segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

POR QUE VOCÊ NÃO QUER MAIS IR À IGREJA?

Era um domingo, dia 23 de janeiro de 2011. Hora do almoço. Como de costume – tradicionalíssimo – minha avó, ao agradecer a Deus “as mãos que fizeram aquele alimento”, interpelou também: “que o Edmarcius possa se regenerar e voltar a ser o que era na igreja”. Finalizou sua oração e todos se alimentaram normalmente.

Menos eu. Essa oração – frase no sentido lingüístico e no caso também no religioso – ficou na minha mente, porque no fundo, no fundo, ainda hoje, manifestações deste tipo, causam-me certo incômodo, porque mexe numa das maiores dores que já vivenciei: a dor da alma fruto de experiências religiosas. Porém, como bom neto que sou, preferi me omitir e deixar tal desconforto passar despercebido.

Seis dias depois chegou meu aniversário. Antes me levantar da cama recebi, da minha mãe, meu primeiro presente do dia. ‘Poxa, que legal’ – pensei eu! Antes de abrir o presente, a recomendação que demonstra uma preocupação amorosa de uma mãe por seu filho: ‘não brigue comigo pelo presente, mas quando o vi, lembrei de você e decidi comprá-lo. Leia-o e depois me diga a resposta pra pergunta título do livro’.

Com as vistas embaçadas pelo sono apenas confirmei com a cabeça a resposta positiva, abri o livro, li seu título, sorri e voltei a dormir. E junto com o sono as idéias remeteram-me ao fato ocorrido no domingo e conclui precipitadamente comigo que este poderia ser mais um desconforto que passaria, agora em relação ao presente de aniversário, dado pela minha mãe.

Ledo engano! Acho que se não for o melhor presente de aniversário que já ganhei em minha vida, está entre os melhores. É, sem dúvida alguma, a melhor leitura que poderia ter feito nesses últimos dias, meses e anos - tempo este enquanto a pergunta título do livro se concretizou na minha existência terrena.

“POR QUE VOCÊ NÃO QUER MAIS IR À IGREJA?” (2009, Editora Sextante), escrito por Wayne Jacobsen e Dave Coleman, traduzido no Brasil por André Costa, é a obra em questão. Recomendo a leitura urgente para todos os que abraçaram o cristianismo enquanto opção religiosa para suas vidas.

A estória do livro é uma ficção. Porém, mesmo que haja a recomendação contrária, creio que foi sim baseado historias de vidas reais. Muitas. Milhares espalhadas pelo mundo afora. Todas de vítimas, consciente ou inconscientemente, de um período em suas vidas, onde jogaram “o jogo da igreja”.

Não se trata de uma apologia aos que criticam a igreja, mas sim de uma das melhores produções já realizadas no que diz respeito a (re)flexão – pensar de novo – sobre o papel desta e do significado de sê-la nas vidas das pessoas que se propõem a vivenciar suas experiências de fé neste contexto, e por fim, a possibilidade de ver novas formas de viver a realidade de uma Igreja.

A estória de ficção tem como sua personagem principal, o pastor Jake Colsen, que depois de toda uma vida dedicando-se a Igreja e ao caminho que sempre lhe pareceu o certo, encontra-se diante de uma dolorosa dúvida: como é possível ser cristão há tanto tempo, e ainda assim, se sentir tão vazio?

Porém, observando uma multidão numa praça, Jake depara com João, um homem que fala de Jesus como se o tivesse conhecido e que percebe a realidade de uma forma que desafia a visão tradicional de religião. É com a ajuda desse novo amigo que Jake irá reavaliar os conceitos e crenças que norteavam seu caminho: Levar uma vida cristã significa ter os comportamentos aprovados pelo grupo religioso a que pertencemos?

No decorrer da estória, a cada nova palavra de João, assiste-se ao renascimento de Jake em busca da verdadeira alegria e da liberdade que Cristo veio ao mundo oferecer. Na reconstrução da sua vida, percebemos a ação de Deus, por meio do perdão e do amor.

Pessoas que assim como eu encontram-se feridas em nome de um Cristo pregado por alguma instituição religiosa ou sistema religioso encontram neste livro um bálsamo. É um refrigério saber que, no mundo afora, muitas outras pessoas também passam por este dilema, e encontram a possibilidade de reformular seus pensamentos a respeito do amor de Cristo, da alegria e da liberdade que é a essência de ser um cristão, mesmo afastados de coração de igrejas.

Muitos como eu foram criados em igrejas. No livro registra um dado interessante: 92% das crianças que freqüentam regularmente as escolas dominicais (pra quem não é evangélico não vai entender o ‘evangeliguês’: significa a ‘catequese’ evangélica, grosso modo, comparando-a com o catolicismo), quando deixam a casa dos pais, ou quando crescem, abandonam a igreja.

E abandonam sabe por quê? O livro responde e esta é a resposta a pergunta título do livro. O cristianismo que as igrejas vivem, em sua maioria, é um cristianismo institucional, razão esta que faz com que as pessoas não queiram mais ir às igrejas!

Os autores, em suas ultimas páginas, disponibilizam uma entrevista concedida sobre o conteúdo polêmico do livro. Ao serem inquiridos se procuram por uma igreja perfeita dizem que não espera encontrá-la – a igreja perfeita – neste lado da eternidade, mas sim procuram por pessoas que fazem de Deus sua prioridade. E manifestam incômodo com o ‘cristianismo institucionalizado’ de uma forma perfeita. Veja:

“Boa parte do que chamamos hoje de ‘igreja’ não passa de uma encenação bem planejada, com pouquíssimas ligação efetiva entre os fiéis. Estes são muito mais estimulados a depender cada vez mais do sistema ou de seus lideres do que do próprio Jesus. Gastamos mais energia adaptando nosso comportamento àquilo de que a instituição necessita do que ajudando as pessoas a se transformarem!”.

