sábado, 25 de maio de 2013

FILOSOFIA POLÍTICA I – O PENSAMENTO POLÍTICO DE PLATÃO EM “A REPÚBLICA”




Na disciplina de “Filosofia Política I” há a analise do pensamento político clássico por meio da leitura de “A República” de Platão, um dos pilares do pensamento politico moderno e contemporâneo. Platão, juntamente com Aristóteles em “A Política”, foram capazes de articular um conjunto de ideias e estabelecer um vocabulário politico que se tornaram a matéria prima de reflexão de muitos autores que estudam a politica, suas formas e atividades com o objetivo de coexistir.

A filosofia política fala grego, uma vez que muitas palavras que se usa para falar sobre política provêm do grego: tirania, aristocracia, democracia, etc. Os dois autores foram alguns dos principais pela determinação desse vocabulário e do sentido de cada uma dessas palavras.

A política surgiu na Grécia, entendida não apenas como ciência, mas objeto dessa ciência. De acordo com Wolf, a política teria sido o resultado do cruzamento de dois importantes produtos da cultura grega. O resultado do cruzamento de um novo modo de pensar, surgido no século VI antes de Cristo, fundado no livre exame e na investigação sobre os fundamentos de todas as coisas, da realidade em sua totalidade, modo de pensar esse que tem o nome de filosofia, e de um modo livre e novo de viver juntos surgido no século VIII a.C que tem o nome de polis.

A palavra politica designa ao mesmo tempo uma ciência e um objeto. Enquanto objeto de um saber pode ser entendido um conjunto de atividades as quais os homens se dedicam com o objetivo de coexistir. Enquanto ciência designa o estudo objetivo dessas mesmas práticas, assim como historia designa o dever, a transformação da sociedade ao longo do tempo, e também o estudo dessas transformações da sociedade ao longo do tempo.

Destaca-se também que os gregos foram o primeiro povo a compreender que a política depende de nós. E nesse sentido, a política constitui uma criação genuína do gênio grego. Os egípcios e outras sociedades do passado possuíam lideres políticos, submetendo-se aos lideres como a um destino, como se a autoridade do Faraó descessem dos céus, não compreendendo que a politica é algo que dependem de nós. Via o Faraó como o “deus vivo”, corporação tangível de uma divindade, e como se o poder tivesse descendo do céu. Os gregos perceberam que as pessoas podem ser atores políticos e sujeitos das decisões que dizem respeito a administração da cidade, e por isso, podem ser considerados inventores da política.

Em sentido estrito, politica designa os negócios da polis. Polis designa a urbe por oposição ao campo, e a civilização a oposição à barbárie. De acordo com os gregos, aqueles que viviam fora da cidade eram bárbaros. E designa também a cidade, uma entidade comunitária, autônoma, a qual algumas dezenas de milhares de habitantes têm consciência de pertence. 

Para Francis Wolf, a cidade tem seu território que ultrapassa os limites da urbe e se abriga por detrás de seu regime próprio, onde cada uma saiu de diversas tribos, federadas sobre instituições politicas e religiosas comuns, mas seus particularismos tribais foram logo digeridos a tal ponto de no século V a. C, o sentimento de pertencer a sua cidade é primordial e vence o enraizamento do helenismo, marcado entre outras coisas, por uma comunidade étnica, linguística e de culto.

Na época clássica, entre os gregos da antiguidade, a participação na vida politica da cidade não era vista como atividade qualquer, como entre tantas outras. Os gregos viam a participação na vida política como a mais nobre das atividades, como a atividade por essência. Esse valor grande e elevado a vida política só pode ser entendida elevando em conta três fatores que são sugeridos por Wolf.

Primeiro, na civilização grega o sucesso de um individuo era identificado aos signos que o tornavam manifestado. Era uma civilização da visibilidade, como atesta a própria estatuária da época que levava a seu apogeu a arte de oferecer aos olhares de todos uma forma admirável e bela, que ocupasse o centro da própria vida na cidade. Também foram os inventores do teatro, tanto da comedia e quanto da tragédia. E no teatro tudo é visto por todos, tudo é visto por todos os ângulos, se manifesta como espetáculo e se reveste de sinais exteriores de visibilidade. Nas assembleias publicas, ao aconselhar a cidade, o orador atrai pra si todos os olhares e brilha por suas opiniões. 

Pode-se dizer que o sucesso político era o único e possível para gregos, e por isso, desde jovens eram ensinados a participar da vida publica, ocupar magistraturas e poder falar diante de seus concidadãos, compartilhando com eles seus pontos de vistas. Aqueles que se afastavam da vida política, era chamados de idiotes. A palavra era aquele que se recusava a se participar dos negócios públicos.

Segundo, a política constituía o espaço no qual se decidia o poder. Com efeito, na polis ninguém possuía o poder a priori. É o objeto de um ter privado, particular. O espaço público era o lugar de disputa, pelo reconhecimento e pelo poder, principalmente nas cidades onde havia uma democracia representativa, como na cidade de Atenas. O espaço público era um espaço que se disputava o poder, e por isso importante que cada cidadão participasse da tomada de decisão de tudo que dizia a respeito à cidade.

Por fim, a excelência politica totalizava de alguma maneira todas as outras excelências. Vale lembrar que o terreno politico recobria praticamente todas as competências particulares e exigia uma competência universal, pois nas assembleias de uma democracia direta, todos os cidadãos deveriam se pronunciar a respeito de todos os assuntos discutidos, ou pelo menos, dos assuntos que fossem considerados de interesse político. O homem político deveria ser capaz de demonstrar, num grau mais elevado, todas as qualidades morais que ocupavam os centros dos sistemas simbólicos da cultura grega, tais como justiça, piedade, senso de honra e sacrifícios.

Essas são as razões indicadas por Francis Wolf para a enorme importância que se atribuía no período clássico, principalmente na Grécia, a participação dos cidadãos na vida política.





A definição de Justiça:

Trasímaco expõe sua definição de justiça num diálogo que participou com Sócrates e outros interlocutores. Tal diálogo é descrito por Platão no Livro I de “República”, cujo mote é Sócrates refutando algumas concepções de justiça apresentadas por Céfalo, Polemarco e por Trasímaco. Trasímaco, insatisfeito com o posicionamento de Sócrates de que não convém a alguém causar dano a outrem, ou de que a justiça não pode ser prejudicial a alguém, concebe que a “justiça não é outra coisa senão a conveniência do mais forte” (338c). 

Sendo aquilo que é mais útil para quem é mais forte, a justiça ocorre onde se tem o poder, pois poder é força. E para tanto, a justiça se fortalece, em cada governo, a partir das leis que são estabelecidas de acordo com a conveniência necessária. Portanto, ser justo é também ser lícito, é obedecer às convenções feitas por homens, já que estas são feitas convenientemente para atender aos interesses de quem está no poder. Dessa forma, a “justiça é sempre a mesma, independente da forma de governo e dos governantes” (ASSMANN & DUTRA, 2008, p. 49).

O primeiro argumento que Sócrates utiliza para refutar tal definição é de que, embora a justiça seja algo útil, não é correto afirma que seja “para o mais forte”, questionando que, se caso o mais forte se enganasse ordenando aquilo que lhe parece útil, mas não o sendo, seus súditos realizariam então o que não é mais útil para o forte. Porém Trasímaco rebate tal argumentação, vinculando poder e conhecimento, onde o governante possui o poder por competência e, portanto, é infalível.

O diálogo desenvolve-se com Sócrates argumentando sobre o conteúdo da competência do governante, onde, como numa técnica, a competência está justamente em saber fazer o que é útil àquilo que é objeto de sua técnica. O governante justo, portanto, não visaria vantagem a ele mesmo, “mas o que o é para o seu subordinado, para o qual exerce sua profissão” (342e).

Novamente Trasímaco replica o filósofo apresentando duas argumentações: Primeiro, que é frágil afirmar que um governante visa apenas o que é útil aos governados, sendo essa análise uma abordagem simplória. Depois, argumenta que o homem injusto faz o bem a si mesmo, pois quem obedece ao mais forte não recebe nada por isto, porém, mesmo assim o obedecem. O injusto é feliz, sendo sua injustiça algo útil a si mesmo, e não para os outros, pois os outros só não cometem as mesmas injustiças, e louvam o injusto, porque tem medo de serem vitimados pela injustiça que praticariam. 

