sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

UM SOCO NO ESTÔMAGO


Um soco no estômago. É isso que acabei de tomar. Explico-me! Há poucos minutos acabou de passar, na Rede Globo de Televisão, o filme brasileiro “Ultima Parada 174”, do cineastra Bruno Barreto. É a arte representando a história real de um jovem chamado “Sandro” que paralisou o Brasil há alguns anos atrás com o seqüestro de ônibus da linha 174, na cidade do Rio de Janeiro.

Apesar de antigo (de 2008), somente hoje tive a oportunidade de assistir a obra. E que puta obra! O foco do filme foi contar a história de vida daquele protagonista do episódio. Uma criança que tem a sua mãe morta para sustento do tráfico, o abandono do restante da família, a vida nas ruas e envolvimento com as drogas e a prostituição, o amadurecimento na rede do tráfico e seu fim trágico. Episódio este que culminou na morte de uma das seqüestradas – na época foi divulgado que se tratava de uma professora –, e da morte do seqüestrador, aliás, muito mal explicada, dentro da viatura.

“Ultima Parada 174” me doeu no estômago. Justamente na hora em que estava jantando minha batata doce que tanto queria comer o dia inteiro! Foi-se totalmente o saber do doce e vieram as indagações sobre o contexto em que vivemos com o paladar da amargura que senti.

Como pode no Brasil haver tanta desgraça? Quantas políticas públicas sociais são inoperantes? Quantos Sandro’s estão morrendo hodiernamente frutos de histórias de vidas desgraçadas, no sentido literal da palavra?

Me dói muito ver que a política de urbanização no Brasil é uma merda. As favelas são o foco dos traficantes e muitos que ali estão acabam como fruto de seus contextos. São Sandros que não tem apoio de uma atuação política forte que combata de fato a violência e as drogas.


Me dói muito ver que a política de igualdade racial no Brasil ainda é um conto da carochinha. É como tampar os olhos com a penheira para não constatar que a maioria da população que vive na miséria brasileira não é negra! Que igualdade e liberdade existem, meu Deus, nessa terra onde os negros deixaram de ser escravos de colonos para serem escravos do tráfico e da violência? Até que ponto vão se preocupar somente com ações afirmativas com cotas para negros em universidades, se a maioria deles não sai nem do ensino primário, isto quando a vida consegue chegar lá?

Me dói muito ver que a política de amparo à pessoa em situação de rua neste Brasil é uma vergonha! Que as ONGs tentam e não estão preparadas para fazer o que é papel do Estado. E a cena em que a voluntaria chega na Candelária para fornecer um sopão e leva consigo uma emissora de televisão? E depois da chacina levar uma turma de meninos para onde? Dentro de uma favela, numa boca de fumo! E pra piorar a situação, produzir um material para divulgar o serviço? E o Estado? Inoperante em berço esplêndido!

Me dói muito ver que milhares de crianças estão nas ruas jogadas à pedagogia mais pragmática que existe: a do mundo das drogas e do tráfico. Que muitas destas crianças são vitimas da violência. Que muitos Sandros estão neste meio porque viram suas famílias se desmoronarem depois da brutalidade do crime! Que os programas de amparo a infância e a adolescência são balelas jurídicas.

Me dói muito ver que mulheres vendem seus corpos porque não tem outra alternativa ou não processaram mentalmente que podem deixar de fazer o que faziam quando moravam nas ruas, para ter em troca o dinheiro com que sustentavam seus vícios. E que essas mulheres são também, em sua maioria, mulheres negras! Até quando o imaginário de que mulher só presta “pro que se faz deitado” irá continuar nesse Brasil? Falta muito ainda para a política da mulher ser, de fato, concretizada nos ideais dos movimentos feministas.

