domingo, 14 de dezembro de 2014

ESTÉTICA NA ANTIGUIDADE GREGA: A FILOSOFIA DE PLATÃO E ARISTÓTELES


O presente texto é uma produção realizada a partir de um fichamento da disciplina “Estética” do Curso de Licenciatura em Filosofia, que realizo pela Universidade Federal de Lavras, em novembro de 2014, analisando alguns problemas e conceitos chaves da Estética durante a Antiguidade Grega, precisamente, a partir da Filosofia de Platão e Aristóteles. 


Os poetas inspirados na Grécia Antiga:

No período micênico e arcaico, a função do poeta podia ser compreendida como a de ser o “mestre da verdade”. Noutras palavras, isto significa que, dependendo de sua palavra, ou de seu silêncio, a façanha do guerreiro seria eternizada por meio da memória, ou cairia no esquecimento. 

Os atos do guerreiro, no período compreendido entre o século XII e IX a.C (período de uma cultura helênica predominante, onde a tradição oral era imprescindível para o que desenvolvimento de uma memorização ocorresse), não lhe pertencia. O guerreiro arcaico dependia da palavra do poeta. Essa palavra era eficaz, pois, além de refletir uma eficácia pragmática mnemotécnica, apontava para uma memória divinizada, para uma potência religiosa. 

Portanto, por meio de sua palavra cantada, o poeta, celebrava as façanhas dos homens valorosos, bem como louvava aos deuses imortais. Aos homens valorosos, tal canto servia para “imortalizar” a existência e o próprio ser do guerreiro, ou para levá-lo para a obscuridade do silêncio e da morte. 


Estudo do problema da inspiração divina em Platão:

“Mas, o homem que, sem ser tomado por essa loucura (mania) dispensada pelas Musas, chega aos portais da poesia com a convicção de que, no final de contas, a arte (techné) bastará para fazer dele um poeta, este é um poeta imperfeito; da mesma forma, diante da poesia daqueles que são loucos, ofusca-se a poesia daqueles que estão na posse de sua razão.” (Fedro, 245a).

O Íon é um diálogo aporético da juventude de Platão, em que cuja dialética, se propõe a refutar as opiniões de seus interlocutores em busca da excelência que se repousa sobre o saber. Íon, o interlocutor neste caso, é tido como um rapsodo, isto é, um anti-dialético, que além de ser considerado tolo, comportava-se com jactância como sua marca. Aristóteles entendia que o homem virtuoso se encontra no meio dessas duas características: 

"No que diz respeito à verdade (alétheia), podemos chamar de verídico aquele que se mantém no meio e de veracidade, a justa medida. A dissimulação que tende ao aumento é a alazonia e aquele que a pratica, um alazon; aquela que tende à diminuição é a ironia e quem a pratica, um iron" (II-7).

Assim, o alazon é “aquele que finge possuir títulos de glória que não possui ou então aqueles maiores do que realmente tem”. Já o iron “nega possuir os títulos de glória que possui ou os faz menores do que são” (IV-7). 

Como Íon se portava com jactância (ninguém saberia expressar pensamentos mais belos sobre Homero que ele mesmo, merecendo uma coroa de ouro), Sócrates queria demonstrar que era um rapsodo, pois entendia que o que os poetas faziam não decorriam de uma arte (techné) ou de um conhecimento próprio, mas antes, de uma inspiração de ordem divina. Para tanto, apresentou dois argumentos: a) se Íon confessa ser incapaz de discorrer sobre outros poetas que não Homero é porque não fala por arte ou conhecimento, pois a especificidade conferida através da inspiração pelas musas contrapõe a universalidade de conhecimentos de quem possui uma arte; b) cada arte corresponde a uma profissão de acordo com a aptidão natural, e, portanto, ser especialista de todas as artes é o mesmo que não ser especialista em nenhuma.

Portanto, se no mundo micênico e arcaico onde a inspiração divina do poeta concedia-o a condição de “mestre da verdade”, de uma palavra eficaz, em Íon, Platão retoma a essa inspiração para refutá-la decorrente de qualquer conhecimento. Trata-se de uma possessão por um deus, sendo este o responsável pela beleza dos poemas, onde o poeta é um mero instrumento da voz divina, perdendo o uso de sua razão.


Inspiração divina no Fedro:

Na palinódia de Sócrates no Fedro tem-se um diálogo que se inicia com um encontro de Fedro e Sócrates pelo caminho. O primeiro, saindo da casa de Lísias, tinha consigo um discurso que, ao fala-lo com Sócrates, deixa-o curioso, fazendo que Fedro e Sócrates fossem para fora da cidade para analisa-lo. Sentados sob a sombra de uma arvore, passa-se a ler o discurso. Tal lugar era marcado pela presença do divino:

"Mas, meu caro Fedro, não te parece que estou falando sob uma inspiração divina? (...) Na verdade, esse lugar parece divino. Não deves admirar-te se durante o discurso as ninfas tomarem posse de mim, pois o que estou dizendo já se assemelha muito a um ditirambo"(238c)

Pode-se considerar que o fato de Fedro levar Sócrates para fora da cidade como uma representação do espaço onde os discursos se produzem e são transmitidos, apontando para a formação dos homens. Na cidade os discursos são feitos, sendo a cidade de fundamental importância para que o homem possa ser formado. No entanto, é preciso que o homem “deixe a cidade”, isto é, para sua formação é preciso que o homem vá além dos discursos que a cidade forma e comporta. Ir além dos muros da cidade significa que o homem deve ir além de si mesmo. Tanto Fedro como Sócrates podem ir além da própria alma humana. 

Deixar a cidade e ir para um lugar onde a presença do divino se faz presente significa deixar a cidade e sua dialética, deixar a discussão em praça pública e se aprofundar nos discursos inspirados enquanto prática privada de se relacionar com a natureza, e a plenitude de divindades. No próprio diálogo, Sócrates recorre ao cenário natural para ir além de sua realidade, mas para se aprofundar nos mitos, nas lendas contadas, auxiliando na compreensão das questões desenroladas no diálogo entre ele e Fredo. 



Estudo da crítica à poesia nos primeiros livros da República:

A discussão acerca da possível elaboração do livro I da República antes dos demais, com sua incorporação posteriormente, possuem argumentos favoráveis e contrários. Isto se dá, principalmente, em razão do próprio titulo e subtítulo da obra, fazendo com que alguns estudiosos a compreenda como uma obra que consagra enquanto questão principal a educação (assim entendem Rousseau e Havelock), e outros estudiosos a considere como um primado acerca do Estado, sendo um ideal de cidade (como entende, por exemplo, Diès).

Segundo Takayama (2014, p. 38), com base nos estudos de Annas (1994, p. 25-27) pode-se observar que “o livro I se assemelha aos primeiros diálogos socráticos os quais, via de regra, partindo de um pretenso conhecimento por parte de seus interlocutores, terminam numa aporia”. Já os demais livros, onde não se tem interlocutores já individualizados de forma clara, “poderiam ser considerados muito mais como um monólogo por parte de Sócrates do que propriamente um diálogo, aproximando assim a República das últimas obras de Platão”.