Segundo ASSMANN e DUTRA (2008), essa tese de Trasímaco lembra a ética aristocrática, na medida em que



“... sustenta que quem quiser ser justo deve fazer com que o poder constituído o sirva, e que, nesta perspectiva, o perfeito injusto, o tirano, é o único capaz de desmascarar o poder que está por detrás da justiça. Mas tal desmascaramento só pode ocorrer substituindo o poder pelo poder: mesmo o tirano tentará impor para vantagem própria o engano de sua justiça.” (p. 51).


Porém, todos os presentes no colóquio não concordaram com esse posicionamento de Trasímaco, dando continuidade a discussão sem a convicção de que injustiça é mais vantajoso que a justiça. Sócrates ao retomar a discussão se propõe a diferenciar os efeitos e as motivações de uma técnica para quem a exerce, bem como para o seu objeto, e para tanto, utilize-se de exemplos como o da arte médica e o da atuação de um piloto. Para o filósofo, essa técnica nada mais é que uma faculdade (dynamis) particular, que tem vantagens específicas. Em razão disto, o objeto da arte é diferente dos efeitos da arte sobre quem ela é exercida. Em resumo, enquanto arte, a justiça deve ter por finalidade a utilidade dos governados e não a dos governantes. 

Trasímaco replica porque Sócrates porque este não explicou porque a vida do justo deve ser preferida em detrimento da vida do injusto. Em razão disto, o sofista afirma que a injustiça é uma virtude (areté) e a justiça uma sublime ingenuidade, pois “a perfeita injustiça é mais útil do que a perfeita justiça” (348b). Noutras palavras, os injustos são prudentes e bons se conseguem realizar a injustiça perfeita, a ponto de submeter cidades e povos. Essa injustiça praticada dessa forma é sabedoria. Sócrates novamente o refuta argumentando que os justos só querem suplantar os injustos, enquanto os injustos visam dominar a todos, e, portanto, “o justo revela-se como bom e sábio, e o injusto como ignorante e mau” (350c.)

Sócrates dessa forma dá o ‘xeque-mate’, ao fazer com que os presentes compreendam que sendo a injustiça sinônimo de ignorância, o injusto é uma pessoa que não deseja aprender. E principalmente que o sofista é um ignorante, pois se utiliza de critérios intersubjetivos para tentar produzir uma moral da injustiça. O diálogo finaliza-se nesse ponto com Sócrates esclarecendo que justiça só pode ser algo que é bom para quem manda e para quem obedece, e que a injustiça é a fonte de discórdia, pois sem a união não é possível praticar nem o que é bom, nem o que é mau, uma vez que até para o egoísmo coletivo necessita-se do apoio dos outros. 

Por fim, Sócrates também introduz os conceitos de ergon (função de algo) e de virtude (excelência de algo/alguém para exercer bem sua própria função), onde a função da alma é administrar e a justiça é a virtude da alma para tanto, bem como se apresentou insatisfeito com tal discussão, uma vez que a mesma apresentou o conceito de justiça em si (apenas concluíram sê-la uma virtude da alma), e nem se descobriu se quem a possui é, ou não, uma pessoa feliz.



A origem do Estado e das classes de homens que o compõem:

No decorrer do diálogo, nos livros II e III, os interlocutores Gláucon e Adimanto continuam a pressionar a Sócrates para que este apresente uma definição melhor de justiça e para que explique por que a justiça é melhor que a injustiça. Pontuam que entendem a justiça como uma espécie de hipocrisia social, pois os seres humanos tendem muito mais a serem injustos que justos, porém, socialmente querem demonstrar que são justos, pois temem as consequências de se fazer o que é considerado como injusto. 

Para tais interlocutores a justiça é, para muitas pessoas, apenas um bem que é usado como um meio, e que fazer a injustiça é um bem, já sofrê-la, um mal. Numa concepção contratualista, entendem que a justiça é uma convenção entre indivíduos, que criam leis e convenções entre si, pois todos, sabendo de suas fraquezas de tenderem-se à injustiça, as criam e põem-se de acordo, para que ninguém as pratique uns com os outros. 

Nesse sentido, a justiça só serve para produzir uma boa reputação. Cumprem as leis não pelo bem que tal cumprimento pode trazê-los, mas sim por necessidade, por temerem a punição do seu descumprimento. Gláucon afirma que “por natureza queremos mandar, e só pela lei somos de fato iguais”. (ASSMANN e DUTRA, 2008, p. 55), ao passo que Adimanto coaduna com Sócrates quando se pronuncia afirmando que é bom ser justo e é mau ser injusto. 

Porém, para esse interlocutor, um individuo mau pode viver bem se aparentar se justo, e da mesma forma, um justo pode viver mau, caso, mesmo sendo bom, não aparente isto. Isso significa que a aparência impõe-se à verdade, decidindo-a:


“ninguém jamais censurou a injustiça ou louvou a justiça por outra razão que não fosse a reputação, horarias, presentes dela derivados. Quanto ao que são cada um em si e o efeito que produzem pela sua virtude própria, pelo fato de se encontrarem na alma de seu possuidor, ocultas a homens e a deuses, ninguém jamais demonstrou suficientemente, em prosa ou em verso, até que ponto uma é o maior dos males (...) ao passo que a outra, a justiça, é o maior do bens” (PLATAO, 366e-367a).


Sócrates então começa ressaltando que é preciso distinguir justiça individual e justiça da sociedade, e, sobretudo do ponto de vista dos outros seres humanos. Isso é necessário, pois é justamente por isso os homens constituem sociedades. 

São as necessidades humanas básicas (alimentação, habitação, vestuário) que fazem surgir a cidade, as sociedades, fazendo com que haja a divisão técnica do trabalho, onde cada um atua especificamente em algo que sabe fazer e o fará melhor. Assim, a cidade será constituída de sociedades onde cada um não trabalha para si mesmo, mas também para os outros, contribuindo com os outros que irão trabalhar para si e para os outros, de forma recíproca, em suas tarefas. 

Nessa sociedade, que é discursada por Platão com o intuito de projetar uma cidade que tenha como causa a justiça, devem existir três tipos de classes de indivíduos: deve haver uma cidade saudável (que incluirá a preocupação com a alma e o corpo), deve haver uma cidade bem armada (que contará com cidadãos-soldados, guardiães), e deve haver uma cidade cuja beleza é ser governada por filósofos (que conhecem como ninguém o que seja a justiça, numa perspectiva social).

Para tanto, a classe saudável deve ser educada com a musica para a alma. Na musica encontra-se todo o conjunto das artes, inclusive a literatura, com a ressalva da tradição helênica que colide com seu entendimento de que cada pessoa pode fazer bem apenas uma coisa só, pois “não existe entre nós homem duplo nem múltiplo, uma vez que cada um executa uma só tarefa” (397e). Pela arte, pode-se perceber a importância das coisas desinteressadas, da harmonia e da beleza, antes de se ter acesso à razão. 

Para a classe que favorece uma cidade bem armada, a ginástica para o corpo se justifica porque, juntamente com a arte, faz com que se forme um individuo com a formação de governantes, tendo as virtudes da temperança, a capacidade de se autocontrolar, sabendo agir responsavelmente. É justamente o equilíbrio da alma e do corpo que demonstra que uma pessoa está preparada para dirigir uma cidade, ou seja, para governar, como um filósofo, que possui esse equilíbrio.



A natureza da justiça:

Sócrates, no Livro VI, parte do entendimento de que alguém só pode ser feliz individualmente se for membro de uma cidade feliz, e que não se deve pensar somente na felicidade de uma determinada classe em detrimento de outra. É preciso sempre pensar na cidade como um todo. Essa cidade feliz, na concepção do filosofo, não pode ser nem rica e nem pobre, bem como deve ter um tamanho razoável para que possa ter sua autossuficiência, e ter a educação como formação por base. Posto isto, o filosofo apresenta as três virtudes do Estado:

a) sophia: sabedoria – preocupa-se com o conhecimento de toda a cidade, com o modo dela se comportar consigo mesma e com as outras cidades. Tal ciência é possuída pela classe de guardiões.

