terça-feira, 31 de maio de 2011

PARTE 06 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: CONSIDERAÇÕES FINAIS - A COISIFICAÇÃO DO OUTRO


Em continuidade a nossa série sobre as concepções acerca do conteúdo e dos significados do conceito de Dignidade da Pessoa Humana, numa perspectiva jurídico-filosófica, baseada na obra “Dimensões da Dignidade: Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional” (SARLET, 2009, Livraria do Advogado Editora) esta sexta e última parte examinará a presente questão pela perspectiva da coisificação do homem.

É certo que alcançar uma definição precisa do âmbito de proteção e de incidência do conceito de Dignidade da Pessoa Humana não parece ser possível. Não obstante, a busca pela compreensão de seu conteúdo e dos significados acabará alcançando sentido e operacionalidade apenas em face do caso concreto. Tal realidade não é exclusiva de tal princípio, ou seja, ocorre de modo geral com os princípios e direitos fundamentais.

Além dos aspectos já apresentados acerca da temática, a busca por uma definição da temática, de forma mais aberta, porém minimamente objetiva, visando sua concretização nos casos concretos, se faz mister em face da exigência de certo grau de segurança e estabilidade jurídica necessária, assim como para que se evite que a dignidade signifique justamente o contrário do que se deva ser, quando de sua concretização.

DURIG (1956) apresenta a fórmula do homem-objeto ao afirmar que a Dignidade da Pessoa Humana poderia ser considerada atingida sempre que a pessoa concreta (o indivíduo) fosse rebaixada a objeto, a mero instrumento, tratada como uma coisa, ou seja, fosse descaracterizada e desconsiderada como sujeito de direitos.

SARLET (2009) contempla tal possibilidade da formula do homem-objeto, no direito brasileiro, como enunciado de que tal condição é justamente a negativa da dignidade, quando a Constituição da República, em seu art. 5°, inciso III, estabelece de forma enfática que ‘ninguém será submetido à tortura e a tratamento desumano ou degradante’.

SACHS (2000) ao analisar a formula de coisificação do homem afirma que a definição da dignidade considera seu âmbito de proteção, sendo uma opção de análise, na perspectiva de determinar o âmbito de tal proteção somente a partir das violações da Dignidade nos casos concretos.

Tal perspectiva de análise é largamente acolhida e adotada pelo Tribunal Federal Constitucional da Alemanha, uma vez que não se define previamente o que deve ser protegido, mas permite a verificação, à luz das circunstancias do caso concreto, da existência de uma efetiva violação da Dignidade da Pessoa Humana, fornecendo, ao menos, um caminho a ser trilhado, de tal sorte que, ao longo do tempo, doutrina e jurisprudência se encarregam de identificar uma série de posições que integram a noção da dignidade da pessoa humana e que, portanto, reclamam proteção pela ordem jurídica.

Nesse sentido, a Dignidade da Pessoa Humana estaria vinculada ao valor social e pretensão ao respeito do ser humano, não podendo ser reduzido à condição de objeto do Estado, nem mesmo submetido a tratamento que comprometa sua qualidade de sujeito.

Tal compreensão não afasta, entretanto, o entendimento de que a formula do homem-objeto pode ser esvaziada quando, as pessoas, sejam na vida privada ou na esfera pública, constantemente se colocam a si próprias na condição de objeto da influência e ações alheias, sem que com isso se esteja colocando em duvida suas condições de pessoas. Agrega-se a isso o fator de que esta simples formula é insuficiente para apreender todas as violações e assegurar, por si só, a proteção eficiente da Dignidade da Pessoa Humana.

SARLET (2009, p. 34-35) conclui que, em ultima análise, “onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças”.

MORAES (2003) em vistas à concretização do substrato material da Dignidade da Pessoa Humana aponta quatro princípios jurídicos fundamentais (vinculados a um conjunto de direitos fundamentais) que corroboram para tal concretização, a saber:

a) da igualdade: que veda toda e qualquer discriminação arbitrária fundada nas qualidades da pessoa;

b) da liberdade: que assegura a autonomia ética, e, portanto, a capacidade para a liberdade pessoal;

c) da integridade física e moral: inclui a garantia de um conjunto de prestações materiais que asseguram uma vida com dignidade;

d) da solidariedade: a garantia e promoção da coexistência humana, em suas diversas manifestações.

Destarte, infere-se que para ordem jurídico-constitucional a concepção do homem-objeto e suas conseqüências constituem justamente a antítese do conteúdo e significados da Dignidade da Pessoa Humana, uma vez que tal instrumentalização do homem restringe o âmbito de proteção de sua dignidade, razão pela qual sua concretização deve dar-se por meio de outros princípios e direitos fundamentais.

DWORKIN (1998), baseado na doutrina de Kant, relembra que o ser humano não poderá jamais ser tratado como objeto, isto é, como mero instrumento para a realização dos fins alheios, destacando, todavia, que tal postulado não exige que nunca se coloque alguém em situação de desvantagem em prol de outrem, mas sim, que as pessoas nunca poderão ser tratadas de tal forma que se venha a negar a importância distintiva de suas próprias vidas.

