sexta-feira, 13 de maio de 2011

PARTE 03 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UMA DIMENSÃO INTERSUBJETIVA



Em continuidade a nossa série sobre as concepções acerca do conteúdo e dos significados do conceito de Dignidade da Pessoa Humana, numa perspectiva de jurídico-filosófica, esta terceira parte examinará a presente questão pela dimensão da intersubjetividade de cada pessoa e de sua necessidade relacional e comunicativa.

Tal dimensão considera a idéia formulada pela Declaração Universal de Direitos Humanos do ano de 1948 de todos serem reconhecidos como iguais em dignidade e direitos, pela circunstância de nesta condição conviverem em determinada comunidade.

É por meio dela que a concepção ontológica reforça-se, haja vista que a intersubjetividade marca todas as relações humanas, ratificando o reconhecimento de valores socialmente consagrados pela e para a comunidade de pessoas humanas.

Pérez Luño (1995) sustenta uma dimensão intersubjetiva da dignidade partindo da relação do ser humano com os demais (do ser com os outros) em vez de fazê-lo em sua esfera individual, não advogando, entretanto, a justificação da prática de sacrifícios que se tenham a funcionalização da dignidade

Morderne (1997) considera uma visão de caráter instrumental, com uma noção de igual dignidade de todas as pessoas, onde a participação ativa de todos contribui para a construção de uma “moral coletiva”, partindo do pressuposto da necessidade de promoção das condições de uma contribuição ativa para o reconhecimento e proteção do conjunto de direitos e liberdades indispensáveis ao nosso tempo.

Loureiro (1999) ensina que a dignidade humana implica uma obrigação geral de respeito pela pessoa, traduzida num feixe de deveres e direitos correlativos, de natureza não meramente instrumental, mas sim, relativos a um conjunto de bens indispensáveis ao “florescimento humano”.

Importante a contribuição de Arendt (2002) sobre o conceito e os pressupostos da condição e da existência humana ao lecionar que:

“a ação, única atividade que se exerce entre os homens sem a mediação das coisas ou da matéria, correspondente à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. Todos os aspectos da condição humana tem alguma relação com a política: mas esta pluralidade é especificamente a condição – não apenas a conditio sine qua non, mas a conditio per quam – de toda a vida política. Assim, o idioma dos romanos – talvez o povo mais político que conhecemos – empregava como sinônimas as expressões ‘viver’ e ‘estar entre os homens’ (inter homines esse), ou ‘morrer’ e ‘deixar de estar entre os homens’ (inter homines esse desinere)”.

O pensamento de Hannah Arendt, no sentido da pluralidade pode ser consideração como a condição da ação humana e política consigna a lição de Habermas, para quem ao analisar a dignidade numa acepção rigorosamente moral e jurídica, encontra-a vinculada às relações humanas, de tal sorte que a sua intangibilidade resulta justamente das relações interpessoais marcadas pela recíproca consideração e respeito.

Para Hofmann (1993) a dignidade, enquanto conceito jurídico, assume feição de um conceito eminentemente comunicativo e relacional – no sentido de que a dignidade da pessoa humana não poderá ser destacada de uma comunidade concreta e determinada onde se manifesta e é reconhecida.

Os desenvolvimentos em torno da natureza relacional e comunicativa da dignidade da pessoa humana, na concepção de Fukuyama (2003), permitem vincular a igual dignidade de todas as pessoas humanas também a qualidade comum, pois entende que, como seres humanos “partilhamos uma humanidade comum que permite a todo o ser humano se comunicar potencialmente com todos os demais seres humanos no planeta e entrar numa relação moral com eles”.

Assim, conclui-se que a noção da dignidade como produto de reconhecimento da essencial unicidade de cada pessoa humana e do fato de esta ser credora de um dever de igual respeito e proteção no âmbito da comunidade humana decorre desta linha argumentativa. Tal linha é vinculada à dimensão intersubjetiva, e, portanto, sempre relacional, do conceito de Dignidade da Pessoa Humana, assumindo um espaço privilegiado na esfera da discussão política, sociológica e filosófica, quando do entendimento da dignidade como reconhecimento de uma qualidade intrínseca à pessoa humana.


BIBLIOGRAFIA:


ARENDT, Hannah. A Condição Humana, 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

FUKUYAMA, Francis. Nosso Futuro Pós-Humano. Conseqüências da Revolução da Biotecnologia, Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

HOFMANN, Hasso. Die versprochene Menschenwurde, in: Archiv dês Offentlichen Rechts (AoR), n. 118, 1993, p. 353-377.

LOUREIRO, João Carlos Gonçalves. O Direito à Identidade Genética do Ser Humano, in: Portugal-Brasil Ano 2000, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 263-389.

MORDENE, Franck. La Dignité da Personne comme Príncipe Constitutionnel dans les Constitutions Portuguaise et Française, in: MIRANDA, Jorge (Org.). Perspectivas Constitucionais – Nos 20 anos da Constituição de 1976, v. I., Coimbra: Coimbra Editora, 1997.

PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución. 5. ed., Madrid: Tecnos, 1995.

SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: Dimensões da Dignidade – Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. 2. ed. rev. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. pags. 15 a 43.


COMO CITAR ESTE ARTIGO:


NOVAES, Edmarcius Carvalho. PARTE 03 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UMA DIMENSÃO INTERSUBJETIVA. Disponível em:  http://edmarciuscarvalho.blogspot.com/2011/05/parte-03-dignidade-da-pessoa-humana-uma.html em 13 de maio de 2011.

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