Certo o é que em tal diálogo tem-se um painel que expõe como a cultura ateniense daquela época se dava, notadamente, a partir da paideia grega, onde os poetas, e sobretudo, Homero, ao apontar o problema da justiça, utilizavam-se de fábulas, para descrever como os deuses castigavam os mortais por causa de suas iniquidades. Platão propunha então uma crítica à poesia, desde o Livro I de a República, denunciando como o encanto cego pelas palavras dos poetas se dava, chegando, ao ponto de concluir que o problema da justiça, na verdade, se dá porque ela “só é útil para as coisas inúteis”, bem como “que o homem justo e bom é o mais habilitado para roubar dinheiro; além de ser ele o responsável por tornar outras pessoas piores e mais injustas” (TAKAYAMA, 2014, p. 41).



Estudo da crítica à poesia nos primeiros livros da República:

Platão, nos primeiros livros de República, se põe a criticar os poetas, sobretudo Hesíodo e Homero, a partir de aspectos teológicos e morais. 

Para o filósofo, o problema da justiça na alma individual poderia ser compreendido a partir de uma analogia à justiça na sociedade, sendo a diferença que naquela é difícil de ser visualizada a questão da justiça, e nesta última, ao contrário, ao se transpor à alma individual, a justiça possui dimensões ampliadas, sendo facilmente percebida, em razão de sua diferença dar num grau maior. Tem-se assim que para o filósofo, é preciso saber o que é justo para se criar bem as pessoas, podendo dessa forma também se ter uma cidade justiça, uma vez que o contrário é verdadeiro: uma cidade só é justa, se nela as pessoas assim o forem. 

Analisando a gênese da cidade, Platão ao propor uma formação especifica para os guardiões da cidade no seu exercício de defesa e da promoção do bom funcionamento da mesma, crítica como se dá formação tradicional grega, que se utiliza da música para a alma, com discursos verdadeiros e mentirosos. Os mentirosos são justamente as fábulas que são utilizadas para instruir as crianças. Platão afirma como necessário recusar as fábulas ruins, sobretudo as de Hesíodo e de Homero, que ensinam a existência de um Deus que causa a desgraça, pois Deus é bom. Não se pode aceitar também fabulas que ensinam um Deus que se modifique e que engana os outros, pois Deus é perfeitamente simples e verdadeiro. De igual forma, é preciso refutar o quadro tenebroso exposto pelas fábulas mentirosas à respeito do Hades (para Platão, tão falso quanto inútil), bem como “os risos homéricos dos deuses, exemplos de avareza e mesquinhez, cenas de adultério e outros atos sacrílegos” (TAKAYAMA, 2014, p. 44).

O filósofo entende que a formação tradicional grega, com a utilização de tais fábulas mentirosas, tanto em seu conteúdo como na sua forma veiculada, traz um evidente prejuízo na formação moral da juventude.



Crítica da poesia no livro III da República: a mímesis

O conceito de mímese aparece na obra República, na discussão sobre os modos de composição ou dos estilos poéticos. Koller (1954) propõe sua definição ao analisar sua origem relacionando-a com o grupo de palavras ligadas à dança e à música que faziam parte dos cultos dionisíacos, cuja representação era a exteriorização de uma determinada entidade espiritual incorporada. Junto à Havelock (1993), tem-se uma noção de “revivificação” ou “expressão” dramática, um “comportamento caracterizado por empatia” no sentido de que “fazer como outro faz”, ou mesmo de artefatos animados. Diferentemente dos autores citados, Else (1958) a partir de ocorrências pré-platônicas, propõe a concepção de mímese enquanto a ideia de imitação (como cópia de um original, através da “representação direta” de gestos e sons), ou uma imitação ética de um “exemplo” moral, ou ainda, enquanto réplicas (de uma pessoa ou coisa em forma material). Platão avança na conceituação ao afirmar que ela ocorre quando o poeta se dirige falando como sendo outra pessoa (quando sua linguagem tenta ser parecida com a da pessoa por ele anunciada). Para além desse modo de narrar, ainda pode ser pensando no sentido de uma performance de um rapsodo ou ator, uma “representação” dramática de gesto e fala de um personagem qualquer.

Sua relação com o banimento dos poetas na cidade ideal se dá porque com a intervenção do Estado na educação institucional, segundo o principio da especialização, é preciso condenar todo tipo de poesia que objetive tudo imitar, favorecendo somente aquelas que imitem somente as virtudes do homem de bem, o que é apropriado para a formação moral dos guardiões da cidade, uma vez que a existência do poder da mímese na formação da alma jovem, devendo se ter uma “estrita vigilância do que deve ou não ser imitado pelos futuros guardiães” (TAKAYAMA, 2014, p. 52). 


As artes imitativas no livro X da República e no Sofista:

Acredito que a indagação acerca de ser Platão um inimigo declarado e incondicional das artes não se sustenta enquanto verdadeira. Primeiro, é preciso considerar a partir do referencial ora estudado, que se têm um painel sobre a cultura ateniense daquela época, sobretudo, a partir da “paideia grega”, onde os poetas, em especial Homero, ao apontar o problema da justiça, utilizavam-se de fábulas, para descrever como os deuses castigavam os mortais por causa de suas iniquidades. 

É neste contexto que Platão propunha então uma crítica à poesia, desde o Livro I de a República, denunciando como o encanto cego pelas palavras dos poetas se dava, chegando, ao ponto de concluir que o problema da justiça, na verdade, naquele contexto, se dava porque ela “só é útil para as coisas inúteis”, bem como “que o homem justo e bom é o mais habilitado para roubar dinheiro; além de ser ele o responsável por tornar outras pessoas piores e mais injustas” (TAKAYAMA, 2014, p. 41). Platão avança na conceituação ao afirmar que a mímese que ora denunciava ocorria quando o poeta se dirige falando como sendo outra pessoa (quando sua linguagem tenta ser parecida com a da pessoa por ele anunciada). Para além desse modo de narrar, esta pode ser pensada no sentido de uma performance de um rapsodo ou ator, uma “representação” dramática de gesto e fala de um personagem qualquer.

Em segundo lugar é preciso considerar que Platão, nos primeiros livros de República, se põe a criticar os poetas, sobretudo Hesíodo e Homero, a partir de aspectos teológicos e morais. Para o filósofo, o problema da justiça na alma individual poderia ser compreendido a partir de uma analogia à justiça na sociedade, sendo a diferença que naquela é difícil de ser visualizada a questão da justiça, e nesta última, ao contrário, ao se transpor à alma individual, a justiça passa a possuir dimensões ampliadas, sendo facilmente percebida, em razão de sua diferença se dar num grau maior. Tem-se assim que para o filósofo, é preciso saber o que é justo para se criar bem as pessoas, podendo dessa forma também se ter uma cidade justiça, uma vez que o contrário de tal afirmativa é verdadeiro: uma cidade só é justa, se nela as pessoas assim o forem. 

Por fim, é preciso considerar a análise da gênese da cidade na perspectiva de Platão, quando este propõe uma formação especifica para os guardiões da cidade no seu exercício de defesa e da promoção do bom funcionamento da mesma. O filósofo se põe a criticar como se dá formação tradicional grega, que se utiliza da música para a alma, com discursos verdadeiros e mentirosos. Os discursos eivados são justamente eram justamente tais fábulas utilizadas para instruir as crianças. Platão afirma como necessário recusar as fábulas ruins, sobretudo as de Hesíodo e de Homero, que ensinam a existência de um Deus que causa a desgraça, o que contraria a perspectiva de que Deus é bom. Não se podia aceitar também fabulas que ensinavam um Deus que se modificava e que enganava os outros, pois Deus é perfeitamente simples e verdadeiro. De igual forma, era preciso refutar o quadro tenebroso exposto pelas fábulas mentirosas à respeito do Hades (para Platão, tão falso quanto inútil), bem como “os risos homéricos dos deuses, exemplos de avareza e mesquinhez, cenas de adultério e outros atos sacrílegos” (TAKAYAMA, 2014, p. 44). O filósofo entende que a formação tradicional grega, com a utilização de tais fábulas mentirosas, tanto em seu conteúdo como na sua forma veiculada, trazia um evidente prejuízo na formação moral da juventude.