KANT (1980) refere expressamente que o homem constitui um fim em si mesmo e não pode servir “simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade”.

Sabe-se, de acordo com NEUMANN (1998), que o desempenho das funções sociais em geral encontra-se vinculado à uma recíproca sujeição, de tal sorte que a Dignidade da Pessoa Humana, compreendida como vedação da instrumentalização humana, em principio proíbe a completa e egoística disponibilização do outro, no sentido de que se está a utilizar a outra pessoa apenas como meio para alcançar determinada finalidade, de tal sorte que o critério decisivo para a identificação de uma violação da dignidade passa a ser o objeto da conduta, ou seja, a intenção de instrumentar, de coisificar o outro.


CONCLUSÃO:


Considerando a publicação desta série baseada no artigo “As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível” contido no livro “Dimensões da Dignidade: Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional” (2009, Livraria do Advogado), concluímos apresentando uma proposta do conceito de Dignidade da Pessoa Humana elaborada pelo autor de tal artigo, a saber, Doutor em Direito e professor Ingo Worgang Sarlet.

A Dignidade da Pessoa Humana, segundo SARLET (2009) é “a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”

O autor utiliza, como critério aferidor de vida saudável, os parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde, quando se refere a um completo bem-estar físico, mental e social, reconhecido no âmbito da comunidade internacional.


BIBLIOGRAFIA:


DURING, Günter. Der Grundsatz der Menschenwurde durch allgemeine Programmgrundsetze, Munchen: Reinhard Fischer Verlag, 1999.

DWORKIN, Ronald. El Domínio de la Vida. Uma Discusión acerca del Aborto,la Eutanásia y la Liberdad Individual, Barcelona: Ariel, 1998.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. in: Os Pensadores – Kant (II), Trad. Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 103-162.

MORAES, Maria Celina Bodin de. O Conceito de Dignidade Humana: Substrato Axiológico e Conteúdo Normativo. in: SARLET, Ingo, Wolfgang (Org.). Constituiççao, Direitos Fundamentais e Direito Privado, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 105-148.

NEUMANN, Ulfried. Die Tyrannei der Wirde, in: Archiv fur Rechts-und Sozialphilosophie (ARSP), v. 84, 1998, p. 153-166.

SACHS, Michael. Verfassungrecht II – Grundrechte, Berlin-Heidelberg - New York: Springer-Verlag, 2000.

SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível.In: Dimensões da Dignidade – Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. 2. ed. rev. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. pags. 15 a 43.


COMO CITAR ESTE ARTIGO:


NOVAES, Edmarcius Carvalho. PARTE CONSIDERAÇÕES FINAIS - A COISIFICAÇÃO DO OUTRO. Disponível em: http://edmarciuscarvalho.blogspot.com/2011/05/parte-06-dignidade-da-pessoa-humana.html em 31 de maio de 2011.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

PARTE 05 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UMA DUPLA DIMENSÃO – LIMITE E PRESTACIONAL



Em continuidade a nossa série sobre as concepções acerca do conteúdo e dos significados do conceito de Dignidade da Pessoa Humana, numa perspectiva jurídico-filosófica, baseada na obra “Dimensões da Dignidade: Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional” (SARLET, 2009, Livraria do Advogado Editora) esta quinta parte examinará a presente questão por uma dupla dimensão.

Pode a Dignidade da Pessoa Humana se manifestar simultaneamente como expressão da autonomia da pessoa humana, no sentido de autodeterminação no que diz respeito às decisões essenciais a respeito da própria existência, bem como na condição de expressão da necessidade de sua proteção (assistência) por parte da comunidade e do Estado, especialmente quando se encontra fragilizada ou até mesmo, quando ausente a sua capacidade de autodeterminação.

Nesse sentido, de acordo com a doutrina de Dworkin, a dignidade em seu sentido assistencial (de proteção a pessoa humana) poderá, em determinadas circunstâncias, prevalecer em face à dimensão autonômica. Assim, todo aquele a quem lhe faltarem as condições para uma decisão própria e responsável, inclusive em casos onde se perde o exercício pessoal de sua capacidade de autodeterminação, o direito a ser tratado com dignidade, de forma protegida e assistida, prevalece.

É partindo do pressuposto da dignidade possuir uma voz ativa e uma voz passiva que encontram-se conectadas, que Dworkin infere o valor intrínseco da vida humana de todo e qualquer ser humano, justificando que, mesmo em casos onde há a perda da consciência da própria dignidade, trata-se a dignidade de um valor que merece ser considerado e respeitado.

Cabe nesse momento a análise em relação à concepção da Dignidade da Pessoa Humana enquanto biologização, ou seja, a vinculação total da dignidade pelo simples fato de ser uma vida. Essa dimensão de ser a dignidade humana um valor que necessita ser assistido e protetivo, sobretudo nos casos onde há a impossibilidade da autodeterminação do sujeito, faz com que seja incompatível a total desvinculação entre vida e dignidade. A dignidade consiste, portanto, num axioma, ou seja, num principio diretivo da moral e do direito.

