado, porquanto, deixando de existir, não haveria mais limite a ser respeitado – considerando o elemento fixo e imutável da dignidade.

Como prestação imposta ao Estado, a dignidade da pessoa reclama que este guie suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade, sobretudo, criando condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade.

Assim, a dignidade seria dependente da ordem comunitária, já que é de se perquirir até que ponto é possível ao individuo realizar, ele próprio, parcial ou totalmente, suas necessidades existenciais básicas ou se necessita para tanto, do apoio do Estado ou da comunidade – sendo este o elemento mutável da dignidade.


BIBLIOGRAFIA:

DWORKIN, Ronald. El Domínio de la Vida. Uma Discusión acerca del Aborto, la Eutanásia y la Liberdad Individual, Barcelona: Ariel, 1998.

KOPPERNOCK, Martin. Das Grundrecht auf bioethische Selbstbestimmung, Baden-Baden: Nomos, 1997.

PODLECH, Adalbert. Anmerkungen zu Art. 1. Abs. I Grundgesetz in: WASSERMANN, Rudolf (Org.) Kommerntar zum Grundgesetz fur die Bundesrepublik Deutschand (Alternativ Komentar), vol I, 2. ed. Neuvied: Luchterhand, 1989.

SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: Dimensões da Dignidade – Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. 2. ed. rev. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. pags. 15 a 43.


COMO CITAR ESTE ARTIGO:


NOVAES, Edmarcius Carvalho. PARTE 05 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UMA DUPLA DIMENSÃO – LIMITE E PRESTACIONAL. Disponível em: http://edmarciuscarvalho.blogspot.com/2011/05/parte-05-dignidade-da-pessoa-humana-uma.html em 23 de maio de 2011.

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