sábado, 24 de agosto de 2013

FILOSOFIA DA LINGUAGEM III - A CONCEITOGRAFIA DE FREGE E O ANTIPSICOLOGISMO DA LÓGICA




Frege é analisado em dois pontos: a concepção das leis da lógica como leis descritivas, do ser verdadeiro, e, portanto, é uma ciência que não se confunde com a psicologia pela natureza da sua investigação, que descreve o que é ser verdadeiro e distingue o verdadeiro do falso, não se atenta a como pensamos e nem os atos de pensamento de alguém, mas descreve as leis eternas e imutáveis do ser verdadeiro e a partir disso têm-se prescrições, normas, para julgar, ajuizar, afirmar, negar se uma coisa é ou não é. Pela descrição do ser verdadeiro pela lógica podemos tirar normas para dizer que uma coisa é ou não é verdadeira, ou falsa, se corresponde ou não aos fatos, e por isso, distingue-se da psicologia nesse sentido. 

O outro ponto é o escrito “O Pensamento” com uma filosofia da linguagem que incide, que a partir da logica como ciência do ser verdadeiro, pode investigar e como se pode tirar daí normas para julgar, pensar, raciocinar e fazer silogismo, e surge toda uma filosofia da linguagem, dos atos de fala, e uma investigação do pensamento, do que seja o pensamento e estabelecer um âmbito objetivo, não redutível às representações mentais que possibilite a comunicação, a intersubjetividade. A expressão do pensamento pela linguagem, onde a linguagem natural exprime o pensamento, mas o exprime com diversas colorações, que são importantes para a poesia e comunicação cotidiana, mas para exprimir o pensamento é preciso de uma linguagem formal, precisa, sem ambiguidade e colorações, que é o projeto de conceitografia fregeniana. 




PREFÁCIO À CONCEITOGRAFIA

“Se uma das tarefas da filosofia for romper o domínio da palavra sobre o espírito humano, desvendando os enganos que surgem, quase que inevitavelmente, em decorrência de utilizar a linguagem corrente para expressar as relações entre os conceitos, ao liberar o pensamento dos acréscimos indesejáveis a ele associados pela natureza dos meios linguísticos de expressão, então minha conceitografia, desenvolvida sobretudo para esses propósitos, poderá ser um valioso instrumento para os filósofos. Por certo, ela também não reproduz as ideias de forma pura, já que isto não é possível quando as ideias são representadas por um meio [de expressão] exterior [à inteligência]. O que é possível, por um lado, é confinar tais discrepâncias [ conceitográficas] ao inevitável e ao inofensivo e, por outro, por estas diferirem daquelas [discrepâncias] que são próprias da linguagem corrente, elas nos protegem da influência unilateral de um meio particular de expressão.” [G. Frege, prefácio à Conceitografia. Em: Lógica e Filosofia da Linguagem, p. 47]. 


A CONCEITOGRAFIA DE FREGE E O ANTIPSICOLOGISMO DA LÓGICA

Assim como Peirce, Frege continua no tema do antipsicologismo para se analisar a Lógica. Em “Fundamentos da Aritmética”, o autor encara o dilema de saber o que é um número sem realizar uma análise empírica ou psicologista, mas sim compreendendo esse conceito fundamental numa perspectiva lógica, enquanto fundamento da aritmética. Nessa análise, ao se deparar com a constatação de que os conceitos matemáticos não se formam subjetivamente, Frege procura desenvolver uma análise que atinja, com maior rigor e exatidão, uma teoria dos números. Nasce assim, seu projeto de fundamentação lógica da aritmética por meio de uma construção de uma conceitografia.

A conceitografia é, portanto, uma linguagem simbólica logicamente exata. Para o filósofo, a linguagem se fundamenta no conhecimento científico, e analisando a forma da linguagem pode-se apreender o pensamento possível. Isso significa que os pensamentos não estão nas pessoas, e não são produzidos pelas pessoas, mas sim, são captados e apreendidos pelas pessoas, uma vez que as pessoas podem pensar, julgar e asserir tais pensamentos. Para que tais pensamentos não sejam intencionados segundo as subjetividades dos sujeitos da enunciação, é preciso exprimi-los exatamente e sem ambiguidades, por meio de uma linguagem formular que seja perfeita, inequívoca e logicamente rigorosa, e que, portanto, aponta a forma lógica do pensamento em si.

Mesmo enfrentando os filósofos empiristas, Frege destaca que a conceitografia tem por escopo possibilitar essa análise lógica, ao eliminar recursos de intuição e impressão sensorial, o que dessa forma, possibilita que os números sejam demonstrados dedutivamente e não indutivamente. Nessa discussão da conceitografia, o filósofo ainda aponta que o objetivo de seu projeto é ser um melhor método de prova da verdade, pois se utiliza uma linguagem simbólica, absolutamente formal, podendo expressar a maneira mais geral e exata de inferência do pensamento. Caso isso não ocorra, corre-se o risco de cair no psicologismo, onde a verdade não se eleva, mas sim as representações do pensamento humano enquanto definição do conceito. 