Mesmo na concepção de Hegel, onde se encontra subjacente uma teoria da concepção da dignidade como viabilização de determinadas prestações, tal dimensão encontra guarita. Segundo essa linha de pensamento, a proteção jurídica da dignidade reside no dever de reconhecimento de determinadas possibilidades de prestação, nomeadamente, a prestação do respeito aos direitos, do desenvolvimento de uma individualização e do reconhecimento de um auto-enquadramento no processo de interação social.

Não obstante, não implica na desconsideração da dignidade e sua proteção, no caso de pessoas com deficiência mental ou gravemente enfermas, uma vez que a possibilidade de proteger determinadas prestações não significa que se esteja a condicionar a proteção da dignidade ao efetivo implemento de uma dada prestação.

Grimm apud Koppernock (1997) sustenta que a dignidade, na condição de valor intrínseco do ser humano, gera para o individuo o direito de decidir de forma autônoma sobre seus projetos existenciais e felicidade e, mesmo onde esta autonomia lhe faltar ou não puder ser atualizada, ainda assim ser considerado e respeito pela sua condição humana.

Pode-se constatar que a Dignidade da Pessoa Humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais, da comunidade em geral, de todos e de cada um. Trata-se de uma condição dúplice, pois ao mesmo tempo em que se aponta como uma dimensão defensiva que estabelece alguns limites, também aponta para uma dimensão prestacional.

Enquanto limite, a dignidade implica que a pessoa não pode ser reduzida à condição de mero objeto de ação própria e de terceiros. Geram-se então direitos fundamentais, considerados negativos, ou seja, contra atos que violem ou exponham a graves ameaças a pessoa humana.

Por outro lado, enquanto tarefa, a previsão constitucional – seja de forma explicita ou implícita – da dignidade da pessoa humana implica deveres concretos de tutela por parte dos órgãos estatais, visando à proteção de dignidade de todos, assegurando da mesma forma por meio de medidas positivas – consideradas prestacionais – o respeito e a promoção da dignidade.

Podlech (1989) complementa a dúplice dimensão da dignidade da pessoa humana ao afirmar que na condição de limite da atividade dos poderes públicos, a dignidade necessariamente é algo que pertence a cada um e que não pode ser perdido, alienado, porquanto, deixando de existir, não haveria mais limite a ser respeitado – considerando o elemento fixo e imutável da dignidade.

Como prestação imposta ao Estado, a dignidade da pessoa reclama que este guie suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade, sobretudo, criando condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade.

Assim, a dignidade seria dependente da ordem comunitária, já que é de se perquirir até que ponto é possível ao individuo realizar, ele próprio, parcial ou totalmente, suas necessidades existenciais básicas ou se necessita para tanto, do apoio do Estado ou da comunidade – sendo este o elemento mutável da dignidade.


BIBLIOGRAFIA:

DWORKIN, Ronald. El Domínio de la Vida. Uma Discusión acerca del Aborto, la Eutanásia y la Liberdad Individual, Barcelona: Ariel, 1998.

KOPPERNOCK, Martin. Das Grundrecht auf bioethische Selbstbestimmung, Baden-Baden: Nomos, 1997.

PODLECH, Adalbert. Anmerkungen zu Art. 1. Abs. I Grundgesetz in: WASSERMANN, Rudolf (Org.) Kommerntar zum Grundgesetz fur die Bundesrepublik Deutschand (Alternativ Komentar), vol I, 2. ed. Neuvied: Luchterhand, 1989.

SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: Dimensões da Dignidade – Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. 2. ed. rev. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. pags. 15 a 43.


COMO CITAR ESTE ARTIGO:


NOVAES, Edmarcius Carvalho. PARTE 05 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UMA DUPLA DIMENSÃO – LIMITE E PRESTACIONAL. Disponível em: http://edmarciuscarvalho.blogspot.com/2011/05/parte-05-dignidade-da-pessoa-humana-uma.html em 23 de maio de 2011.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

PARTE 04 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UMA DIMENSÃO HISTÓRICO-CULTURAL



Em continuidade a nossa série sobre as concepções acerca do conteúdo e dos significados do conceito de Dignidade da Pessoa Humana, numa perspectiva jurídico-filosófica, baseada na obra “Dimensões da Dignidade: Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional” (SARLET, 2009, Livraria do Advogado Editora) esta quarta parte examinará a presente questão pela dimensão da construção histórico-cultural.

Por tratar-se de uma categoria axiológica aberta e considerando o pluralismo e a diversidade de valores que se manifestam nas sociedades democráticas contemporâneas, pode-se inferir a dificuldade de conceituar a Dignidade da Pessoa Humana de forma fixista. Acrescenta-se a isso a compreensão de que se trata de um conceito em permanente processo de construção e desenvolvimento, reclamando uma constante concretização e delimitação pela práxis constitucional, tarefa sob a responsabilidade de todos os órgãos estatais.

Para Haberle (1987) a dignidade possui também um sentido cultural. Compreende-a como fruto do trabalho de diversas gerações e da humanidade em seu todo, razão pela qual as dimensões naturais e culturais da dignidade da pessoa se complementam e interagem mutuamente.