A felicidade não tem relação com a divisão técnica do trabalho, como as virtudes que se apresentam, pois a felicidade é fruto da justiça, uma vez que a competência sobre a felicidade não tem caráter intransitivo. 

b) andreia: coragem – é uma virtude cognitiva que é propiciada pela parte que tem a função de combater, com capacidade de salvaguardar a cidade contra coisas terríveis. 

c) sophrosyne: moderação – vale para toda a cidade boa e feliz e se relaciona com “o acordo dos seres naturalmente superiores e naturalmente inferiores sobre quais deles devem governar a cidade”, com todos respeitando essa situação, bem como, ao mesmo tempo, significa a capacidade de controlar os prazeres e apetites.

A justiça, nesse sentido, se dá na cidade quando cada um exercer sua única atividade, a atividade que a natureza determinou. A cidade feliz e justa é aquela onde cada uma das classes da sociedade desempenhe seus papeis sem pretenderem fazer nenhuma das outras. A injustiça provém justamente do contrário, ou seja, do fato de alguém exercer uma tarefa sem competência. A incompetência é justamente fazer o que a natureza não determinou. 

A justiça e moderação são virtudes do homem. São virtudes que se exigem de todos, pois em cada classe, a justiça e a moderação, possuem características distintas. Por ser uma convenção, externa, a justiça não pode ser resultado de uma mera convenção fortuita. Isso significa que os sentidos só encontram sentido se puderem se expressar na vida da cidade, na política. Portanto, o Estado ideal está relacionado com a alma ideal, O homem justo é sinônimo de cidade justa. A justiça é a capacidade de autogovernar-se. Há assim um paralelo de cidade feliz e de homem feliz e justo, da mesma forma como um paralelismo entre a saúde do corpo e a saúde da alma. 

A justiça consiste, nesse sentido, na ordem definida pela natureza e na divisão do trabalho. Segundo ASSMANN e DUTRA (2008), onde


“... é o princípio e ao mesmo tempo o resultado do fato de cada classe realizar de maneira perfeita a sua tarefa na cidade. E injustiça na cidade acontecerá toda vez que uma das classes não cumprir bem sua tarefa ou quando alguma classe não realizar a sua tarefa, mas a de outra para a qual a natureza não a destinou”. (p. 67)


Em suma, o homem é justo da mesma maneira que a cidade é justa, e a cidade é justa pelo fato de cada um executar nela a sua tarefa específica, em cada uma das suas três classes. Compete a educação o papel de formar cada parte da alma e cada parte da alma para realizar com perfeição a função que lhe é própria.



O Filósofo e o Estado Ideal:

Para o filósofo, os governantes devem se dedicar de forma exclusiva ao que for de interesse coletivo, razão pela qual devem se livres de todos os obstáculos e de todos os interesses e tendências que forem egoístas. Não há uma relação de senhorio dos governantes para com os governados. É uma relação de respeito e de amizade, uma relação de gratidão mútua. Nesse contexto, não há espaço para a competição. Qualquer forma de individualismo, de egoísmo, promove competições pelo poder e pelos cargos públicos, desvirtuando-se da finalidade de sua atuação, que deve ser sempre o interesse público, coletivo. 

Nesse sentido, o governante é aquela pessoa que resolve todos os problemas da cidade, sendo suas soluções universais. Para tanto, esse político que é o governante deve ser filósofo, uma vez que a política a ser executada baseia-se na episteme, no conhecimento do todo, objetivamente, e não numa política baseada na doxa, uma vez que saber falar e convencer os outros pelo discurso, como fazem os sofistas, não é suficiente, pois dessa forma não se tem senso de justiça, do que seja bem, verdade.

Esses governantes do Estado Ideal, filósofos, conhecem o todo e assim, governam para o bem da cidade, de todos os cidadãos, conseguindo ver a “beleza em si”, a “justiça em si”, sendo amigo da sabedoria. Esses governantes odeiam a mentira, amam a sabedoria e conhecem a substância das coisas, que não são instáveis. 



O Filósofo e a práxis política:

O filósofo deve ser o rei porque conseguiu chegar até ao Sol, à Verdade, ao Bem Supremo. Ele deve superar a difícil relação entre verdade e política, entre teoria e prática, para ao retornar à Caverna, governar obre os homens de prata e de bronze. 

O filósofo deve se ocupar do governo do Estado porque ele é sábio e, portanto, será um bom governante. Justamente por ser sábio, é seu dever governar os outros, não permitindo quem nunca conseguiu chegar até ao Sol governar, pois quem não percorreu o caminho até conhecer a Verdade não é sábio. 

A sabedoria do filósofo está justamente porque este conhece o todo e não somente partes, como são os especialistas. A política que se baseia na episteme, no conhecimento do todo, é melhor do que a doxa. O filósofo, conhecendo o todo, governará para realizar o bem para toda a cidade e não somente para si próprio, ou para uma parte específica da cidade. 

A escolha do filósofo para governar é uma escolha da natureza, é fruto da ideia do bem, ideia que só pode ser conhecida de forma precisa pelo filósofo, razão pela qual, este realiza a sua natureza de ser um homem de ouro, apto para se tornar o filósofo-rei do Estado.



Os Estados Corrompidos:

Na continuação do encontro de Sócrates com seus interlocutores, Gláucon solicita que o filósofo retome a discussão acerca do que estava sendo tratado anteriormente, visto no Livro V, sobre as diversas formas de políticas e suas relações com as diferentes formas de personalidade humana, considerando que a justiça para o individuo tem a mesma significância que justiça para toda a cidade. 

Assim como a virtude é una e o vício apresenta diversas formas, o filósofo entende que há apenas uma forma de estado que é perfeita, a aristocracia, e todas as demais (timocracia, oligarquia, democracia e tirania) são ruins.

A primeira forma corrompida de governo é a timocracia. Trata-se da constituição dominada pelo gosto por honrarias, onde a procura da honra é uma questão fundamental, tanto no que se refere à realização da razão (como na magistratura), quanto à realização da força para afirmar-se a si mesmo. 

Nesse contexto, é a coragem a virtude e não a sabedoria no Estado Ideal, resultando na desarmonia deste. O tirano é aquele que tem gosto pelo exercício físico, ginástica e caça. É corajoso, ambicioso, que considera os feitos militares em detrimento de interesses intelectuais. Com o decorrer da vida, apega-se ao dinheiro, pois já não tem mais uma alma equilibrada. A sua parte emotiva ou irascível já não é controlada pela razão, pois a alma desequilibrada já comanda a sua personalidade. 

A oligarquia por sua vez é a sociedade cuja importância está na riqueza e o poder está restrito aos ricos. Os governantes são estes, independentemente de serem ou não bons governantes. Nesse contexto há, portanto, duas classes – rica e pobre – em constante luta. A classe rica, governante, é minoritária. Os pobres, a maioria, viveram a desigualdade e em razão disto, muitos se tornarão mendigos ou criminosos. Estes não têm funções particulares. Vivem a luta pelo fim da desigualdade, enquanto os ricos dissipam suas riquezas. 

O oligárquico é o homem tem o desejo sempre de ter mais, e isso faz com que este controle de certa forma seus desejos e impulsos, visando à expansão da sua riqueza e a manutenção da tão desejada posse do poder.

Já a democracia se caracteriza pela distribuição dos cargos governantes à sorte. Parece ser um tecido social, não havendo uma consciência de classes. Impera como virtude a liberdade, onde tudo pode ser falado livremente, e todos tem o direito de fazer que melhor lhes convier. A vida particular é uma escolha do individuo. É um regime anárquico. Não corresponde a um estado individual, uno. Permite-se uma diversidade de estados diferentes. Nesse contexto faltam com o respeito às autoridades, filhos são iguais aos pais, os mestres aos seus discípulos, etc. 

O democrata é o homem que não distingue entre bons e maus prazeres, levando todos de igual forma. Vive o momento, fazendo que o bem lhe entender, sendo instável, tratando da vida particular e da vida política ao mesmo tempo. Engana-se a mesmo em relação à liberdade, pois o que vive é uma licença para se fazer algo e é escravo do desejo.