Assim, sua relação com o banimento dos poetas na cidade ideal se dava não porque Platão era um inimigo declarado e incondicional das artes, mas sim porque entendia que na intervenção do Estado na educação institucional, segundo o principio da especialização que era adotado, era preciso se pautar pela condenação de todo tipo de poesia que objetivasse a tudo imitar, mas era preciso que se favorecessem aquelas que imitassem somente as virtudes do homem de bem, o que, na perspectiva platônica era apropriado para a formação moral dos guardiões da cidade, uma vez a existência do poder da mímese na formação da alma jovem, devesse ocorrer tendo “estrita vigilância do que deve ou não ser imitado pelos futuros guardiães” (TAKAYAMA, 2014, p. 52).


Crítica à poesia no livro X da República:

Platão, no livro X de República, se põe a criticar os poetas, sobretudo Homero, a partir de aspectos psicológicos e éticos. O filósofo entendia que a formação tradicional grega, com a utilização de poesias imitativas, tanto em seu conteúdo como na sua forma veiculada, trazia um evidente prejuízo na formação moral da juventude.

Para o filosofo, as poesias imitativas induziam à uma prática condenável numa perspectiva ética, pois conduzia a sentimentos específicos que satisfaziam, pelo prazer, somente a parte inferior da alma, desejando lágrimas e lamentos. Isto faria com que a melhor parte da alma, a sua porção racional, fosse desabilitada, nos momentos de adversidades. 

Para além da crítica acerca da poesia imitativa ser nociva (já que a sua produção é um simulacro de três graus de distancia da verdade e que há uma ausência de conhecimento acerca das coisas que os poetas imitam), bem como dos prejuízos na conduta moral, tal crítica psicológico-ética desenvolvida por Platão refutava a forma institucionalizada de pedagogia existente no contexto grego, que subvertia o principio da especialização, fazendo com que a alma fosse comandada por aquilo que deveria ser comandado (o prazer), o que destina tal alma ao domínio da injustiça. 

Para combater o poder da poesia, com seus encantos e com o prazer obtido a partir do sentimento de simpatia com os dramas dos personagens das poesias, o filosofo propunha destituir o poeta do seu posto de educador dos gregos, dando-o ao filósofo, uma vez que além de ter compromisso com a verdade, ao contemplar as Ideias, este mantém a alma sob o comando da razão, podendo dessa forma filtrar, selecionar, diferenciando o verdadeiro do falso.


Platão e a arte de seu tempo

“Alcamene, que não tinha nenhuma experiência de óptica e de geometria, havia feito uma estátua de Atena de grande beleza para aqueles que podiam vê-la de perto. Fídias, ao contrário, [...] estimando que a forma da estátua devia ser completamente modificada em razão da altura prevista em que seria colocada, alarga, por conseguinte, a abertura da boca, desloca a implantação do nariz, e todo o resto em proporção. Quando, em seguida, conduzem-se as duas estátuas a plena luz a fim de as comparar, Fídias se encontra em grande perigo de ser linchado pela multidão, até que as duas estátuas foram enfim erguidas, pois vê-se então se desfazer a doçura dos traços finos do modelo de Alcamene, enquanto que, pelo efeito da altura do local em que foram colocadas, apagam-se as disparidades e as chocantes deformações da obra de Fídias, o que fez com que Alcamene fosse ridicularizado e Fídias visto com ainda maior estima.” (Tzetzès1 apud Villela-Petit, 1991, p. 78)

Tal anedota pode ser relacionada ao diálogo entre dois artistas, uma que um se relaciona com a arte da cópia e outro com a arte da ilusão. Essa é a divisão das artes miméticas apresentada por Platão em Sofista. A arte da cópia pode ser compreendida como aquela que é capaz de copiar as próprias Ideias, onde se produz algo de belo, revelando, em virtude de uma proximidade e solidariedade, alguma coisa da essência das Ideias. Não se trata de uma cópia da aparência das coisas. Por não ter qualidades sensíveis, tal arte é uma mímese noética, isto é, se dá através da inteligência. A arte da cópia é a produção de imagens governadas pela essência e não pela aparência, pelo inteligível e não pelo sensível. Trata-se de, para Platão, um cânon de proporção invariável.

Já a arte da ilusão é aquela ilusionista. Com uma conotação negativa, tal arte tinha grande aceitação e admiração na época de Platão. A anedota acima destacada revela isto, a partir da disputa entre dois pintores (Parrasios e Zeuxis). Platão não era contra toda e qualquer arte, mas somente a esta arte ilusionista de seu tempo. Ele tinha certa neofobia, isto e, ojeriza a tudo que se apresenta como novo, pois entendia que isto era mudança, e, portanto, imperfeita e corrupta da arte da cópia das Ideias, uma vez que a arte da ilusão desprezava a verdade, produzindo imagens segundo proporções que pareceriam belas, mas que só tinha a aparência de se assemelhar ao que é belo, produzindo uma aparência de uma cópia, mas sem ser semelhante. Esse domínio dos falsos, na concepção platônica, é aquele da poesia e da sofística, que produz simulacros-fantasmas, cuja mimese ilusionista produzida não tem relação com as verdadeiras proporções do modelo. 



As diferenças e semelhanças entre a mímese de Platão e a de Aristóteles.

Platão e Aristóteles protagonizam o embate a respeito da teoria da estética filosófica. A categoria de “mimese” existe desde a Antiguidade, e nestes filósofos baseiam-se pontos de vistas distintas acerca de seu significado de sua função.

Em Platão, a mímese tem uma conotação de falsidade, uma vez que a arte não aponta para a verdade, sendo um discurso afastado do verdadeiro conhecimento. A arte é uma imitação, podendo tal imitação ser compreendida como uma cópia ou um simulacro, cuja representatividade é noética, apresentando a falsidade pela qual se fundamenta. Para este filósofo, a arte só possui valor quando se propõe pedagogicamente a transmitir conhecimentos, valores, porém, isto só é possível pelos filósofos, uma vez que os poetas têm como objetivo enganar, a partir do que imitam.

Já Aristóteles, em A Poética, aponta para uma conotação positiva da mímese. Ao utilizar o termo platônico, Aristóteles visa demonstrar que a compreende de forma diferente. Para ele, toda espécie de arte é uma mímese, uma vez que se propõe a reproduz os caracteres, bem como as artes, e principalmente, as emoções. Para o Estagirita, as artes poéticas se propunham a reproduzir a ação humana, e tinha uma conotação de verossimilhança, pois aponta para a exemplificação da universidade das ações humanas. E assim como Platão, entendia que se utilizada didaticamente, as tragédias presentes nas artes poéticas, esta era ativa e criativa, uma vez que levava seu expectador à reflexão e aprendizagem. A catarse seria, portanto, um efeito produzido pela tragédia no publico, onde este reconhecia na arte poética a verossimilhança com a realidade.


Estudo da mímese na Poética de Aristóteles.