Benda (1984) registra que para que a noção de dignidade não se desvaneça como mero apelo ético impõe-se que seu conteúdo seja determinado no contexto da situação concreta da conduta estatal e do comportamento humano de cada pessoa humana.

Dentro dessa perspectiva de se considerar um determinado contexto de uma situação concreta, para a análise da conduta estatal e do comportamento do ser humano em relação ao conteúdo da dignidade humana, pode-se traçar um duplo olhar, distintivo, de seu conteúdo:

a) o primeiro, a dignidade humana num sentido latu sensu, onde esta é reconhecida a todos os seres humanos, independentemente de sua condição pessoal, concreta;

b) o segundo, a dignidade humana concretamente considerada, ou seja, num contexto de seu desenvolvimento social e moral.

Neste ultimo olhar, pode-se destacar a uma serie de situações que, para determinada pessoa (independentemente de uma vinculação a certo grupo cultural especifico) não são consideradas como ofensivas à sua dignidade, ao passo que, para outros, as mesmas situações, tratam-se de violação intensa ao núcleo essencial da dignidade da pessoa.

Assim, temos as penas em matéria criminal, ao longo do tempo, para exemplificar. Sabe-se que na sociedade ocidental, ao longo tempo, já reconhecia a dignidade da pessoa humana como um valor para o Direito, o que não afastou que determinadas penas inicialmente fossem aceitas como legitimas, e posteriormente alteradas em função de representarem violações da dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, Sarlet (2009, p. 29) traz decisão do Tribunal Federal Constitucional da Alemanha afirmando que não se pode perder de vista que “a dignidade da pessoa humana é algo irrenunciável, mas o reconhecimento daquilo que é exigido pelo postulado que impõe sua observância e respeito não pode ser desvinculado da evolução histórica. A história das políticas criminais revela que as penas cruéis foram sendo gradativamente substituídas por penas mais brandas. Da mesma forma a evolução de penas gravosas para penas mais humanas e de forma simples para formas mais diferenciadas de penalização tem prosseguido, permitindo que se vislumbre o quanto ainda deve ser superado”.

Conclui tal Egrégio que “o julgamento sobre o que corresponde à dignidade da pessoa humana, repousa necessariamente sobre o estado vigente do conhecimento e compreensão e não possui uma pretensão de validade indeterminada”.

É oportuno ressaltar que ao se considerar a Dignidade da Pessoa Humana enquanto uma construção histórico-cultural, isto não se propõe a aderir à concepção de dignidade como prestação baseada nas lições de Hoffmann (1993), para quem as diversas teorias da dignidade humana, sobretudo em relação ao conteúdo e fundamentação, podem ser agrupadas em torno de três concepções:

a) a dignidade como dádiva: constituindo a dignidade uma qualidade ou propriedade peculiar e distintiva da pessoa humana, fundada numa razão ou numa dádiva divina;

b) a dignidade como prestação: é vista como um produto, uma prestação da subjetividade e autonomia do individuo;

c) a dignidade como reconhecimento: no sentido de que a dignidade se manifesta no reconhecimento recíproco do outro no que diz com sua especificidade e suas peculiaridades como individuo.

Contrariando a concepção da dignidade da pessoa humana enquanto algo natural, como uma construção histórico-cultural, Luhmann (1974), numa perspectiva hegeliana, adota o entendimento de que, assim como a liberdade, a dignidade é o resultado e condição de uma exitosa auto-representação. São condições para a auto-representação do Homem, como pessoa individual, o que, de resto, se processa apenas no contexto social, de tal sorte que a dignidade e a liberdade referem-se a problemas específicos de comunicação. Trata-se do entendimento de que a pessoa alcança, conquista, sua dignidade a partir de uma conduta auto-determinada e da construção exitosa da sua própria identidade.

Na próxima postagem abordaremos melhor essa temática a respeito da dignidade da pessoa humana, a saber, sua dupla dimensão: negativa e prestacional, enquanto limite e como tarefa.


BIBLIOGRAFIA:


BENDA, Ernest. Die Menschenwurde ist Unantastbar, in: Archiv fur Rechts-und Sozialphilosophie (ARSP), Beiheft n. 22, 1984.

HABERLE, Peter. Die Menschenwurde als Grundlage der staatlichen Gemeinschaft, in: INSEE, Josef; KIRCHHOF, Paul (Orgs). Handbuch des Staatsrechts der Bundesrepublik Deutschland, v. I, Heidelberg: C. F. Muller, 1987, p. 317-367).

HOFMANN, Hasso. Die versprochene Menschenwurde, in: Archiv dês Offentlichen Rechts (AoR), n. 118, 1993, p. 353-377.

LUHMANN, Niklas. Grundrechte als Instituition, 2. ed. Berlin: Duncker & Humblot, 1974.

SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: Dimensões da Dignidade – Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. 2. ed. rev. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. pags. 15 a 43.