Me dói muito ver que o papel das instituições religiosas está muito longe de ser o que deveria ser. Que os pastores querem, no fundo, no fundo, os dízimos de seus seguidores, pra aumentar seus barraquinhos. Ultimamente o barraquinho pode ser eufemismo: um carro 0 km, empresas, mansões, viagens, jóias, redes de televisão, etc. E o Cristo que dizem carregar é inoperante diante da força do tráfico e da violência enraizada.

Me dói muito ver que as instituições de recolhimento como a FEBEM tem em suas paredes “aqui se constrói o conhecimento da cidadania”, mas na prática se constrói o amadurecimento do pensamento do tráfico e da vida nas drogas. E que aquilo é uma barbaridade administrativa. É a colônia de férias das prisões. Que não chega ao seu objetivo: dar cidadania a alguém!

Me dói muito ver que estamos inseguros nas ruas. Que as políticas de segurança públicas fazem o mesmo que os líderes religiosos: vendem ilusões de prosperidade. Enquanto estes vendem a idéia aos seus alienados mentalmente de um futuro melhor por meio da “fé irracional” no que dizem visando, na realidade, seus suados míseros salários mínimos, aqueles vendem a ilusão da segurança. Segurança, no linguajar do filme: o cacete! A professora seqüestrada dentro do ônibus, coitada, foi vítima da inoperância da polícia. Os policiais que deviam ter morrido pra aprender a trabalhar direito. Onde já se viu o que fizeram? E pra piorar a situação: matam o seqüestrador a caminho da delegacia. Cadê a porra dos Direitos Humanos?

Mas sabe de uma coisa? A professora tinha que morrer mesmo! Quem disse que vida de professora vale a pena nesse Brasil? Se traficantes que matam mães de Sandros existem por aí para sustentar seus vícios, se Sandros crescem sem estrutura familiar e conceitos básicos, se pastores vendem a “alma pro diabo” em busca do seu dizimo de cada dia, se meninas negras (e brancas em menor quantidade também) se transformam em mulheres do prazer, se policiais se matam nas academias e atrofiam os cérebros para passarem nos concursos   visando somente seus excelentes salários como os são ultimamente, é porque a educação, é talvez, a pior desgraça de todas essas. Tudo o que o filme retratou representa um modelo de educação ultrapassada, colonial, retrógrada, que ainda existe neste Brasil. Uma educação que não acompanha seu tempo e seus temas, suas desgraças, percalços.

Que dor no estômago sinto que atormenta até meu cérebro, a ponto de vomitar tudo isto aqui já as 01:20 da madrugada. Dor por saber que ainda estamos muito longes de efetivar as políticas sociais nessa terra brasileira. Dói por saber que os políticos não entendem (ou pouco se importam com isso) que todas as desgraças que acontecem são frutos da má política social.

É vital pra continuidade da espécie humana que se pare tudo e dê prioridade à isto. Não dá mais pra se ter política pra sustentar burgueses engravatados e as engomadas em seus escritórios ministeriais. E que estes fiquem espertos, porque podem também ser vítimas deste sistema inacreditável, como foi, numa cena do filme, a assaltada no trânsito pelo seqüestrador Sandro, e pagarem com suas próprias vidas. Talvez aí alguém resolvam fazer algo.

Sandros mil estão sendo vítimas de si mesmos, de suas historias de vida. Transformam-se em Alessandros e morrem com o nome de “filhos de puta” conclamados pela sociedade após o impacto da mídia globalizada que tudo vê e nada faz pra mudar, se não contribui com a pobreza intelectual com os "BBBs" das vidas. Esquecem, os que gritam, que a pobre da ‘puta’, coitada, já tava morta, pelo tráfico!

Precisamos reorganizar nossas idéias para prosseguir fazendo cada um a sua parte nessa complexa e imensurável roda-gigante, onde o sistema do tráfico e da violência reflete a fraqueza das políticas sociais. É hora de repensá-las e de nos repensarmos enquanto passageiros desse ônibus, antes que chegue a nossa ÚLTIMA PARADA 174.

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