Por fim, a pior de todas as formas corrompidas do Estado, a tirania. Nesta há o desaparecimento de uma classe rica. O que há é um único líder, com um exercito privado, que estabelece uma tributação elevada ao povo. Esse líder oprime os cidadãos, remove os homens inteligentes e corajosos e promove um estado em constante guerra. 

O homem tirano é dominado por uma paixão principal, Eros, ao contrário dos vários desejos e passará a vida a tentar satisfazê-lo. Para tanto, torna-se violento e furioso, não havendo concepções sobre justo e injusto, honesto e desonesto. Todos são meios para satisfazer seus próprios interesses. Não terá amigos e sua vida será infeliz, uma vez que se trata de um homem perverso.


BIBLIOGRAFIA:

ASSMANN, Selvino José; DUTRA, Delamar José Volpato. Filosofia Política I. Florianópolis: Filosofia/EAD/UFSC, 2008.

PLATÃO. A República. Trad. De Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.



OBSERVAÇÃO: 

Este texto é um resumo que produzi com o material de aula de disciplina “FILOSOFIA POLÍTICA I” da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA – Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares, produzido em 25/05/2013.



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domingo, 5 de maio de 2013

ÉTICA III – IMANNUEL KANT E O FUNDAMENTO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES NA FILOSOFIA MODERNA




Esse estudo visa abordar aspectos da filosofia moral de Imannuel Kant (1724-1804), principalmente as noções de imperativo categórico e vontade livre, tais como nos são apresentados na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, buscando com isso compreender como Kant, munido de sua perspectiva crítica, busca reformular e fornecer novos fundamentos para as questões elaboradas por Hume. 


Introdução: 

O que é metafísica dos costumes? A Filosofia se divide em três campos: Física, Ética e Lógica. O conhecimento racional pode ser material (considerando um objeto qualquer) ou formal (apenas uma forma da razão – lógica). 

Existe uma diferença entre conhecimento empírico e conhecimento a priori, onde o conhecimento empírico é originado pela experiência, cujos objetos são apreendidos pelo individuo. Já o conhecimento a priori independe a experiência e sim do que o sujeito já possui antes do conhecimento dos objetos. 

Todo conhecimento começa pela experiência dos objetos, com as estruturas a priori funcionando. Elas são anteriores às experiências, razão pela qual o homem pode ter conhecimento dessas estruturas, portanto, a priori, antes da experiência. 

O que distingue conhecimentos empíricos e os a priori é que os empíricos são aqueles onde sempre é possível pensar o contrário, bem como que possibilita a generalização de regras para casos específicos observados. Já os conhecimentos a priori são aqueles necessários e pensar seu contrário é uma contradição. Os conhecimentos a priori também são universais. 

No campo da lógica não cabe empirismo, ela não se ocupa de objetos particulares e sim com regras universais da razão e pensamento. A Filosofia Natural (ou Físca) e a Filosofia Moral, tem cada uma, uma parte empírica e uma parte a priori. 

A Filosofia Pura é aquela, portanto, que se ocupa de princípios a prior. Dentro dessa Filosofia, encontra-se a Lógica, que se ocupa com as regras do pensamento, e a Metafísica, que se ocupa com objetos específicos. 

A Metafísica (análise da natureza) dos Costumes ocupa-se, portanto, da ética, de conteúdos a priori, ou moral, que são dadas ao conhecimento, antes da experiência. 



Conhecimento a priori: 

O conhecimento a priori nos dá a fundamentação da ética. A antropologia prática, parte empírica da ética, se assenta em conhecimentos a priori. É o conhecimento a priori que fornece os fundamentos do dever e das leis morais. Pela razão pura, sem experiência, que se encontra o fundamento da moral, e não nas circunstancias específicas ou na natureza humana. 



Princípio supremo da moralidade: 

A boa vontade é a única coisa que se pode considerar como extremamente bom. A felicidade precisa dela. Visa uma vontade moralmente boa. Em moral, o que é bom irrestritamente bom, não tem condicionalidades. Mesmo que haja elementos que a favoreçam, de nada adianta se não há algo que fundamente, ou seja, a vontade boa. 

O conhecimento moral visa o que de fato fundamenta o que se quer demonstrar. A boa vontade deve ser boa por querer e não por ter capacidade de atingir determinado fim. Não é meio e nem considerada pelos resultados. Se o objetivo do homem fosse a felicidade da preservação humana, a razão não valeria, pois os instintos conseguem a preservação. Se a razão não guiar a vontade, ela não serve para preservação humana. 

Se a razão influencia guiando a boa vontade, ela deve orientar a produção da boa vontade em si mesmo, não para outro fim. A boa vontade é o bem mais elevado para outros bens, como a felicidade. É preciso esclarecer que a razão visa cumprir o fim que ela se dá, ou seja, o dever, que sustenta essa boa vontade. 

A boa vontade com o dever é aquela útil para atingir fins específicos ou para agradar somente. A boa vontade pelo dever é aquela que independe de utilidade ou de ser agradável, e não há, portanto, condicionalidade ou inclinações humanas. 

Para exemplificar, agir para conservar a vida é um dever. Toda ação para isso é moral, ocorre pelo dever de viver. Se houver interesses diferentes, essa ação fica sem o caráter moral. Ser caridoso, por exemplo, é agir pelo dever. Mas se a pessoa tem o prazer, se isso lhe dá uma sensação prazerosa, essa ação de ser caridoso já não mais moral. 

Ser moralmente bom é ter uma ação restritiva, onde se abre mão de algo mais prazeroso pelo dever, podendo ser atribuído a qualquer sujeito que compreende essa diferença. Já agir por utilidade é visar algo agradável, é ter uma ação condicionada, influenciada por inclinações subjetivas. 

Porém, saber o que é bom não garante que o bom seja feito. É preciso assegurar o principio que garanta isso. Em razão disso, temos algumas proposições: 

a) ação moral se dá não por inclinação, mas por dever: o caso do filantropo que age por prazer não age moralmente, mas se é filantropo sem sentir prazer nisso, por ser somente, age moralmente. 

Deve-se fazer o que é dever exclusivamente pelo dever. Separar o que é prescrito como dever e a conformidade externa, ou seja, as leis. 

b) uma ação por dever tem valor moral não pelo resultado a ser obtido por ela, mas sim na máxima segundo a qual é decidida, não dependendo da realidade do objeto da ação, mas do princípio do querer. 

É o principio do dever e não do resultado a ser obtido. Ou seja, sem se preocupar com sua utilidade. A vontade encontra-se entre o principio a priori (formal) e a mola propulsora material (objeto, resultado da ação). Deve ser determinada pelo principio formal do querer em geral. 

c) representação da lei e não os efeitos dela esperado que constituem o bem moral. A legalidade universal da lei moral. O dever é uma ação necessária, por respeito a lei moral, que se impõe sozinha como legalidade, como o universal principio da vontade. É um imperativo: “Aja apenas segundo a máxima que você gostaria de ver transformada em lei universal." 

A ação moral que se dá por máximas é aquela que admite que existam princípios subjetivos da vontade de cada um. Exigir que seja um principio universal, é exigir uma objetividade ao querem que valham para todos. O que é bom é irrestritamente bom, não se limitando a casos específicos. 

Guiar-se pela lei moral determinada como dever é mais seguro que abandoná-la por ações aparentemente mais proveitosas, mas provavelmente não são boas moralmente. 

O encontro do principio racional moral comum quando passa para o conhecimento filosófico parte de dados morais pré-filosóficos. Quando se conhece esses princípios atem-se à aquilo que é fornecido pela razão pura, sem contato com casos específicos da experiência. 

No domínio prático, o poder de ajuizamento é vantajoso, quando o entendimento compreende o principio da ação moral, sem considerar as motivações pessoais, com adequado orientação, sem necessidades e inclinações. O imperativo categórico é um método analítico no fundamento da Metafísica dos Costumes, passando assim da Filosofia Comum. 



Noção da boa vontade e a contradição com a felicidade: 

Kant, na primeira seção da Fundamentação da metafísica dos costumes, discute a aparente contradição entre considerar a felicidade o fim último para a ação humana, na medida em que a razão, que nos foi favorecida pela natureza, não parece servir para alcançá-la. A noção de boa vontade faz desaparecer essa contradição. 

