quarta-feira, 18 de maio de 2011

PARTE 04 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UMA DIMENSÃO HISTÓRICO-CULTURAL



Em continuidade a nossa série sobre as concepções acerca do conteúdo e dos significados do conceito de Dignidade da Pessoa Humana, numa perspectiva jurídico-filosófica, baseada na obra “Dimensões da Dignidade: Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional” (SARLET, 2009, Livraria do Advogado Editora) esta quarta parte examinará a presente questão pela dimensão da construção histórico-cultural.

Por tratar-se de uma categoria axiológica aberta e considerando o pluralismo e a diversidade de valores que se manifestam nas sociedades democráticas contemporâneas, pode-se inferir a dificuldade de conceituar a Dignidade da Pessoa Humana de forma fixista. Acrescenta-se a isso a compreensão de que se trata de um conceito em permanente processo de construção e desenvolvimento, reclamando uma constante concretização e delimitação pela práxis constitucional, tarefa sob a responsabilidade de todos os órgãos estatais.

Para Haberle (1987) a dignidade possui também um sentido cultural. Compreende-a como fruto do trabalho de diversas gerações e da humanidade em seu todo, razão pela qual as dimensões naturais e culturais da dignidade da pessoa se complementam e interagem mutuamente.

Benda (1984) registra que para que a noção de dignidade não se desvaneça como mero apelo ético impõe-se que seu conteúdo seja determinado no contexto da situação concreta da conduta estatal e do comportamento humano de cada pessoa humana.

Dentro dessa perspectiva de se considerar um determinado contexto de uma situação concreta, para a análise da conduta estatal e do comportamento do ser humano em relação ao conteúdo da dignidade humana, pode-se traçar um duplo olhar, distintivo, de seu conteúdo:

a) o primeiro, a dignidade humana num sentido latu sensu, onde esta é reconhecida a todos os seres humanos, independentemente de sua condição pessoal, concreta;

b) o segundo, a dignidade humana concretamente considerada, ou seja, num contexto de seu desenvolvimento social e moral.

Neste ultimo olhar, pode-se destacar a uma serie de situações que, para determinada pessoa (independentemente de uma vinculação a certo grupo cultural especifico) não são consideradas como ofensivas à sua dignidade, ao passo que, para outros, as mesmas situações, tratam-se de violação intensa ao núcleo essencial da dignidade da pessoa.

Assim, temos as penas em matéria criminal, ao longo do tempo, para exemplificar. Sabe-se que na sociedade ocidental, ao longo tempo, já reconhecia a dignidade da pessoa humana como um valor para o Direito, o que não afastou que determinadas penas inicialmente fossem aceitas como legitimas, e posteriormente alteradas em função de representarem violações da dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, Sarlet (2009, p. 29) traz decisão do Tribunal Federal Constitucional da Alemanha afirmando que não se pode perder de vista que “a dignidade da pessoa humana é algo irrenunciável, mas o reconhecimento daquilo que é exigido pelo postulado que impõe sua observância e respeito não pode ser desvinculado da evolução histórica. A história das políticas criminais revela que as penas cruéis foram sendo gradativamente substituídas por penas mais brandas. Da mesma forma a evolução de penas gravosas para penas mais humanas e de forma simples para formas mais diferenciadas de penalização tem prosseguido, permitindo que se vislumbre o quanto ainda deve ser superado”.

Conclui tal Egrégio que “o julgamento sobre o que corresponde à dignidade da pessoa humana, repousa necessariamente sobre o estado vigente do conhecimento e compreensão e não possui uma pretensão de validade indeterminada”.

É oportuno ressaltar que ao se considerar a Dignidade da Pessoa Humana enquanto uma construção histórico-cultural, isto não se propõe a aderir à concepção de dignidade como prestação baseada nas lições de Hoffmann (1993), para quem as diversas teorias da dignidade humana, sobretudo em relação ao conteúdo e fundamentação, podem ser agrupadas em torno de três concepções:

a) a dignidade como dádiva: constituindo a dignidade uma qualidade ou propriedade peculiar e distintiva da pessoa humana, fundada numa razão ou numa dádiva divina;

b) a dignidade como prestação: é vista como um produto, uma prestação da subjetividade e autonomia do individuo;

c) a dignidade como reconhecimento: no sentido de que a dignidade se manifesta no reconhecimento recíproco do outro no que diz com sua especificidade e suas peculiaridades como individuo.

Contrariando a concepção da dignidade da pessoa humana enquanto algo natural, como uma construção histórico-cultural, Luhmann (1974), numa perspectiva hegeliana, adota o entendimento de que, assim como a liberdade, a dignidade é o resultado e condição de uma exitosa auto-representação. São condições para a auto-representação do Homem, como pessoa individual, o que, de resto, se processa apenas no contexto social, de tal sorte que a dignidade e a liberdade referem-se a problemas específicos de comunicação. Trata-se do entendimento de que a pessoa alcança, conquista, sua dignidade a partir de uma conduta auto-determinada e da construção exitosa da sua própria identidade.

Na próxima postagem abordaremos melhor essa temática a respeito da dignidade da pessoa humana, a saber, sua dupla dimensão: negativa e prestacional, enquanto limite e como tarefa.


BIBLIOGRAFIA:


BENDA, Ernest. Die Menschenwurde ist Unantastbar, in: Archiv fur Rechts-und Sozialphilosophie (ARSP), Beiheft n. 22, 1984.

HABERLE, Peter. Die Menschenwurde als Grundlage der staatlichen Gemeinschaft, in: INSEE, Josef; KIRCHHOF, Paul (Orgs). Handbuch des Staatsrechts der Bundesrepublik Deutschland, v. I, Heidelberg: C. F. Muller, 1987, p. 317-367).

HOFMANN, Hasso. Die versprochene Menschenwurde, in: Archiv dês Offentlichen Rechts (AoR), n. 118, 1993, p. 353-377.

LUHMANN, Niklas. Grundrechte als Instituition, 2. ed. Berlin: Duncker & Humblot, 1974.

SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: Dimensões da Dignidade – Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. 2. ed. rev. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. pags. 15 a 43.


COMO CITAR ESTE ARTIGO:


NOVAES, Edmarcius Carvalho. PARTE 04 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UMA DIMENSÃO HISTORICO-CULTURAL. Disponível em:  http://edmarciuscarvalho.blogspot.com/2011/05/parte-04-dignidade-da-pessoa-humana-uma.html em 18 de maio de 2011.

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