COMO CITAR ESTE ARTIGO:


NOVAES, Edmarcius Carvalho. PARTE 04 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UMA DIMENSÃO HISTORICO-CULTURAL. Disponível em:  http://edmarciuscarvalho.blogspot.com/2011/05/parte-04-dignidade-da-pessoa-humana-uma.html em 18 de maio de 2011.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

PARTE 03 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UMA DIMENSÃO INTERSUBJETIVA



Em continuidade a nossa série sobre as concepções acerca do conteúdo e dos significados do conceito de Dignidade da Pessoa Humana, numa perspectiva de jurídico-filosófica, esta terceira parte examinará a presente questão pela dimensão da intersubjetividade de cada pessoa e de sua necessidade relacional e comunicativa.

Tal dimensão considera a idéia formulada pela Declaração Universal de Direitos Humanos do ano de 1948 de todos serem reconhecidos como iguais em dignidade e direitos, pela circunstância de nesta condição conviverem em determinada comunidade.

É por meio dela que a concepção ontológica reforça-se, haja vista que a intersubjetividade marca todas as relações humanas, ratificando o reconhecimento de valores socialmente consagrados pela e para a comunidade de pessoas humanas.

Pérez Luño (1995) sustenta uma dimensão intersubjetiva da dignidade partindo da relação do ser humano com os demais (do ser com os outros) em vez de fazê-lo em sua esfera individual, não advogando, entretanto, a justificação da prática de sacrifícios que se tenham a funcionalização da dignidade

Morderne (1997) considera uma visão de caráter instrumental, com uma noção de igual dignidade de todas as pessoas, onde a participação ativa de todos contribui para a construção de uma “moral coletiva”, partindo do pressuposto da necessidade de promoção das condições de uma contribuição ativa para o reconhecimento e proteção do conjunto de direitos e liberdades indispensáveis ao nosso tempo.

Loureiro (1999) ensina que a dignidade humana implica uma obrigação geral de respeito pela pessoa, traduzida num feixe de deveres e direitos correlativos, de natureza não meramente instrumental, mas sim, relativos a um conjunto de bens indispensáveis ao “florescimento humano”.

Importante a contribuição de Arendt (2002) sobre o conceito e os pressupostos da condição e da existência humana ao lecionar que:

“a ação, única atividade que se exerce entre os homens sem a mediação das coisas ou da matéria, correspondente à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. Todos os aspectos da condição humana tem alguma relação com a política: mas esta pluralidade é especificamente a condição – não apenas a conditio sine qua non, mas a conditio per quam – de toda a vida política. Assim, o idioma dos romanos – talvez o povo mais político que conhecemos – empregava como sinônimas as expressões ‘viver’ e ‘estar entre os homens’ (inter homines esse), ou ‘morrer’ e ‘deixar de estar entre os homens’ (inter homines esse desinere)”.

O pensamento de Hannah Arendt, no sentido da pluralidade pode ser consideração como a condição da ação humana e política consigna a lição de Habermas, para quem ao analisar a dignidade numa acepção rigorosamente moral e jurídica, encontra-a vinculada às relações humanas, de tal sorte que a sua intangibilidade resulta justamente das relações interpessoais marcadas pela recíproca consideração e respeito.

Para Hofmann (1993) a dignidade, enquanto conceito jurídico, assume feição de um conceito eminentemente comunicativo e relacional – no sentido de que a dignidade da pessoa humana não poderá ser destacada de uma comunidade concreta e determinada onde se manifesta e é reconhecida.

Os desenvolvimentos em torno da natureza relacional e comunicativa da dignidade da pessoa humana, na concepção de Fukuyama (2003), permitem vincular a igual dignidade de todas as pessoas humanas também a qualidade comum, pois entende que, como seres humanos “partilhamos uma humanidade comum que permite a todo o ser humano se comunicar potencialmente com todos os demais seres humanos no planeta e entrar numa relação moral com eles”.

Assim, conclui-se que a noção da dignidade como produto de reconhecimento da essencial unicidade de cada pessoa humana e do fato de esta ser credora de um dever de igual respeito e proteção no âmbito da comunidade humana decorre desta linha argumentativa. Tal linha é vinculada à dimensão intersubjetiva, e, portanto, sempre relacional, do conceito de Dignidade da Pessoa Humana, assumindo um espaço privilegiado na esfera da discussão política, sociológica e filosófica, quando do entendimento da dignidade como reconhecimento de uma qualidade intrínseca à pessoa humana.


BIBLIOGRAFIA:


ARENDT, Hannah. A Condição Humana, 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

FUKUYAMA, Francis. Nosso Futuro Pós-Humano. Conseqüências da Revolução da Biotecnologia, Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

HOFMANN, Hasso. Die versprochene Menschenwurde, in: Archiv dês Offentlichen Rechts (AoR), n. 118, 1993, p. 353-377.

LOUREIRO, João Carlos Gonçalves. O Direito à Identidade Genética do Ser Humano, in: Portugal-Brasil Ano 2000, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 263-389.

MORDENE, Franck. La Dignité da Personne comme Príncipe Constitutionnel dans les Constitutions Portuguaise et Française, in: MIRANDA, Jorge (Org.). Perspectivas Constitucionais – Nos 20 anos da Constituição de 1976, v. I., Coimbra: Coimbra Editora, 1997.

PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución. 5. ed., Madrid: Tecnos, 1995.

SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: Dimensões da Dignidade – Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. 2. ed. rev. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. pags. 15 a 43.


COMO CITAR ESTE ARTIGO:


NOVAES, Edmarcius Carvalho. PARTE 03 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UMA DIMENSÃO INTERSUBJETIVA. Disponível em:  http://edmarciuscarvalho.blogspot.com/2011/05/parte-03-dignidade-da-pessoa-humana-uma.html em 13 de maio de 2011.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

PARTE 02 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UMA DIMENSÃO ONTOLÓGICA


No post anterior demos início a essa série sobre a análise do conteúdo e dos significados possíveis acerca do conceito jurídico-filosófico da Dignidade da Pessoa Humana. Destacamos a dificuldade de se definir uma conceituação jurídica única a respeito do tema, sendo necessário o apoio do campo filosófico, com as dimensões elaboradas da análise deste conceito, visando uma melhor compreensão e aplicabilidade para a realidade.

Posto isto, neste momento propomos a traçar uma análise do conceito de Dignidade da Pessoa Humana numa dimensão ontológica, porém não exclusivamente numa análise meramente biológica.

A idéia nuclear desta dimensão entende que a Dignidade da Pessoa Humana é uma qualidade intrínseca da pessoa humana, irrenunciável, inalienável, haja vista tratar-se de uma qualidade que qualifica o ser humano como tal. Desta forma, é impossível compreender que exista um ser humano sem esta qualidade.


Uma análise histórica:


Tal compreensão já existia no pensamento clássico. Estudos comprovam a existência de uma série de autores da antiguidade que tratavam desta dimensão, inclusive além das fronteiras do mundo clássico grego-romano e cristão-ocidental.

Cícero, filósofo estóico, conferiu a dignidade uma dimensão ampla, entendendo que a natureza humana é a posição superior ocupada pelo homem no cosmos. Em razão disto, prescreveu que o homem deve levar em consideração os interesses dos seus semelhantes, pelo simples de também seres humanos, razão pela qual é proibido que se prejudiquem uns aos outros, uma vez que todos estão sujeitos às mesmas leis da natureza.

O sábio chinês confucionista Meng Zi, ainda por volta do século IV a.C, já afirmava que cada homem nasce com uma dignidade que lhe é própria, atribuída por Deus, e que é indisponível para o ser humano e os governantes.


Uma análise Kantiana:


Nessa concepção é impossível que a Dignidade da Pessoa Humana seja criada, concedida ou retirada (neste último, o que pode ocorrer é a violação). O que se pode ocorrer é tão somente ser esta qualidade intrínseca do ser humano reconhecida, respeitada, promovida e protegida. Nas palavras do filosofo dinamarquês C. Hodgkinson trata-se de um “valor absoluto de cada ser humano, que, não sendo indispensável, é insubstituível”.

Kant refere que a Dignidade da Pessoa Humana “não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana”.

Assim, a dignidade existe não somente quando é reconhecida pelo Direito, já que se trata de uma qualidade prévia, já preexistente e anterior a todo reconhecimento.


O caso dos “indignos” e a preexistência da Dignidade:


A concepção Kantiana que afirma ser a Dignidade da Pessoa Humana preexistente a qualquer reconhecimento pelo Direito, por tratar-se de uma qualidade inerente do ser humano, entende que essa qualidade independe das circunstâncias concretas.

Nesse sentido, mesmo que se compreenda a Dignidade da Pessoa Humana como forma de comportamento, onde se reconhecem nas circunstâncias concretas, atos dignos e indignos (ações mais indignas e infames) não se poderá ser seu feitor objeto de desconsideração.

Entende-se que a Dignidade qualidade a todos, no sentido de serem reconhecidos como pessoas – mesmo que não se portem de forma digna com seus semelhantes ou consigo mesmos.

Assim, refutam-se todas as concepções que consideram ser a Dignidade da Pessoa Humana como mera prestação, ou seja, algo que é concedido dependendo eminentemente das ações da pessoa humana, como algo a ser conquistado.

Em oposição, destaca J. González Pérez a divergência do entendimento de São Tomas de Aquino. Este, ao justificar a pena de morte, sustentava que o homem, ao delinqüir, decaia de sua dignidade, rebaixando-se à condição de besta.


O “outro” e a compreensão ontológica jurisdicional:


A concepção da Dignidade da Pessoa Humana como uma qualidade inerente ao ser humano e, portanto, preexistente ao reconhecimento do Direito, bem como independente às ações de comportamento e de merecimento para obtenção subjazem as premissas basilares da doutrina Kantiana e encontra-se contida no Art. 1° da Declaração Universal da ONU ao afirmar que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade”.

Assim, o fato do ser humano ser dotado de razão e consciência, representa justamente o denominador comum a todos os seres humanos, a expressão da igualdade.

O Tribunal Constitucional da Espanha ao manifestar-se que a igualdade é um valor espiritual e moral à pessoa ratificou que tal qualidade se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida, o que leva a pretensão ao respeito por parte dos demais.