A razão por si mesmo não serve para alcançar a felicidade, que não é a virtude considerada o fim último para a ação humana. A razão pura, sem experiência, é o fundamento da moral, e não as circunstâncias específicas ou a natureza humana. A boa vontade, entendida como o princípio supremo da moralidade, é a única coisa que se pode considerar irrestritamente boa. Por isso, a felicidade precisa dessa boa vontade para existir. Se não for assim, essa felicidade terá uma concepção empírica, e isso significa a possibilidade da existência de julgamentos morais e inclinações que podem se tornar negativas. 

O que é bom moralmente é irrestritamente bom, sem condicionalidades e inclinações humanas. Mesmo que a virtude da felicidade ou outros elementos favoreçam essa boa vontade moral, de nada adianta se não há algo que a fundamente, ou seja, se não for a boa vontade boa em si mesmo. Essa boa vontade deve resistir sendo boa em si mesmo ainda que tudo acabe. A razão pode ser utilizada, desde que subordinada à intenção do homem, exercendo influencia sobre a vontade, a vontade boa em si mesma. 


A noção do dever: da boa vontade à lei determinada pela razão: 

A vontade boa é o bem mais elevado, superior a todos os outros bens, como a própria felicidade. A razão, nesse contexto, visa cumprir o fim que ela se dá, ou seja, que a boa vontade consista no dever. É o respeito ao dever que sustenta a boa vontade. 

O dever é livre de todas as inclinações e condicionamentos, onde a ação, obedecendo ao imperativo da razão, age puramente por dever. As ações precisam ser independentes de quaisquer tipos de motivação, sem qualquer elemento de interesse, ou seja, deve-se agir pelo interesse puro. Trata-se de uma absoluta submissão, onde o dever tem como raiz a razão, e não apresenta qualquer inclinação, como afirma Kant: 

“Dever! Nome grande e sublime, que nada em ti incluis de deleitável, trazendo em si a adulação, mas exiges a submissão; no entanto, nada ameaças que excite no ânimo uma aversão natural e cause temor, mas, para mover a vontade, propões simplesmente uma lei que por si mesma encontra acesso na alma e obtém para si, ainda que contra a vontade, veneração (embora nem sempre obediência) lei perante a qual emudecem todas as inclinações, se bem que secretamente contra ela atuem (...)” 

Agir por dever é agir moralmente, onde não se deve visar o resultado que as ações devem produzir, mas sim, agir somente por dever, objetivamente, em conformidade com a lei, e subjetivamente, na máxima desta mesma ação, onde há o respeito ao dever como modo único de determinar a vontade por ela mesma. 

Na Crítica da Razão Prática, o filósofo afirma que o valor do caráter de uma pessoa reside no fato de praticar o bem não por inclinações, mas por dever, sendo moral, pois não há qualquer finalidade –inclusive a felicidade - que não seja somente obedecer à razão. Salienta-se que a felicidade pode ser contemplada somente pelo dever e não por inclinações nas ações, uma vez que somente pelo dever é que se tem valor moral. 

De igual forma, o mandamento cristão de exercer o amor ao próximo deve ser concebido como um amor que é ordenado, como um amor por dever, segundo afirma o filósofo: 

“É sem dúvida também assim que se devem entender os passos da Escritura em que se ordena que amemos o próximo, mesmo o nosso inimigo. Pois que o amor enquanto inclinação não pode ser ordenado, mas o bem fazer por dever, mesmo que a isso não sejamos levados por nenhuma inclinação, e até se oponha a celeuma aversão natural e invencível, é amor prático e não patológico, que reside na vontade e não na tendência da sensibilidade, em princípio de acção e não em compaixão lânguida. E só esse amor é que pode ser ordenado.” 

Uma ação praticada por dever é uma ação moral, pois seu valor moral está na determinação, independentemente do seu objeto. A ação moral tem sua vontade determinada pelo princípio formal, sendo praticada pelo dever. A razão fornece a forma da lei pela qual se deve motivar as máximas das ações, sendo um dever obedecê-la. As máximas das ações devem se submeter aos princípios puros ou imperativos da razão, onde o dever tem uma necessidade de ser uma prática incondicionada da ação, onde todos os seres racionais podem tê-la como lei para viverem, como toda vontade humana. 

Agir em cumprimento a lei não é necessariamente agir moralmente, pois não é determinada pelo sentimento de dever. Quando se age em cumprimento a lei visa-se não ser punido, ou seja, há um temor. A moralidade reside não na ação, mas sim na sua determinação. De igual forma, agir em conformidade com o dever não é também agir moralmente. Kant apresenta o seguinte exemplo elucidativo: 

(...) o comerciante que atende lealmente aos fregueses, age em conformidade com o dever, mas não por dever, se não tem em vista senão o seu interesse bem compreendido. Do mesmo modo, a pessoa que leva uma vida feliz e se esforça por conservar a vida, age conformemente ao dever, pois conservar a vida é um dever. Ser benfazejo por prazer é, igualmente, agir conformemente ao dever, mas não por dever. Por outro lado, quem pratica a beneficência, mesmo sem sentir-se inclinado a isso, possui um valor moral maior do que aquele que é benevolente por temperamento, e isto no sentir de todos. 

Age-se moralmente quando se age por dever, quando uma ação fundamenta-se no dever, determinada pela lei de forma incondicional. A ação será boa independentemente do resultado, pois tem por escopo, exclusivamente, a própria boa vontade de agir. 

Portanto, as ações serão morais ou não, de acordo com suas intenções. A moralidade reside na intenção que se tem e não no resultado em si. O elemento que determina a ação é a intenção. Quando esta é determinada de forma objetiva, será moral, porém, se for de forma subjetiva, visando o cumprimento da lei, será legal, porém não moral. É moral o que é feito pelo dever, onde este determina exclusivamente o cumprimento da lei pela razão, e não por condicionalidades ou inclinações, e sendo também, válido de forma universal, o que não acontece com que é imoral. 




A noção do dever e a experiência: 

A noção de dever é uma elaboração mora de Kant, onde o filosofo analisa a vontade e a separação do que é bom moral (sem condicionalidades) e o que bom por utilidade ou prazer. Nesse sentido, o principio da moralidade não é fornecido de forma alguma pela experiência, o que não significa que os dados desta não possa carregar esse principio, mas que esse princípio não é fundado na experiência, determinado a priori. 

O conhecimento da experiência carrega conhecimentos empíricos e a priori, sendo difícil separar esse dois elementos. Quando se encontra o elemento a priori na experiência consegue entender que ele não é fundado na experiência e assim pode-se conhecer a forma e o conteúdo do principio a priori da moralidade. 

Na final da primeira seção, Kant afirmava que as necessidades humanas (que determina o que é bom pelo prazer ou por utilidade) resiste ao que é bom pelo dever, incondicionado, e faz com que aja contra o que é imposto pelo dever, o que significa que o que o dever orienta pode não ser realizado pela vontade humana, porque essa se inclina a vontade humana e, portanto, aspectos subjetivos. Por isso, precisa-se mostrar porque o principio a priori da moralidade fundamentado exclusivamente pela razão, a priori, sem inclinações subjetivas e particulares. Por isso é preciso mostrar que se funda na razão e esse jogo de não realizar que o dever impõe, mostra uma relação fundamento no âmbito da moral de jogo entre liberdade e necessidade. 

A noção de um dever impõe que o dever moral, obrigação moral, é uma necessidade e vetaria a liberdade e a vontade. Porém, o dever não impede a liberdade de agir de forma contrária ao dever prescrito. A necessidade como princípio pela razão, a priori (ou seja, os deveres são universais e necessários) não é arbitrário decidir se tem ou não obrigações morais, mas é do arbítrio agir ou não de acordo com essa obrigação. 

No título da segunda seção há uma transição de uma filosofia popular para uma metafísica dos costumes. Encontrar o princípio a priori não analisasse os sistemas filosóficos particulares. Filosofias populares são exemplificações de objeções que filósofos contemporâneos a Kant faziam de sua moralidade e sobre a tendência da moralidade humana se inclinar a princípios particulares e afastar-se do principio fundamental da moralidade. O filosofo propõe analises de determinar formulações do principio da moralidade a partir de inclinações e confunde o que seja empírico e o que seja a priori. 