E continua, até sendo um pouco duros ao retratar, infelizmente, a realidade:

“Cansei de tentar estabelecer uma comunhão com gente que concebe a ‘igreja’ apenas como um lugar onde um grupo passa duas horas por semana expiando a culpa, enquanto vive o restante da semana com as mesmas prioridades mundanas. Cansei daqueles que exaltam as próprias obras piedosas, mas que não demonstram compaixão pelos outros. Cansei de gente insegura que usa o corpo de Cristo como uma extensão de seus egos e que manipula a comunidade para satisfazer as próprias necessidades. Cansei de sermões que contêm mais regras e moralismo do que a liberdade do amor divino e nos quais os relacionamentos ficam em segundo plano perante as demandas da instituição” (pag. 202).

O Cristo que se deve seguir é o Cristo que está no centro da vida das pessoas. É o Cristo que está no centro das atenções das pessoas, que são tão autenticas e se sentem livres para questionar, para duvidar, para discordar somente para continuam a viver a voz do Senhor sem serem acusados de serem rebeldes ou separatistas. O Cristo que se deve seguir é aquele que nos dá a liberdade e o poder de confiar na Sua capacidade de cuidar de nós diariamente.

O Cristo que se deve seguir é o Cristo que não fica preso em regras e modelos moralismos um tanto duvidosos, mas é um Cristo que se manifesta no próximo, na vida dos companheiros com quem partilhamos livremente a vida, seja numa rua, ou num ambiente de trabalho ou de escola.

O Cristo que se deve seguir é o Cristo da comunhão entre as pessoas. Cristo pode estar na manifestação de um relacionamento com um vizinho, um parente, um amigo. E é isto que é ser Igreja, e não uma organização institucional. O Corpo de Cristo é feito – ou deveria ser feito – de pessoas que se relacionam, e não de paredes e de uma hierarquia de lideres de sistemas.

Cristo anda longe do ‘jogo das igrejas’. Cristo anda longe de lugares onde os que ali participam “são meros assistentes passivos colocados a uma distancia segura do chamado líder”.

O que falar dos líderes? Seria cômico se não fosse trágico! Eu já fui um líder dentro do sistema institucional da igreja. Segundo o livro – e eu sou uma prova vivinha disso – são estes, as maiores vítimas do sistema.

“No que fim, todo o sistema humano desumaniza as pessoas a quem procura servir, e a maioria dessas pessoas que o sistema desumaniza são as que pensam que o lideram”.

(...)

“As pessoas que tratam os lideres como se eles possuíssem uma unção especial são as que correm mais riscos de serem enganadas por eles. Parece que as pessoas que são investidas de maior autoridade se esquecem de dizer não aos próprios apetites e desejos. Os lideres acabam muitas vezes servindo a si mesmos, achando que estão servindo aos outros só pelo fato de manterem uma instituição funcionando”.

Suavizam os autores:

“Porém nem todos os que fazem isso se tornam tão fracos. Muitos são servidores autênticos que, apesar de só desejarem ajudar os demais, foram levados a crer que esse é o melhor modo de fazê-lo. O erro do sistema deve sempre ser separado dos corações das pessoas que pertencem a ele (o sistema)” (pag. 111).

É por isto que sou um bom neto, e agora, um bom filho. Brincadeiras à parte, a verdade é que não é fácil viver da mesma forma depois que “um novo amigo João” passa na vida da gente. Na minha, ele teve o nome de José Marcelo. Um amigo (que é pastor) que o amo muito, e que me fez vivenciar e entender em momentos difíceis, mas essenciais como preparatórios para uma nova perspectiva de vida em Cristo, que viver em Cristo é ter alegria, liberdade e amor, uns pelos outros.

Viver em Cristo é ter relacionamentos. Dizia sempre o meu João:
“pessoas precisam de pessoas”. Como isso hoje soa suave aos meus ouvidos! Viver em Cristo é saber que Cristo está no meu próximo, mesmo que ele seja um estranho. É tudo aquilo que a Igreja primitiva viveu nos seus 300 primeiros anos, até que a instituição "tomou conta" do Corpo de Cristo.

Os autores concluem o livro, com algumas orações – agora no sentido lingüístico da palavra. Quero reproduzi-las para também encerrar esta postagem. Com elas respondo a pergunta título e instigo a sua leitura do livro.

“A maior parte das pessoas que encontro e com quem falo, porém, não está fora do sistema por ter perdido a paixão por Jesus ou por Seu povo, e sim porque as congregações tradicionais mais próximas não foram capazes de lhes satisfazer a fome de relacionamento. Estão em busca de expressões autênticas de vida em comunidade e pagam um preço altíssimo por isso. Pode acreditar em mim: todos nós acharíamos mais fácil nos deixar levar pela maré, mas, depois de experimentarmos a comunhão viva entre fieis fervorosos, é impossível nos conformarmos com menos” (pag. 203 e 204).

“Sei que incomoda certas pessoas o fato de eu não tomar meu assento num banco da igreja todo domingo de manhã, mas posso lhe garantir, com absoluta certeza, que meus piores momentos fora da religião institucional são, ainda assim, melhores do que meus melhores dias dentro dela (...) Hoje não precisamos mais ficar falando sobre a Igreja. Precisamos é de gente preparada para viver a realidade dela” (pagina 205).

Viver a realidade dela é viver relacionamentos.

Que tal voltar à Igreja? Veja Cristo em cada pessoa com quem você se relacionar e seja alegre e liberto para viver o amor do Deus Pai.

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