Platão criticava os poetas, sobretudo Homero, a partir de aspectos psicológicos e éticos. O filósofo entendia que a formação tradicional grega, com a utilização de poesias imitativas, tanto em seu conteúdo como na sua forma veiculada, trazia um evidente prejuízo na formação moral da juventude. Para o filosofo, as poesias imitativas induziam à uma prática condenável numa perspectiva ética, pois conduzia a sentimentos específicos que satisfaziam, pelo prazer, somente a parte inferior da alma, desejando lágrimas e lamentos. Isto faria com que a melhor parte da alma, a sua porção racional, fosse desabilitada, nos momentos de adversidades. 

Para combater o poder da poesia, com seus encantos e com o prazer obtido a partir do sentimento de simpatia com os dramas dos personagens das poesias, Platão propunha destituir o poeta do seu posto de educador dos gregos, dando-o ao filósofo, uma vez que além de ter compromisso com a verdade, ao contemplar as Ideias, este mantém a alma sob o comando da razão, podendo dessa forma filtrar, selecionar, diferenciando o verdadeiro do falso.

Já em Aristóteles, a mímese tinha uma intenção positiva. Não se tratava de uma mera imitação, cópia da aparência, para identificar uma dada realidade ou objeto. Ele a compreendia enquanto algo compartilhado tanto pela natureza como pela arte. Por entender que “a arte imita a natureza”, Aristóteles não a via enquanto uma retratação, uma imitação falsa da realidade, mas sim um fazer à maneira, como a natureza, imitando o processo como está se dá. Nesse sentido, a imitação era um produto: se a natureza tem um principio interno, a arte por sua vez tem um principio que é externo. Para além da imitação que reproduz as coisas que a natureza produz, o filosofo entendia que a mímese ajudar o homem a completar a si mesmo aquilo onde a natureza não o fez. 

Assim, tem-se que em Aristóteles a imitação não é somente da matéria, mas também da forma, sendo esta vista enquanto um princípio de substância concreta, a partir da qual a matéria é dada. A mímese é, portanto, uma verdade conhecida, cuja imitação da natureza não se põe a fazer a matéria, mas sim a produzir à maneira (forma). Se Platão não se preocupava com a forma, enquanto um saber prático, enquanto uma técnica das artes miméticas, em Aristóteles isto ocorre.


Estudo sobre o problema da catarse trágica na Poética de Aristóteles:

A arte mimética em Platão tinha uma conotação negativa. Aristóteles vê essa categoria como positiva, apontando que as artes literárias possuem um valor de verdade, e um sentido tradicional de sabedoria. Nesse sentido, a mímese em Aristóteles diverge da de Platão, uma vez que aquele se propõe a reforçar um valor de verdade às artes, o que contradiz o último, que via nas artes a possibilidade da falsidade e da ilusão, onde a verdade não se encontrava existente. 

Portanto, tem-se que em Aristóteles, a partir da compreensão de ser a mímese a possibilidade da semelhança, com a matéria e com a forma, da realidade ou objeto imitado, podendo-o reconhecer na representação produzida, é que sua poética tem por objetivo apontar a utilidade, moral e política, nas três acusações, que são de caráter noético e estético, destinadas à poesia, ou seja, no sentido de ser falsa, de ser sedutora e traiçoeira, e de deformar o caráter emocional.

Para o filósofo, quando o poeta concretiza em sua imitação algo que se existe na ação de um individuo, ele produz uma situação exemplar de que o universal se faz possível. E que, a partir disto, o filósofo tido às questões de abordagem humana, passa a teorizar a respeito de tais ações, numa perspectiva ética, a partir da utilização das personagens existentes nas tragédias que o poeta produz, possibilitando desta forma que a natureza humana seja compreendida e lições sejam produzidas e apreendidas. Tem-se assim que o problema noético da mímese em Aristóteles é solucionado, quando este aponta a utilidade que a representação possui para fins didáticos. 

Enquanto transformação da mímese em didática, Aristóteles supera as análises de moralidade propostas por Platão, e aponta que as epopeias e as tragédias, são uteis, pois, ao produzir o terror e a piedade a partir das representações produzidas que demonstram realidades terríveis, a ponto de provocar a emoção daqueles que dessa arte bebem, são capazes de tornar tais expectadores mais fortes e menos compassivos, redimindo a tragédia em razão de uma utilidade didática. 


REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA:

ELSE, G. F. “Imitation” in the Fifth Century. Classical Philology, vol. 53, n. 2 (apr. 1958), 73-90.

HAVELOCK, E. A. Prefácio a Platão. trad. Enid Abreu Dobránzsky, Campinas, Papirus Editora, 1996.

KOLLER, H. Die Mímesis in der Antike. Nachahmung, Darstellung, Ausdruck. Dissertationes Bernenses Ser. I, Fasc. 5. Bern 1954.

TAKAYAMA, Luiz Roberto. Estética: Mímese e poesia em Platão e Aristóteles: Guia de Estudos. Lavras : UFLA, 2014.


ACESSE TAMBÉM:

domingo, 30 de novembro de 2014

FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA IV – A “FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO” DE MERLEAU-PONTY




O presente texto é uma produção realizada a partir de um fichamento da disciplina “História da Filosofia Contemporânea II” do Curso de Licenciatura em Filosofia, que realizo pela Universidade Federal de Lavras, em outubro de 2014, analisando a obra "A Fenomenologia da Percepção" de Merleau-Ponty, em suas quatro primeiras partes que compõem a introdução.



O primeiro capítulo da Introdução:


O filósofo francês Maurice Merleau-Ponty teve em sua formação influência dos pensamentos de Hegel, Heidegger e, sobretudo, de Husserl. Em sua obra “Fenomenologia da Percepção”, propõe a redução fenomenológica enquanto um método de conhecimento para que se alcance a compreensão do fenômeno enquanto sentido de ser tudo o que é, em sua essência pela maneira em que aparece, naquilo que se mostra. Esse processo de contactação, de apropriação de todos os sentidos que fazem parte do acontecimento, passa por uma redução, o que na concepção de Husserl nada mais é do que apontar, traz à luz, aquilo que está implícito no senso comum, o que já é dado como sabido, mas que necessita do afastamento, da quietude e da reflexão, para se chegar a um ponto de definição, reduzindo-o ao último termo possível, encontrando o que de fato o define, o que o caracteriza, o que lhe dá um sentido e que o acompanha e o sustenta, para que existam outras definições parciais e também poucas rigorosas, do senso comum.

A redução fenomenológica, em busca da sua essência, possibilita apreender todas as possibilidades de sentido pelos quais um termo possa ser entendido e praticado. É nesse “retorno às coisas mesmas”, que se pretende alcançar, sem confusões, as coisas mesmas em seus sentidos próprios de ser, em sua essência, longe de uma dicotomia, que de um lado torna tudo uma ficção pelo idealismo, e por outro, atribui uma possível consciência de si as coisas mesmas e considera o sujeito enquanto uma ilusão, como faz o realismo. As coisas devem ser alcançadas em si mesmas, a partir de uma consciência, de um cuidado de consciência que visa não receber em si o que as coisas não são nelas mesmas, tratando, portanto, de uma transcendência, uma vez que possibilita que se ultrapassem os próprios limites e se contenha uma nova possibilidade de ser em si.