Não se deve pensar o principio da moralidade como o conceito da experiência. Kant afirma que se olhar não há exemplos de ações por puro dever e que muitas coisas, embora possam parecer acontecer em conformidade com dever, pode-se duvidar se elas acontecem por dever, e não em conformidade com o dever moral. 

Impossível na experiência determinar o que de fato tem seu fundamento a priori. Impossível pela experiência afirmar que a máxima pelo dever acontecer realmente por dever e a representação que cada um faz de seu dever. É importante considerar essas representações. 

Há uma infinidade de molas propulsoras secretas, ou seja, inclinações subjetivas que levam o sujeito a agir, interferem em sua vontade. Não se pode conhecê-las. Na experiência, conhece-se a ação. Mas para a moral importa é o principio interno da ação, o que a experiência não acessa. Entender que a razão comanda o dever em si independente de tudo que as aparências demonstram. 

A vontade está ligada a razão pratica, como poder de agir por princípios determinados pela razão. Assim, as inclinações não determinam sempre a vontade, podendo sim a razão determina-la. 

É justamente aqui que Kant se afasta totalmente da teoria do sentimento moral de Hume, onde a vontade é tida como impressão e determinada por um sentimento moral e não pela razão. Para Kant, embora a experiência mostre que a vontade frequentemente se inclina por sentimentos particulares e subjetivos, o estabelecimento dos princípios da moralidade só pode ser dado pela razão. 

Ressalta-se que o que Kant considera como moralidade, enquanto lei, obrigação, é estendido para além dos homens, indo para todos os seres racionais em geral, de forma necessária. Ou seja, se se puder conceber a ideia de Deus, enquanto ser racional, as leis da moralidade são necessárias também para Deus. 

A vontade também pode ser considerada em duas perspectivas: a vontade perfeitamente racional, que é boa, e a vontade imperfeitamente racional, onde não faz o que é bom seja por ignorância ou fraqueza. Para o filosofo, pode-se pensar numa vontade que age de forma imperfeita ou perfeita, de acordo com o dever, logicamente possível. 

A distinção entre as vontades está presente na insuficiência da moral, de exemplos, pois se extrai da experiência. Se pensar no primeiro exemplo moral que é o Evangelho, deve-se compará-lo com o nosso ideal de perfeição moral. 

É na filosofia prática pura, na metafísica dos costumes, que se encontra o principio da moralidade, e não na filosofia popular. Na metafísica, fundamentam-se teoricamente os deveres e estabelece-se os preceitos dos deveres., pois o dever, lei moral pura, sem empirismo e pela razão, tem mais poder sobre a vontade que as outras inclinações, e o que dever determinar restringe o que é mais prazeroso, pelo o que é moralmente bom. E por isso, vincula-se a razão com a filosofia prática pura. A lei moral vale para todo ser racional, em geral, e não só para o conceito de natureza humana. 




Formas e conteúdos do principio do dever – definições: 

a) Vontade e razão prática: 

Tudo se opera por lei, e o ser racional tem faculdade de agir por representação das leis, ou seja, pela vontade. A vontade é a própria razão prática, onde há a faculdade de escolher só o que a razão entende como necessário e bom. 

A vontade não é inteiramente pela razão para o homem, por isso separasse da noção de objetividade as leis, considerando os princípios objetivos como além das inclinações subjetivas. São mandamentos, imperativos, expressos como verbo, como dever, onde o que é determinado objetivamente é bom, como valido para todo o ser racional, pois é determinado pela razão. A diferença entre bom moral e o bom agradável é justamente porque esse último depende de sensações e causas subjetivas e sem validade universal. 


b) Inclinação e interesses: 

A inclinação é a dependência da vontade às sensações. Interesses é a dependência de uma vontade contingente determinável de princípios da razão. Nessa perspectiva, a vontade divina não tem interesse, sendo sempre conforme o dever. Para o homem há sempre dois interesses: a ação (um interesse prático, dependente da vontade de princípios) e o objeto (determinado por interesse, fora do escopo da moralidade). 


c) Vontade perfeitamente racional e vontade imperfeitamente racional. 

A distinção está nos resultados: 

- na distinção entre leis e imperativos, onde as leis são aquilo que diz o que é bom fazer em preferencia de outras ações, e os imperativos são o que deve ser feito, independentemente da ação ser igual a ele. 

- na distinção entre princípios objetivos e princípios subjetivos, onde os primeiros possuem validade universal para todo o ser racional, e, portanto, leis imperativas, e os últimos são máximas, o que quer fazer, onde se prefere uma em detrimento a outra. 

Como o dever é um principio da moralidade imperativo, expresso, é nesse imperativo que se encontra o dever. 


d) Tipos de imperativos: hipotético e categórico. 

O imperativo hipotético representa a necessidade de uma ação como meio para conseguir outra coisa. É uma determinação, condição, subjetiva, particular. A felicidade é uma ação hipotética, porque se tem outra intenção. São ações que tem fins determinados.

O imperativo categórico representa uma ação como necessária em si, sem determinação de outro fim. Só ele determina a ação boa por si mesmo e a ação necessária que é conforme a razão. Nele ocorre o principio da moralidade. 

Esse imperativo categórico determina que a vontade aja pela razão, de acordo com o dever. Dessa determinação se forma o principio da ação. Vale para uma vontade racionalmente imperfeita, pois a determinação de conteúdo, pela forma é descolada da experiência, ou seja, é a priori. 

Considerando o imperativo categórico pode-se pensar a ação como uma necessidade do principio objetivo agir sobre o principio subjetivo. Quem quer um fim, quer os meios, e por isso é um impasse. A matéria é o fim que tal ação intenciona, como na felicidade, ou seja, fim determinado, por isso tem meios subjetivos. Os meios dos imperativos categóricos são determinados, e tem força de lei prática, não podendo mudar os meios para atingir o fim. 

O imperativo categórico é juízo sintético pratico a priori. Não é analítico, independendo da experiência. São a priori porque só explicitam o que está no sujeito, não ampliando o conhecimento, como os juízos sintéticos que ampliam o conhecimento, pois unem ao sujeito um predicado. 

A própria formulação do imperativo categórico fornece seu conteúdo, pois além da lei ser universal, a necessidade da máxima se conforma a lei. Por isso há um único imperativo categórico, sendo o principio da moralidade de onde todas as outras formas devem ser deduzidas. 

O principio da razão mostra o principio da moralidade. Todo o principio do dever, do bem incondicional tem seu papel central na razão prática. 


Conclusão: 

Na analise dos limites da razão, tem-se duas formulações fundamentais das questões da moralidade na modernidade. Hume entende que a vontade se dá pelo sentimento, pelas impressões, onde o que distingue o que é bom e mau, a moralidade, é um sentimento de aprovação ou desaprovação. Já Kant o limite da razão é o postulado da razão, que se dá a priori. O imperativo categórico garante que a vontade se paute por este princípio racional e definido, mesmo a vontade podendo ser imperfeitamente racional. 


BIBLIOGRAFIA: 

DALL`AGNOL, Darlei. Ética II. Florianópolis: Filosofia/EAD/UFSC, 2009. 

HUME, David. Tratado da natureza humana. Oxford: Clarendon Press, 1978. 

KANT, Imannuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1980. 


OBSERVAÇÃO: 

Este texto é um resumo que produzi com o material de aula de disciplina “ÉTICA II” da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA – Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares, produzido em 05/05/2013. 


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sábado, 4 de maio de 2013

ÉTICA II – DAVID HUME E A TEORIA SOBRE O SENTIMENTO MORAL NA FILOSOFIA MODERNA


O presente estudo visa conhecer a filosofia moral de David Hume (1711-1776), para compreender alguns aspectos fundamentais de sua teoria sobre o sentimento moral, focando em duas partes do Tratado sobre a natureza humana. 


Introdução: 

O Tratado sobre a natureza humana é amplo, por isso aqui se faz um recorte sobre os problemas da liberdade. Hume é britânico, empirista, e entende que toda a forma de conhecimento se dá por meio da experiência. Aponta um privilegio sobre o papel das percepções como aquilo que descreve os conteúdos mentais que o sujeito é possível. 