Günter Durig, doutrinador alemão, com um viés pragmático, entende que a dignidade consiste no fato de que “cada ser humano é humano por força de seu espírito, que o distingue da natureza impessoal e que o capacita para, com base em sua própria decisão, tornar-se consciente de si mesmo, de autodeterminar sua conduta, bem como de formatar a sua existência e o meio que o circunda”.


A dignidade como autonomia ética abstrata:


Diante dos entendimentos colacionados e do disposto na Declaração Universal da ONU a respeito, ratifica-se que a compreensão da Dignidade da Pessoa Humana reconduz a matriz Kantiana, ao reconduzi-la e concentrando-a na autonomia e na autodeterminação de cada pessoa humana.

Tal autonomia é eminentemente ética, que se evidencia na capacidade da pessoa humana em dar-se às suas próprias leis. Trata-se de uma autonomia que está associada intrinsecamente à noção de liberdade. Não se equiparam, pelo contrário. A autonomia e a liberdade são noções inerentes a pessoa humana, que visam o reconhecimento e a garantia de direitos fundamentais, exigências da Dignidade da Pessoa Humana.

A autonomia/liberdade é uma capacidade potencial que cada ser humano tem de autodeterminar sua conduta, de forma abstrata. Independe para sua efetivação a realização de circunstâncias concretas. Por serem inerentes a pessoa humana, a autonomia e a liberdade ratificam a dignidade de todos, mesmo dos que se encontram absolutamente incapazes.


Conclusão:


Destarte, infere-se que a dimensão ontológica do conteúdo e dos significados do conceito da Dignidade da Pessoa Humana não visa uma biologização da dignidade. Não se trata a dignidade de uma qualidade biológica, inata à natureza humana, geneticamente pré-programada.

Não é resultado necessariamente (ou exclusivamente) de aspecto meramente biológico. Trata-se de uma qualidade intrínseca do ser humano, que somente pode ser reconhecida e protegida pelo Direito e melhor desenvolvida com a autonomia ética de cada pessoa humana, quando livremente esta dar-se às suas próprias leis.


BIBLIOGRAFIA:


DURING, Günter. Der Grundsatz der Menschenwurde durch allgemeine Programmgrundsetze, Munchen: Reinhard Fischer Verlag, 1999.

PÉREZ, Jesús González. La Dignidad de la Persona. Madrid: Civitas, 1986.

SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: Dimensões da Dignidade – Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. 2. ed. rev. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. pags. 15 a 43.


COMO CITAR ESTE ARTIGO:


NOVAES, Edmarcius Carvalho. PARTE 02 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UMA DIMENSÃO ONTOLÓGICA. Disponível em:  http://edmarciuscarvalho.blogspot.com/2011/05/parte-02-dignidade-da-pessoa-humana-uma.html em 09 de maio de 2011.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

PARTE 01 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: INTRODUÇÃO



Este post é o primeiro de uma série de estudos que pretendo publicar sobre as concepções do conceito de Dignidade da Pessoa Humana, na perspectiva de Filosofia do Direito e no Direito Constitucional, tendo como base a publicação de Ingo Wolfgang Sarlet em seu livro “Dimensões da Dignidade: Ensaios de Filosofia de Direito e Direito Constitucional” (2009).

Tema recorrente no campo do direito, nestas publicações pretende-se dar conhecimento as diversas compreensões jurídico-constitucional a respeito da Dignidade da Pessoa Humana, por meios de vários autores que se propuseram a dissertar a respeito.

Tais publicações de estudos se justificam por compreender ser necessária uma análise securalizada e universal da dignidade humana, levando em consideração a multiculturialidade onde a concepção fundamentalista já não encontra lugar isolado no campo das análises jurídico-filosóficas.

Visa-se também à promoção e a proteção da dignidade de todas as pessoas em todos os lugares, por meios das diferentes compreensões do conteúdo e do significado do conceito ora analisado.

Para tanto, veremos tais dimensões a respeito da temática, sua influencia prática na sociedade e o papel do Direito e do Estado nesse contexto.


Conceituando Dignidade da Pessoa Humana:


Possuir uma definição jurídica do que seja a dignidade da pessoa humana é uma tarefa irracional. Trata-se de um tema controverso que demanda a compreensão de toda uma construção histórica, onde as concepções filosóficas se formam e se reformam, de acordo com as demandas sociais, contextualizando-se.

Ao campo do Direito cabe recorrer-se à Filosofia na análise dessa construção e reconstrução do que se é ser humano. Tal competência é vinculada a Filosofia, uma vez que compete ao Direito o reconhecimento e proteção da dignidade humana a partir da evolução do pensamento humano a respeito do conteúdo e dos significados do ser humano, quais seus valores que lhe são inerentes e que acabam por influenciar ou mesmo determinar o modo pelo qual o Direito caminha para reconhecer e proteger essa dignidade.

Nesse reconhecimento e proteção da dignidade humana também compete ao Direito, com bases nas concepções filosóficas atualizadas, travar na esfera pública esse processo de mudanças, a partir de uma prática racional discursiva, visando à consolidação de uma sociedade democrática.