Esse processo de compreender as coisas pelos acontecimentos nos quais está implicada é realizado por meio de um sujeito cognoscível. É pela consciência, enquanto seu modo próprio de ser, que o sujeito apreende um sentido. Os fatos não estão num sentido, eles se dão como tal com sentido, para uma consciência, que o apreende, que o estrutura, conforme se encontram no fato. A relação consciência-mundo se dá, portanto, pela percepção. A percepção “não é uma ciência do mundo, não é nem mesmo um ato, uma tomada de posição deliberada, ela é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é pressuposta por eles” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 6).

Portanto, pode-se concluir que ao se receber uma mensagem, o sujeito a recebe por um acontecimento. Ao afastar para se apropriar dessa mensagem, ocorre um gesto natural de excitação face ao que vem ao seu encontro para ser compreendido. Tal apropriação aponta que as coisas, os acontecimentos, os fatos, o mundo, a natureza, as pessoas, o próprio sujeito, são o que são em suas realidades, somente porque tal definição parte de alguém que as testemunhe, que as nomeie, que as perceba e que as atribua sentido. Trata-se de uma consciência intencional, que faz com que o mundo exista. Para que se tenha um mundo significativo é preciso que se tenha essa consciência que seja significante. Esse mundo significado que é apreendido pela consciência de forma intencional precisa sempre ser pensando e repensado pelo sujeito, através da observação que busque até alcançar a essência, o sentido de ser de um determinado e definido objeto apreendido pela consciência. É pela essência a ser alcançada que se encontra um sentido profundo, e faz com que não o confunda com outro objeto, uma vez que se tem a essência do que algo realmente é, em seu o próprio modo de ser, na sua maneira de ser inconfundível, nela mesmo. Assim, pela percepção, e por meio do afastamento que o método da redução fenomenológica exige, se tem a apreensão do sentido a ser encontrado no âmago dessa relação consciência-mundo.




“A noção de sensação, uma vez introduzida, falseia toda a análise da percepção. Uma ‘figura’ sobre um ‘fundo’ já contém dissemos, muito mais do que as qualidades atualmente dadas” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 35).

Merleau-Ponty em “Fenomenologia da Percepção” propõe uma recondução fenomenológica em busca da essência, o que possibilita apreender todas as possibilidades de sentido pelos quais um termo possa ser entendido e praticado. É nesse “retorno às coisas mesmas”, que se pretende alcançar, sem confusões, as coisas mesmas em seus sentidos próprios de ser, em sua essência, longe de uma dicotomia, que de um lado torna tudo uma ficção pelo idealismo, e por outro, atribui uma possível consciência de si as coisas mesmas e considera o sujeito enquanto uma ilusão, como faz o realismo. As coisas devem ser alcançadas em si mesmas, a partir de uma consciência, de um cuidado de consciência que visa não receber em si o que as coisas não são nelas mesmas, tratando, portanto, de uma transcendência imanente, no sentido que permanece voltado ao próprio acontecer do mundo, uma vez que possibilita que se ultrapassem os próprios limites e se contenha uma nova possibilidade de ser em si.

Tal processo de compreender as coisas pelos acontecimentos nos quais está implicada é realizado por meio de um sujeito cognoscível. É pela consciência, enquanto seu modo próprio de ser, que o sujeito apreende um sentido. Os fatos não estão num sentido, eles se dão como tal com sentido, para uma consciência, que o apreende, que o estrutura, conforme se encontram no fato. A relação consciência-mundo se dá, portanto, pela percepção. A percepção “não é uma ciência do mundo, não é nem mesmo um ato, uma tomada de posição deliberada, ela é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é pressuposta por eles” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 6).

O filósofo ainda afirma que é por meio do ato reflexivo do que se é percebido pelo corpo que se tem a consciência. Não se trata de uma operação do espírito, como entende a tradição, por meio de um fenômeno mental. Assim, tem-se que a percepção é feita por coisas e de vazios entre tais coisas, podendo se construir por contiguidade (onde a unidade se dá pelo hábito, pela possibilidade da memória preceder a projeção, o que ocorre com que a quantidade de vezes que algo se manifesta em conjunto, ou sucessivamente a outra coisa. Ressalta-se que o autor critica tal forma de se construir a percepção, porque se coloca a associação enquanto atividade da consciência, e as relações dadas no mundo são trazidas para o plano da mente), ou por semelhanças (quando se tem sentido, a partir de uma experiência que resulta da conformidade existente entre os conteúdos colecionados). A percepção ocorre com a formação do sentido do objeto, e não por uma representação confusa, que é própria da relação dos objetos sobre o corpo, ou da relação do corpo sobre os objetos. Ela se dá na relação entre os corpos. Assim, se houver o abandono do empirismo com sua prioridade aos conteúdos, pode-se reconhecer o modo de existência que é singular do objeto, por meio do ser.



O segundo capítulo da Introdução: Os passos argumentativos e o desenvolvimento conceitual

O autor inicia o texto ora analisado, colocando em xeque as noções de associação e de projeção das recordações e consciência tidas pela visão tradicional. Pela tradição, compreendia-se o sentido dados aos fenômenos a partir de processos associativos, a partir da ideia do tempo. O filósofo critica tal compreensão porque entendia que se trata apenas de reduzir o sentido dos fenômenos às semelhanças confusas, o que necessita de estímulos para que se tenha a percepção, não podendo usar a memória para se construir a percepção, como entendem os empiristas. De igual forma, o tempo não pode ser, como é para os empiristas, o responsável por dar sentido aos fenômenos do presente, tendo o passado e o futuro enquanto horizontes de ausência. Tal fato é errado, na visão do autor, uma vez que ignora a situação temporal, os acasos. É o sentido de presença e a ausência de fenômenos que se revelam nas perspectivas que se tem nas percepções.

Merleau-Ponty ainda afirma que é por meio do ato reflexivo do que se é percebido pelo corpo que se tem a consciência. Não se trata de uma operação do espírito, como entende a tradição, por meio de um fenômeno mental. Assim, tem-se que a percepção é feita por coisas e de vazios entre tais coisas, podendo se construir por contiguidade (onde a unidade se dá pelo hábito, pela possibilidade da memória preceder a projeção, o que ocorre com que a quantidade de vezes que algo se manifesta em conjunto, ou sucessivamente a outra coisa. Ressalta-se que o autor critica tal forma de se construir a percepção, porque se coloca a associação enquanto atividade da consciência, e as relações dadas no mundo são trazidas para o plano da mente), ou por semelhanças (quando se tem sentido, a partir de uma experiência que resulta da conformidade existente entre os conteúdos colecionados). A percepção ocorre com a formação do sentido do objeto, e não por uma representação confusa, que é própria da relação dos objetos sobre o corpo, ou da relação do corpo sobre os objetos. Ela se dá na relação entre os corpos.

Por fim, o autor finaliza este capítulo diferenciando percepção (a existência de dados com um sentido imanente sem o qual não se podem ter recordações) de recordação (a partir do horizonte do passado desenvolve-se as perspectivas até que as experiências lá obtidas possam ser vividas novamente considerando seu lugar temporal), e retoma a discussão do inicio do capítulo afirmando que se houver o abandono do empirismo com sua prioridade aos conteúdos, pode-se reconhecer o modo de existência que é singular do objeto, por meio do ser.