Hume vai delinear a moral com a relação entre vontade e paixão, com a relação entre a necessidade e a liberdade, e a partir disso o papel delas com a vontade. Entre como paixões diretas as impressões que resultam por alguma outra coisa, não sendo inatas, onde o bem ou mal podem causar essas paixões. A vontade tem papel fundamental. Se não é propriamente uma vontade, qual é o seu papel? Como pode haver uma relação de uma paixão e vontade numa moral? 

O filósofo entende a vontade como um conteúdo moral que deve ser pautado pela percepção. Na seção 2 da obra analisada, Hume apresenta quais as origens das ideias e como os conteúdos mentais estão presentes na mente humana. Eles, os conteúdos mentais, são percepções, se dividindo em impressões e ideias. O que as difere é a vivacidade. As impressões são mais vivas. Já as ideias são cópias enfraquecidas daquilo que são as impressões. Separam-se, portanto, pelo grau de vivacidade. Também se separam pela anterioridade, onde as ideias surgem pelo o que as impressões determinam. O filosofo entende também que há diferentes tipos de impressões e ideias, podendo ser simples e compostos. 

As impressões e as ideias correlatas não possuem ligação entre as impressões e ideias, o que há é uma operação mental que as vincula: trata-se da imaginação, onde de forma livre, estabelecem-se essas ligações entre impressões e ideias. É a plena liberdade de correlacionar, criando ideias compostas sem ter impressões compostas. 

Essa conexão é determinada pela imaginação por 3 modos fundamentais: 

a) associação de ideia simples e impressão simples por semelhança: ver uma foto + pessoa que conheço; 

b) por continuidade espaço-temporais: o percurso que faço, sei o que há do lado do local onde estou; 

c) causa-efeito: não há nenhuma relação entre causa e efeito. É uma imaginação feita pela experiência da repetição da sucessão desses eventos. Torna-se presente por uma impressão determinada, impressões que estão ausentes. Exemplo: o fogo causa calor, mesmo que a distancia, não sinta o calor. 

Essa relação é arbitraria pela imaginação, que se inclina a fazer uma inferência, pelo habito da experiência. 

Na análise da vontade há o problema da necessidade e liberdade. Vontade é um tipo de impressão presente no entendimento humano, sendo um equívoco esforçar descrevê-la de forma acabada. Deve-se somente considera-la como impressão. A sua relação com necessidade e liberdade considera objetos externos e necessários. Não há qualquer registro do acaso. Não se tem acesso à necessidade de relação dos objetos, o que não significa que eles não existam. 




01 – O estabelecimento de identidade entre as relações que a mente infere entre corpos externos não dotados de vontade e as relações entre as ações dos corpos dotados de vontade: 

Para Hume a mente tem um funcionamento que reage às percepções, podendo ser estas as impressões e as ideias. Todas as ações humanas decorrem das percepções. O filósofo propõe explicar as paixões diretas, ou seja, como pela percepção dos sentimentos (como o bem e o mal, a dor e o prazer, o amor e o ódio, etc) pode-se explicar a vontade humana. Nesse sentido, a vontade humana possibilita compreender esses sentimentos, e é “a impressão interna que sentimos e de que temos consciência quando deliberadamente geramos um novo movimento em nosso corpo ou uma nova percepção em nossa mente”. 

É a partir da vontade que Hume passa a analisar as relações inferidas pela mente, seja com os corpos externos, que não são dotados de vontade, seja entre as ações dos corpos que são dotados de vontade. Para tanto, ele considera as questões que envolvem a necessidade e a liberdade. 

Assim sendo, o filósofo reconhece que as operações dos corpos externos são ações necessárias, sem nenhum traço de liberdade. Tudo que esteja na mesma situação da matéria, ou seja, as dos corpos externos, devem ser vistas como ações necessárias. Isto porque a mente só tem conhecimento de uma união constante que produz essa necessidade. E essa conjunção uniforme e regular é que produz a ideia para a mente da relação de causa e efeito. Essa união constante de causa e efeito produz essa inferência na mente sobre os corpos externos de que eles agem sobre uma necessidade regular e uniforme. 

A ideia de causa e efeito é fruto dessa necessidade, dessa identidade entre as relações dos corpos externos não dotados de vontade. E isso é uma determinação da mente que infere a existência da necessidade desses corpos externos de se unirem, como causa e efeito. Essa união ocorre por não se conseguir ter uma visão direta da essência desses corpos. A experiência, portanto, faz existir a inferência de que as ações desses corpos possuem uma união constante com os motivos, os temperamentos e as circunstâncias que os envolvem. A experiência possibilita dessa inferência de que causas semelhantes sempre produzem efeitos semelhantes, do mesmo modo que na ação mútua dos elementos e poderes da natureza. Tal regularidade é reconhecida como exemplo da necessidade e da existência de causas nos corpos externos. 

A necessidade tem por essência a uniformidade das ações do curso geral da natureza humana, que é conhecida pela mente humana. A uniformidade das ações humanas fundamenta essa união necessária, essa conexão regular. Ao se julgar as ações dos corpos dotados de vontade deve-se ter a mesma base das máximas que são utilizadas ao se julgar as ações dos corpos externos, ou seja, é preciso considerar que há uma uniformidade das ações humanas como regra, e as exceções que ocorrem quando há uma conjunção que varia dessas experiências constantes, devem ser vistas como acaso e com indiferença, e é fruto do conhecimento humano imperfeito, mas nunca tendo como explicação as próprias coisas que variaram, as quais necessariamente deveriam acontecer de forma igual constantemente. 

Pode-se então concluir que essa identidade das relações que são inferidas pela mente entre os corpos externos não dotados de vontade e entre as ações dos corpos dotados de vontade, é a união entre os motivos e as ações, que possuem a mesma constância, sejam nas ações humanas, sejam nas operações naturais. 

Noutras palavras, a necessidade de união é igual entre os motivos e as ações humanas e nas operações naturais. E de igual forma, a necessidade é a mesma na influencia sobre o entendimento, onde há a inferência da existência de uns da existência dos outros, não havendo espaço para a liberdade. E essa é uma evidencia moral, ou seja, uma conclusão acerca das ações humanas, onde todos os atos da vontade decorrem dessa necessidade que também existe. A relação de causa e efeito necessária é fruto da inferência pela experiência. É uma conclusão da percepção da mente, que infere tal união como necessária, porque deriva dos mesmos princípios e tem a mesma natureza. 

Nesse contexto, a liberdade é o acaso, pois para ela existir é preciso suprimir a necessidade, que tem como essência a causalidade, a relação necessária existente, seja entre os corpos externos ou entre as ações dos corpos dotados de vontade. 



02 – As três razões para a prevalência da doutrina da liberdade: 

Considerando que a identidade das relações que são inferidas pela mente entre os corpos externos não dotados de vontade e entre as ações dos corpos dotados de vontade, é a união entre os motivos e as ações, que possuem a mesma constância, sejam nas ações humanas, sejam nas operações naturais, e que, de igual forma, a necessidade é a mesma na influencia sobre o entendimento, onde há a inferência da existência de uns da existência dos outros, sem espaço para a liberdade. 

De igual, a partir da compreensão de que esse entendimento é uma evidencia moral, ou seja, uma conclusão acerca das ações humanas onde todos os atos da vontade decorrem dessa necessidade que também existe, bem como onde a relação de causa e efeito necessária é fruto da inferência pela experiência, sendo uma conclusão da percepção da mente que infere tal união como necessária, porque deriva dos mesmos princípios e tem a mesma natureza. Assim, a seção anterior a esta em tela, conclui que a liberdade é o acaso, pois para ela existir seria necessário suprimir a necessidade, que tem como essência a causalidade, a relação necessária existente, seja entre os corpos externos ou entre as ações dos corpos dotados de vontade. 

Hume passa então, na seção 2 da parte 3 do Livro 2 ora analisada, a apresentar três razões para a prevalência da doutrina da liberdade, no entendimento humano, a saber: 

A primeira razão é que ao realizar uma ação o ser humano tem dificuldade em aceitar que agiu de forma governada, ou seja, parece-o que, se aceitar que agiu por uma necessidade (relação de causa e efeito) foi forçado, violentado e constrangido a agir dessa maneira, não tendo, portanto, consciência do seu agir. Isso se dá pela confusão de compreender liberdade como espontaneidade e não liberdade como indiferença, onde agir por livremente por espontaneidade é opor-se à violência e agir livremente por indiferença, é deliberadamente negar a necessidade e as causas de sua ação. 