Com a impossibilidade de uma única e irrefutável definição jurídica do conteúdo e dos significados da dignidade humana, pode-se caminhar para a análise das diversas concepções filosóficas a respeito da temática, a partir do pressuposto que a dignidade, acima de tudo, diz respeito à condição humana do ser humano, guardando relação inerente com as complexas, imprevisíveis e praticamente incalculáveis manifestações da personalidade humana.

Tal caminhada necessita dar conta da heterogeneidade da vida e de suas riquezas, integrando assim, o conjunto de fundamentos e uma série de manifestações desta. 

As concepções que serão à frente analisadas não têm por escopo analisar os problemas vinculados à suas concretizações. Visam demonstrar a necessidade e a importância dessa análise para uma compreensão adequada do que venha a ser dignidade da pessoa humana para (e pela) a ordem jurídica, sobretudo, com o intuito de viabilizar uma legitima e eficaz proteção da dignidade de todas as pessoas.

Para tanto, a análise das principais dimensões da dignidade da pessoa humana se dará em torno da compreensão do conteúdo como princípio jurídico e assim sendo, como fundamento constitucional de direitos e deveres fundamentais.


A dificuldade a respeito de uma definição:


A definição do conceito de Dignidade da Pessoa Humana se dá justamente por se tratar de um conceito com contornos vagos e imprecisos. Sua ambigüidade e natureza necessariamente polissêmica fazem com que seja impossível para o Direito defini-lo (o conceito) como norma jurídica fundamental. Desta forma, o que se possibilita ao Direito fazer são somente a promoção e proteção de suas manifestações.

Diferentemente das normas jurídicas fundamentais, a Dignidade da Pessoa Humana não cuida de aspectos específicos, antes, de uma qualidade tida para muitos como inerente a todo e a qualquer ser humano, de sorte que a dignidade humana passou a ser compreendida como o valor próprio que identifica o ser humano como tal.

A doutrina e a jurisprudência constitucional, nesse sentido, fazem uso de várias concepções a respeito do conteúdo e do significado da dignidade da pessoa humana.

Para doutos e não, não há duvidas da existência realmente da dignidade, pois esta é vivenciada por cada ser humano. Sua identificação é facilmente clareada, sobretudo, em muitas situações em que a mesma se encontra espezinhada ou agredida.

Mesmo não se tendo um rol de casos de violações da dignidade, todos os seres humanos possuem a capacidade real e eficaz de reconhecê-las.


O campo de debate a respeito:


Duas considerações doutrinárias divergem sobre o espaço de debate sobre o conteúdo e o significado de Dignidade da Pessoa Humana. Tal dicotomia se dá considerando a dificuldade de uma possível existência de compreensão e formulação de uma conceituação jurídica a respeito.

De um lado depara-se com Habermas (1987), sustentando não competir ao Estado – sendo secularizado e neutro, constituído de modo democrático e procedendo com viés inclusivo – ao deparar com uma controvérsia ética relacionada à dignidade da pessoa humana e ao direito geral ao livre desenvolvimento da personalidade, tomar partido ao ponto de ingressar e proferir uma decisão por meio de seus Juízes.

Compreende que este papel de produzir uma conceituação jurídica da Dignidade da Pessoa Humana é uma decisão da esfera pública, fruto do debate parlamentar, quando da ocasião da elaboração das leis, sendo necessária uma contenção e distanciamento no trato da matéria por parte do Poder Judiciário.

Refutando tal sustentação, Denninger (2003) compreende que a jurisdição constitucional, quando provocada a intervir na solução de determinado conflito versando sobre as diversas dimensões de dignidade, não pode recusar-se a manifestar.

Sendo compelida a dar uma decisão, torna-se inviável não se dispensar uma compreensão ou conceituação jurídica a respeito da dignidade da pessoa humana, levando em consideração que, de tal posicionamento serão extraídas conseqüências jurídicas reais, muitas decisivas para a proteção da dignidade das pessoas concretamente consideradas.

Posto isto, nos próximos posts procurarei destacar as possíveis concepções, dimensões a respeito da Dignidade da Pessoa Humana, visando uma compreensão abrangente e também pragmática do conceito, sobretudo numa perspectiva jurídica. Todas as dimensões que serão apresentadas não se encontram incompatíveis e excludentes entre si.


BIBLIOGRAFIA:


DENNINGER, Erhard. Embryo und Grundgesetz. Svhutz des Lebens und der Menschenwurde vor Nidation oun Geburt, in: Kritische Vierteljahresschrift fur Gesetzgebung und Rechtswissenschaft (KritV), Baden-Baden: Nomos, 2/2003, p. 191-209.

HABERMAS, Jurgen. Die Zukunft der menschlichen Natur. Auf dem Weg zu einer leberalen Eugenik? Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1987.

SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: Dimensões da Dignidade – Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. 2. ed. rev. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. pags. 15 a 43.


COMO CITAR ESTE ARTIGO:


NOVAES, Edmarcius Carvalho. PARTE 01 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: INTRODUÇÃO. Disponível em: http://edmarciuscarvalho.blogspot.com/2011/05/parte-01-dignidade-da-pessoa-humana.html em 06 de maio de 2011.