O empirismo e o intelectualismo na perspectiva de Merleau-Ponty:

O filósofo entende que nem o empirismo, nem o intelectualismo, possibilitam que o sujeito tenha uma percepção do mundo. O empirismo, segundo Hume, entende que não há qualquer conhecimento inicial, não há principio inato. Todos devem ser reconhecidos, validados, confirmados, verificados. Não se há espaço para o suprassensível, mas sim, a necessidade de se comprovar de forma imediata a existência das coisas, no fato. Tudo isto reverbera num sujeito que é limitado, imperfeito, e que, portanto, necessita de instrumentos para verificar e comprovar suas experiências. Nesse sentido, as ideias ocorrem por meio de percepções, que podem ser mais fortes ou mais fracas.

Já o intelectualismo com Kant, propõe-se estabelecer as condições para que sejam possíveis todas as existências, isto é, todas as formas, as categorias, as ideias da própria experiência do mundo. Tal proposta valoriza a subjetividade, na medida em que se põe a teorizar-se sobre a constituição das coisas, onde os objetos do conhecimento enquanto fenômenos, são construídos pelo sujeito cognoscível, não permitindo o aparecer da coisa em si mesma, em sua própria constituição e, portanto, não consegue “voltar às coisas elas mesmas”, no fenômeno em si, na gênese da relação sujeito e objeto. 

O autor passa então a desenvolver sua compreensão sobre a percepção, pontuando que é pela consciência se que tem, portanto, a atenção: 

“O milagre da consciência é fazer aparecer pela atenção fenômenos que restabelecem a unidade do objeto em uma dimensão nova, no momento em que eles a destroem. Assim, a atenção não é nem uma associação de imagens, nem o retorno a si de um pensamento já senhor de seus objetos, mas a constituição ativa de um objeto novo que explicita e tematiza aquilo que até então só se oferecera como horizonte indeterminado. (...)Esta passagem do indeterminado ao determinado, essa retomada, a cada instante, de sua própria história na unidade de um novo sentido, é o próprio pensamento.” (p. 59)

Têm-se assim que na missão de “voltar às coisas como elas são”, de conseguir ver o mundo como ele é, é preciso desconsiderar construções epistemológicas que visam o controle intelectual da existência, e buscar compreender como se dá o envolvimento do sujeito com o objeto, do ser com o mundo, antes mesmo do processo reflexivo que constrói as teorias para dar significado às coisas e aos próprios sujeitos. Finaliza pontuando que o empirismo e o intelectualismo não refletem sobre a forma como ocorrem a atenção e o juízo no processo de consciência do sujeito a respeito do mundo. O autor então propõe a percepção não decorre da atenção ou do juízo do intelecto, mas que é, a própria percepção em si, um juízo, uma tomada de consciência, cabendo a à filosofia recolocar a percepção enquanto essa experiência privada, que dá nascimento a percepção e que possibilita sua compreensão, sem necessitar de teorizações sobre suas origens constitutivas.



O terceiro capítulo: a “associação” e a “projeção das recordações":

O filósofo começa o texto afirmando quem nem o empirismo nem o intelectualismo servem para se perceber o mundo:

“Na realidade, não é apenas o empirismo que nós visamos. E preciso mostrar agora que sua antítese intelectualista situa-se no mesmo terreno que ele. Um e outro tomam por objeto de análise o mundo objetivo, que não é primeiro nem segundo o tempo nem segundo seu sentido; um e outro são incapazes de exprimir a maneira particular pela qual a consciência perceptiva constitui seu objeto. Ambos guardam distância a respeito da percepção, em lugar de aderir a ela” . (p. 53)

Para defender seu posicionamento, o autor começa apresentando a história do conceito de atenção, e afirma que

“Ele se deduz, para o empirismo, da "hipótese de constância'', quer dizer, como nós o explicamos, da prioridade do mundo objetivo. Mesmo se aquilo que percebemos não corresponde às propriedades objetivas do estímulo, a hipótese de constância obriga a admitir que as "sensações normais" já estão ali (...)A atenção é portanto um poder geral e incondicionado, no sentido de que a cada momento ela pode dirigir-se indiferentemente a todos os conteúdos de consciência” (p. 53-54). 

Já paralelamente para o intelectualismo, a atenção “parte da fecundidade da atenção: já que tenho consciência de obter por ela a verdade do objeto, ela não faz um quadro suceder fortuitamente a um outro quadro (...)Para tomar posse do saber atento, basta-lhe voltar a si, no sentido em que se diz que um homem desmaiado volte a si”. (p. 54).

E, ao analisar antes concepções sobre atenção, conclui que:

“O que faltava ao empirismo era a conexão interna entre o objeto e o ato que ele desencadeia. O que falta ao intelectualismo é a contingência das ocasiões de pensar. No primeiro caso, a consciência é muito pobre; no segundo, é rica demais para que algum fenômeno possa solicitá-la. O empirismo não vê que precisamos saber o que procuramos, sem o que não o procuraríamos, e o intelectualismo não vê que precisamos ignorar o que procuramos, sem o que, novamente, não o procuraríamos". (p. 56)

Isto posto, o filósofo passa a afirmar que não existe a percepção enquanto atividade formal e geral, mas sim que a cada caso, há uma certa liberdade a adquirir, um certo espaço mental a preparar uma criação, e que a atenção deve ser concebida a partir de modelos de atos originários, uma vez que a

“... atenção segunda, que se limitaria a trazer de volta um saber já adquirido, nos reenviaria à aquisição. Prestar atenção não é apenas iluminar mais dados preexistentes, é realizar neles uma articulação nova considerando-os como figuras. Eles só estão pré-formados enquanto horizontes; verdadeiramente, eles constituem novas regiões no mundo total. É precisamente a estrutura original que eles trazem que manifesta a identidade do objeto antes e depois da atenção” (p. 58).

O autor passa então a desenvolver sua compreensão sobre a percepção, pontuando que é pela consciência se que tem, portanto, a atenção:

“O milagre da consciência é fazer aparecer pela atenção fenômenos que restabelecem a unidade do objeto em uma dimensão nova, no momento em que eles a destroem. Assim, a atenção não é nem uma associação de imagens, nem o retorno a si de um pensamento já senhor de seus objetos, mas a constituição ativa de um objeto novo que explicita e tematiza aquilo que até então só se oferecera como horizonte indeterminado. (...)Esta passagem do indeterminado ao determinado, essa retomada, a cada instante, de sua própria história na unidade de um novo sentido, é o próprio pensamento.” (p. 59).

Finaliza essa crítica afirmando que a atenção não está, portanto, no seu começo, mas sim na possibilidade da consciência, pois “é preciso colocar a consciência em presença de sua vida irrefletida nas coisas e despertá-la para sua própria história que ela esquecia; este é o verdadeiro papel da reflexão filosófica e é assim que se chega a uma verdadeira teoria da atenção.” (p. 60).

Em relação ao intelectualismo o filósofo critica que este propõe descobrir a percepção por meio da reflexão, e não pela combinação das forças associativas e da atenção. Para tanto apresenta o conceito de juízo como “aquilo que falta à sensação para tornar possível uma percepção” (p. 60), e afirma que “ o intelectualismo vive da refutação do empirismo e nele o juízo tem freqüentemente a função de anular a dispersão possível das sensações” e que tal “análise reflexiva se estabelece levando as teses realista e empirista até as suas consequências (...)” (p. 60).

Segundo o autor, o erro do intelectualismo é que “a percepção torna-se uma "interpretação" dos signos que a sensibilidade fornece conforme os estímulos corporais, uma "hipótese" que o espírito forma para "explicar-se suas impressões" (...)” e disto resulta “que a análise intelectualista termina por tornar incompreensíveis os fenômenos perceptivos que deveria iluminar. Enquanto o juízo perde sua função constituinte e torna-se um princípio explicativo” (p. 60 – 61). 