A segunda razão pela qual a doutrina da liberdade prevalece na aceitação humana é a falsa sensação ou experiência da liberdade de indiferença. A necessidade de uma ação não defira do próprio agente, mas é característica de qualquer ser pensante que, se estiver de fora da ação em si, irá considerar a determinação do pensamento que infere a existência da ação a partir dos objetos preexistentes, da relação causa e efeito da ação. Essa sensação de liberdade de indiferença é falsa, pois, por mais que o agente sinta que suas ações estão submetidas à sua vontade, e esta não está submetida a nenhuma determinação, outra pessoa de fora conseguirá inferir essa ação de necessidade, diferenciando-a dos motivos que fez com que o agente assim o procedesse, bem como o caráter dessa ação e do agente. 

Por fim, a terceira razão decorre da religião, que muitas vezes é utilizada para refutar a doutrina antagônica da necessidade, levando a discussão para consequências perigosas, seja para a religião e para a moral. Para Hume, essa atitude não contribui em nada para a descoberta da verdade, e só serve para “tornar odiosa a pessoa do adversário”, uma vez que sua proposta é analisar a relação de necessidade nas ações humanas e nos objetos externos, e isso no campo das matérias sensíveis, e não no patamar das operações da matéria insensível. 

Porém, o filósofo ressalta que a necessidade é essencial tanto para a religião como para a moral. No campo da moral, é a necessidade – a relação de causa e efeito – que justifica a existência de leis humanas fundadas em recompensas e punições, produzindo sob a mente influência para a realização de ações que sejam consideradas boas e impedindo as que são consideradas más. No raciocínio ligado às leis divinas, a necessidade se justifica porque se considera Deus como um legislador que impõe punições e concede recompensas para que haja a obediência por parte do ser humano. Dessa forma, a doutrina da liberdade não encontra justificativa para o filósofo, pois caso contrário, os homens, seja no campo moral ou no religioso, não seriam responsáveis por suas ações planejadas e premeditadas, casuais ou acidentais. O mérito ou demérito das ações humanas é, portanto, um princípio da doutrina da necessidade e não da liberdade. 




03 – As ideias de virtude e ócio extraídas das noções de dor e prazer: 

Na ética de Hume toda ação da mente é uma percepção, inclusive as de aprovar ou não um caráter e as de distinguir entre o bem e o mal. As percepções se dividem em impressões e ideias relacionadas às essas impressões. Quem entende que a moralidade é uma conformidade com a razão, entende que o certo e o errado são impostos por leis, por divindades, sendo discernidos pelas ideias de justaposição e comparação, conseguindo assim distinguir entre o bem e o mal. Hume, no entanto, discorda dessa concepção justamente porque a filosofia, no que se refere à moral, é prática, ou seja, ela influencia as paixões e ações, indo além do entendimento meramente racional. 

Nesse sentido, na ética humana, a moral desperta as paixões, produzindo ou impedindo as ações. A razão sozinha não é capaz disso. As regras da moral, portanto, não são conclusões da razão, pois esta é inativa para tanto. A moral não é fruto de dedução racional. Se a moralidade fosse um acordo ou desacordo com a razão, as outras circunstâncias, como os juízos, seriam sempre arbitrários, não podendo conferir a uma ação o caráter de virtuosa ou viciosa, ou privá-la de tais caracteres. Todos os vícios e virtudes seriam, dessa maneira, iguais. 

Porém, a razão pode influenciar uma ação quando desperta uma paixão, informando-a sobre a existência de algo que é objeto de tal paixão, ou descobrindo conexões que possibilitam meios de exercer uma paixão qualquer. A ação pode causar um juízo ou ser causada por um juízo. Nesse sentido, os juízos podem ser falsos e errôneos. E este é o problema da moral, pois, por ser afetada pela paixão, uma pessoa pode supor que um objeto comporte dor ou prazer sem que isso seja de fato. A moral, fundamentada na paixão, tem a virtude como provocadora do prazer e o vício como provocador da dor. 

Por não ser a moralidade objeto da ciência, de descoberta pelo entendimento racional, na análise de um vício ou uma virtude só se encontram paixão, motivos, volições e pensamentos. Não se tem questões de fato. Tem-se o sentimento de aprovação ou desaprovação, que está em quem o sente, e não no ‘objeto’ considerado aprovado ou desaprovado. Por isso, na filosofia moderna, o vicio e a virtude podem ser comparados ao som, às cores, ao calor e frio, pois são percepções da mente e não qualidades do objeto. Interessam-se os sentimentos de prazer e desprazer, sendo favoráveis à virtude e desfavoráveis ao vício, para assim regular as ações humanas. 



04 – A noção de bondade em Hume:

Hume entende que toda ação da mente é uma percepção, seja para aprovar ou não um caráter, seja para distinguir entre o bem e o mal. Essas percepções podem ser impressões ou ideias relacionadas às próprias impressões. De igual forma, compreende que a moral não decorre do uso da razão, pois o filósofo vê esta última como inativa para despertar paixões ou ações, bem como para despertar a virtude enquanto a provocadora do prazer, e o vício enquanto provocador da dor. Não é, portanto, em Hume, a razão que possibilita distinções morais, que favorece a consciência e o sentido moral. 

Ao entender essa base do agir moral é possível compreender que as paixões e as virtudes consistem na experiência. Ser bom ou mal se aplica as ações da mente, derivando dessa experiência das relações com objetos externos. Ressalta-se que essa distinção entre ser bom e ser mal, se encontra apenas entre as ações internas e objetos externos e, portanto, não se aplica às ações internas comparadas entre si e nem a objetos externos opostos a outros objetos externos. 

Por essa razão, não se pode comprovar que os critérios entre bem e o mal podem ser conhecidos somente pela razão como definidora do que seja bom. É preciso conhecer essa virtude e conformar a vontade humana a ela. É preciso ter uma conexão de relação da virtude da bondade e a vontade, e isso se dá somente pela experiência, pela influência da paixão nas ações da mente humana, pois as distinções morais derivam do senso moral, que é sentido e não racionalizado. 

A concepção humana propõe justamente descobrir quais são essas percepções (as impressões ou as ideias) que, consistindo no empirismo, acompanham a moralidade. Assim, a impressão que deriva da virtude é agradável, bem como o seu oposto, ou seja, a impressão que deriva do vício é desagradável. Dentre todas as impressões, uma se destaca pela pressuposição de um utilitarismo de Hume, é a ação benevolente, a bondade, que é tida como a mais bela e nobre, prazerosa, a que provoca a aprovação pela paixão. 

Juntamente com a justiça (que depende das circunstancias externas e que promove o benefício público ao garantir a segurança e a propriedade), a virtude da bondade, é também um dos principais objetos de aprovação social. Isso se dá porque a bondade moral, na análise de Hume, é uma qualidade apreendida nas ações, a qual se obtém aprovação, e de igual forma, provoca o desejo de felicidade do agente. Ser o que não é bom é reconhecer aquilo que leva à desaprovação, ou seja, é ser o mal moral. Ressalta-se que a aprovação ou desaprovação está relacionada à concordância ou não com os interesses e vantagens do agente. Isso reforça o caráter utilitarista da concepção humana sobre a bondade moral. 

Assim, a bondade para Hume é uma virtude social, onde os objetos de aprovação da benevolência tendem a promover os interesses da espécie e a felicidade da sociedade humana, justamente por promover dentre outras ações, a harmonia das famílias, a ordem na sociedade, o suporte entre amigos, que demostram o caráter útil da bondade. 


BIBLIOGRAFIA: 

DALL`AGNOL, Darlei. Ética II. Florianópolis: Filosofia/EAD/UFSC, 2009. 

HUME, David. Tratado da natureza humana. Oxford: Clarendon Press, 1978. 


OBSERVAÇÃO: 

Este texto é um resumo que produzi com o material de aula de disciplina “ÉTICA II” da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA – Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares, produzido em 04/05/2013. 


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