O filosofo entende que juízo deve ser apenas uma expressão facultativa do fenômeno da percepção verdadeira, uma vez que:

“Tudo o que existe existe como coisa ou como consciência, e não há meio-termo. A coisa está em um lugar, mas a percepção não está em parte alguma porque, se estivesse situada, ela não poderia fazer as outras coisas existirem para ela mesma, já que repousaria em si à maneira das coisas. A percepção é portanto o pensamento de perceber” (p. 67).

E conclui afirma que cabe à filosofia recolocar a percepção 

“no campo de experiência privada em que ela surge e iluminar o seu nascimento. Se, ao contrário, servimo-nos dela sem tomá-la por tema, tornamo-nos incapazes de ver o fenômeno da percepção e o mundo que nasce nela através da ruptura das experiências separadas, fundamos o mundo percebido em um universo que é apenas este próprio mundo destacado de suas origens constitutivas e tornado evidente porque esquecemos essas origens. Assim, o intelectualismo deixa a consciência em uma relação de familiaridade com o ser absoluto, e a própria idéia de um mundo em si subsiste como horizonte ou como fio condutor da análise reflexiva". (p. 71-72).


Portanto, na missão de “voltar às coisas como elas são”, de conseguir ver o mundo como ele é, é preciso desconsiderar construções epistemológicas que visam o controle intelectual da existência, e buscar compreender como se dá o envolvimento do sujeito com o objeto, do ser com o mundo, antes mesmo do processo reflexivo que constrói as teorias para dar significado às coisas e aos próprios sujeitos. 

Nesse sentido da busca pela percepção, nesse capítulo, pude compreender que M-P aponta que nem o empirismo (de Hume), nem o intelectualismo (de Kant) para que o sujeito possa perceber o mundo, os fenômenos, uma vez que antes de se experimentar ou de se teorizar a respeito dos fatos, do mundo, tais coisas já se fazem presente, já se dão, já existem. 

Finaliza pontuando que o empirismo e o intelectualismo não refletem sobre a forma como ocorrem a atenção e o juízo no processo de consciência do sujeito a respeito do mundo. O autor então propõe a percepção não decorre da atenção ou do juízo do intelecto, mas que é, a própria percepção em si, um juízo, uma tomada de consciência, cabendo a à filosofia recolocar a percepção enquanto essa experiência privada, que dá nascimento a percepção e que possibilita sua compreensão, sem necessitar de teorizações sobre suas origens constitutivas. 



O último capítulo da Introdução:

“O problema é compreender estas relações singulares que se tecem entre a paisagem e mim enquanto sujeito encarnado, e pelas quais um objeto percebido pode concentrar em si toda uma cena, ou tornar-se a imago de todo um segmento de vida. O sentir é esta comunicação vital com o mundo que o torna presente a nós como lugar familiar de nossa vida. É a ele que o objeto percebido e o sujeito que percebe devem sua espessura. Ele é o tecido intencional que o esforço do conhecimento procurará decompor” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 84)


Neste último capítulo, o autor encerra a introdução acerca fenomenologia, para poder falar do corpo. Neste capítulo em específico ele trata do sentir, e que tal conceito se faz presente na relação direta do corpo com o mundo. O filósofo começa o texto apontando que o empirismo é mera “posse de uma qualidade” (p.83), de um conceito. O sentir é algo distinto disto. É pelo sentir que o sujeito pode compreender a singularidade existente nas relações que desejem com o mundo, com o objeto percebido, e de como a partir dessa compreensão entender que é a partir desse objeto percebido que se tem uma compreensão da vida. Neste contexto, o autor afirma que diferente do empirismo, 

“o sentir, ao contrário, investe a qualidade de um valor vital; primeiramente a apreende em sua significação para nós, para esta massa pesada que é nosso corpo, e daí provém que ele sempre comporte uma referência ao corpo. (...) O sentir é esta comunicação vital com o mundo que o torna presente para nós como lugar familiar de nossa vida”. (p. 84) 

A partir do sentir o mundo vivido, segundo o filósofo, não se pode mais compreendê-lo tendo toda uma vida intencional baseada no empirismo, pois ele “não é mais suficiente para designá-lo”. Tem-se, portanto, que a “sensação” e o “juízo” anteriormente tidos como forma de compreender o mundo, perderam sua clareza, uma vez que se pode perceber 

“ eles só eram claros pela intermediação do prejuízo do mundo. A partir do momento em que se procurava representar, por seu meio, a consciência em vias de perceber, em que se procurava defini-los enquanto momentos da percepção, em que se procurava despertar a experiência perceptiva esquecida e confrontá-los com ela, eles se mostravam impensáveis” (p. 85).

Anteriormente ao sentir, segundo o filósofo, a ciência e a filosofia se se conduziram pela percepção, que se abria sobre as coisas e se orienta “em direção a uma verdade em si em que se encontra a razão de todas as aparências” (p. 85). Para tanto, a ciência servia para se constituir as coisas percebidas, uma vez que

“(...) Assim como a coisa é o invariante de todos os campos sensoriais e de todos os campos perceptivos individuais, o conceito científico é o meio de fixar e de objetivar os fenômenos. A ciência definia um estado teórico de corpos que não estão submetidos à ação de nenhuma força, exatamente através disso definia a força, e reconstituía, com o auxílio desses componentes ideais, os movimentos efetivamente observados” (p. 86).

O saber científico contentava-se em perceber um ser, não tendo a consciência da necessidade de se refletir a seu respeito, “de fazer uma genealogia do ser, e contentava-se em investigar as condições que o tornam possível”. A filosofia nesse contexto era definida pelos métodos da ciência, e em tais condições, “o corpo vivo não podia escapar às determinações que eram as únicas que faziam do objeto um objeto, e sem as quais ele não teria lugar no sistema da experiência” (p. 87). A experiência comum era reduzida a um modo de lidar com o mundo por comportamentos que não considerava o “sentido entre o gesto, o sorriso, o sotaque de um homem que fala”. Pelo contrário, era preciso “reduzir esta maneira particular de tratar o mundo que é um comportamento a processos em terceira pessoa, nivelar a experiência na altura da natureza física e converter o corpo vivo em uma coisa sem interior” (p. 87). Num contexto onde a experiência do sentir, de ser um corpo vivo que não podia demonstrar nada além da natureza física, também não era possível existir um espaço para o Outro: 

“O corpo vivo assim transformado deixava de ser meu corpo, a expressão visível de um Ego concreto, para tornar-se um objeto entre todos os outros. Correlativamente, o corpo do outro não podia aparecer-me como o invólucro de um outro Ego. Ele não era mais do que uma máquina, e a percepção do outro não podia ser verdadeiramente percepção do outro, já que ela resultava de uma inferência e só colocava atrás do autômato uma consciência em geral, causa transcendente e não habitante de seus movimentos.(...) O naturalismo da ciência e o espiritualismo do sujeito constituinte universal, ao qual chegava a reflexão sobre a ciência, tinham em comum o fato de nivelarem a experiência: diante do Eu constituinte, os Eus empíricos são objetos. O Eu empírico é uma noção bastarda, um misto de em si e para si, ao qual a filosofia reflexiva não podia dar estatuto. Enquanto tem um conteúdo concreto, ele está inserido no sistema da experiência, não é portanto sujeito — enquanto ele é sujeito, é vazio e se reconduz ao sujeito transcendental.” (p. 88).

Tem-se então que a ciência clássica propunha uma percepção sem conhecer a origem do objeto percebido, vendo sua consciência acabada. O filósofo teria então um papel preponderante. Para o autor 

“O primeiro ato filosófico seria então retornar ao mundo vivido aquém do mundo objetivo, já que é nele que poderemos compreender tanto o direito como os limites do mundo objetivo, restituir à coisa sua fisionomia concreta, aos organismos sua maneira própria de tratar o mundo, à subjetividade sua inerência histórica, reencontrar os fenômenos, a camada de experiência viva através da qual primeiramente o outro e as coisas nos são dados, o sistema "Eu-Outro-as coisas" no estado nascente, despertar a percepção e desfazer a astúcia pela qual ela se deixa esquecer enquanto fato e enquanto percepção, em benefício do objeto que nos entrega e da tradição racional que funda” (p.90)

Enquanto campo fenomenal, a percepção não se preocupa com essas particularidades, pois “a configuração sensível de um objeto ou de um gesto, que a crítica à hipótese de constância faz aparecer sob nosso olhar, não se apreende em uma coincidência inefável” (p. 90). Quando se ultrapassa essa objetividade, não se faz de forma ingênua, uma vez 

“... fazendo a crítica da hipótese de constância e desvelando os fenômenos, sem dúvida o psicólogo caminha contra o movimento natural do conhecimento, que atravessa cegamente as operações perceptivas para ir diretamente ao seu resultado teleológico. Nada é mais difícil do que saber ao certo o que nós vemos”. (p. 91)

Segundo Merleau-Ponty, a mudança do campo fenomenal para o campo transcendental se dá 

“Depois de ter reconhecido a originalidade dos fenômenos em relação ao mundo objetivo, como é por eles que o mundo objetivo nos é conhecido, a reflexão psicológica é levada a integrar aos fenômenos todo objeto possível, e a investigar como ele se constitui através deles” (p.93)

Este campo transcendental ultrapassa a possibilidade de descrever o mundo percebido. Sua diferença é justamente por que

“Não se pode tratar mais de descrever o mundo vivido que ela traz em si como um dado opaco, é preciso constituí-lo. A explicitação que tinha posto a nu o mundo vivido, aquém do mundo objetivo, prossegue em relação ao próprio mundo vivido, e põe a nu, para aquém do campo fenomenal, o campo transcendental. Por seu lado, o sistema eu-outro-mundo é tomado como objeto de análise e trata-se agora de despertar os pensamentos que são constitutivos do outro, de mim mesmo enquanto sujeito individual e do mundo enquanto pólo de minha percepção. Essa nova "redução" não conheceria portanto mais do que um único sujeito verdadeiro, o Ego meditante” (p. 94)

A fenomenologia é a única entre todas as filosofias que se propõe a falar da existência de um campo transcendental justamente porque concebe a forma de se sentir o mundo como sendo 

“a própria aparição do mundo e não sua condição de possibilidade, é o nascimento de uma norma e não se realiza segundo uma norma, é a identidade entre o exterior e o interior e não a projeção do interior no exterior. Portanto, se ela não resulta de uma circulação de estados psíquicos em si, não é mais uma idéia. (...) Portanto, se queremos que a reflexão conserve os caracteres descritivos do objeto ao qual ela se dirige e o compreenda verdadeiramente, não devemos considerá-la como o simples retorno a uma razão universal, realizá-la antecipadamente no irrefletido, devemos considerá-la como uma operação criadora que participa ela mesma da facticidade do irrefletido". (p. 95).

A aparição do ser para a formação da consciência, por considerar que a consciência não existente previamente, faz com que exista a fenomenologia. Isto significa que a filosofia 

“subentende portanto que o pensamento do filósofo não está submetido a nenhuma situação. Partindo do espetáculo do mundo, que é o de uma natureza aberta a uma pluralidade de sujeitos pensantes, ela investiga a condição que torna possível este mundo único oferecido a vários eus empíricos, e a encontra em um Eu transcendental no qual eles participam sem dividi-lo porque ele não é um Ser, mas uma Unidade ou um Valor. É por isso que o problema do conhecimento do outro nunca é posto na filosofia kantiana: o Eu transcendental do qual ela fala é tanto o do outro quanto o meu (...)” (p.96)

Nessa necessidade de “sentir o mundo”, o filósofo afirma que 

“A reflexão não pode ser plena, não pode ser um esclarecimento total de seu objeto se não toma consciência de si mesma ao mesmo tempo que de seus resultados. Precisamos não apenas instalar-nos em uma atitude reflexiva, em um Cogito inatacável, mas ainda refletir nessa reflexão, compreender a situação natural à qual ela tem consciência de suceder e que portanto faz parte de sua definição, não apenas praticar a filosofia mas ainda dar-nos conta da transformação que ela traz consigo no espetáculo do mundo e em nossa existência. Apenas sob essa condição o saber filosófico pode tornar-se um saber absoluto e deixar de ser uma especialidade ou uma técnica. (...) A reflexão só é verdadeiramente reflexão se não se arrebata para fora de si mesma, se se conhece como reflexão-sobre-um-irrefletido e, por conseguinte, como uma mudança de estrutura de nossa existência.” (p. 97)

Assim, tem-se que a filosofia se torna transcendental quando na consciência absoluta considera a si mesma enquanto um problema, e a partir disto, reconhece a presunção da razão enquanto o “problema filosófico fundamental” e não a possibilidade de explicitar totalmente o saber. Nesse contexto, tem-se que o sentir, a experiência

“... antecipa uma filosofia, assim como a filosofia nada mais é que uma experiência elucidada. Mas, agora que o campo fenomenal foi suficientemente circunscrito, entremos neste domínio ambíguo e firmemos aqui, com o psicólogo, nossos primeiros passos, esperando que a autocrítica do psicólogo nos conduza, por uma reflexão de segundo grau, ao fenômeno do fenômeno e converta, decididamente, o campo fenomenal em campo transcendental.” (p. 99)

Portanto, na missão primordial da fenomenologia da percepção que é “voltar às coisas como elas são”, de conseguir ver o mundo como ele é, é preciso desconsiderar construções epistemológicas que visam o controle intelectual da existência, e buscar compreender como se dá o envolvimento do sujeito com o objeto, do ser com o mundo, antes mesmo do processo reflexivo que constrói as teorias para dar significado às coisas e aos próprios sujeitos. 

Nesse sentido da busca pelas coisas como elas são, neste capítulo o autor trabalha o conceito de sentir enquanto possibilidade de relacionar o corpo com o mundo, de sair do campo fenomenal para o campo transcendental, onde a filosofia não é mero formalização do perceber do mundo, não é mera teoria, mas sim a possibilidade da existência da experiência, uma atividade reflexiva, onde se investiga a condição que torna possível a existência de vários eus empíricos num mundo único, encontrando-a a partir da transcendência do eu, onde todos participam pois se trata de um valor e não de um único ser.


BIBLIOGRAFIA:

DICHTCHEKENIAN, Nichan, Curso de Introdução à Fenomenologia – Parte 1 e Parte 2, http://www.youtube.com/watch?v=u_A0-xxbogE e http://www.youtube.com/watch?v=fm6e1UWtJms, acesso em 28/09/2014.

MERLEAU-PONTY, Fenomenologia da Percepção. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1999, p. 1 – 34.



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