Para o autor, o psicologismo, em nada contribui para formular os fundamentos da aritmética ou para a expressão lógica dos conteúdos judicativos. O que equivale também à historicidade das representações de uma verdade, própria do psicologismo, uma vez que a verdade alcança pela conceitografia apresenta-se de forma constante e fixa, garantindo o conhecimento, apartado do “fluxo constante de todas as coisas”, como ocorre nas representações psicologistas.

Tem-se assim que o projeto de Frege com a conceitografia visou simplificar a aritmética, apontando para seus princípios fundamentais de forma a reduzi-los a certo numero definido de noções lógicas. 

Rodrigues (2013, p. 37) preleciona como sendo os princípios da conceitografia:

1. Separar precisamente o que é propriamente psicológico e subjetivo do que é lógico e objetivo;

2. Só tentar uma elucidação da significação ou do significado de um conceito no contexto de sua proposição ou sentença em que o conceito aparece, não o tomando isoladamente sem relação com outros;

3. Distinguir entre o conceito e o objeto. 

Partindo de tais princípios, tem-se que Frege concebe a lógica como uma ciência prescritiva, ou normativa, já que ela descobre as leis de todo o pensamento verdadeiro. Seu objeto é o ser verdadeiro, ao buscar estabelecer quais são as leis que o descrevem e pelas quais ele se regula. Isso significa que tais leis não descrevem como se pensa, mas sim como se deve pensar ao se quer sustentar a diferença entre algo que seja verdadeiro ou falso.

As leis da lógica se diferenciam, portanto, das leis psicológicas dos processos mentais, justamente porque aquelas visam estudar a estrutura dos conceitos, o que eles são e do que são. São normativas justamente porque indicam as condições necessárias para o ser verdadeiro, descrevendo-o, de forma independente, para se tirar prescrições para asserir, julgar, raciocinar de forma correta, diferentemente das prescrições normativas da psicologia, que consideram como verdadeiro aquilo que vale em conformidade com certos hábitos ou padrões do pensamento.

As verdades logicas independem de qualquer ato de pensamento efetivo. Sua finalidade é estudar as condições para se asserir o verdadeiro e o falso, independentemente de contingencias, razão pela qual as verdades lógicas possuem o caráter de serem universais e necessariamente válidas, já que não se importa com quem as pensa, nem como as pensa, não necessitando também de serem justificadas. 

Nesse ponto está a fundamentação da crítica de Frege ao psicologismo, ao explicitar dois de seus equívocos. O primeiro diz respeito ao psicologismo não conseguir diferenciar atos de juízo de conteúdos judiciáveis. O segundo, à confusão entre o domínio objetivo e o subjetivo existente quando o psicologismo reduz tudo (o ser e o ser representado) às suas meras representações. A fundamentação fregeniana está ao apontar que conhecer algo é apreender seu conceito, e não representa-lo por meio de objetos externos. Não é explicar o processo, mas explicitar o que se conheceu, independentemente de conteúdos representacionais próprios da consciência. 

A crítica ao psicologismo é que ele confunde o objetivo com o subjetivo, fazendo com que as representações (subjetividades mentais) fiquem imanentes somente na mente do sujeito empírico que as cria, impossibilitando que outras pessoas tenham, portanto, acesso ao conhecimento. Em razão disto, Frege postula o domínio do objetivo não-efetivo da verdade, o domínio do ciência da lógica, do pensamento, que é uma verdade que todos tem acesso, negando a subjetividade e o acesso à verdade por meio de representações, bem como negando o acesso à verdade por meio da correspondência entre representado e representação da análise subjetiva de objetos particulares. 

Nessa recusa à representação da verdade por meio da análise subjetiva entre a correspondência do representado e sua representação, Frege destaca a necessidade de se pesquisar a verdade passando pela pesquisa da linguagem, ou seja, saindo do nível discursivo e avançando para o nível semântico, seu sentido sentencial, já que por meio dele é que se pode qualificar o pensamento. Isso significa que o pensamento é o sentido expresso pela sentença, é tudo que pode ser qualificado como verdadeiro ou falso. Assim, tem-se que nem todo sentido sentencial corresponde a um pensamento, mas que todo o pensamento pode ser expresso como um sentido sentencial. O pensamento é, dessa forma, perceptível pelo sentido sentencial, que é distinguido pelo suporte empírico da linguagem, o que aponta para a dificuldade de que, nem sempre, a forma linguística consegue traduzir tal pensamento.

Portanto, tem-se assim que a conceitografia é uma linguagem simbólica logicamente exata, já que pela linguagem se fundamenta o conhecimento cientifico, e pela sua forma (da linguagem), é que se torna possível apreender o pensamento.


REFERENCIAS:

FREGE, Gottlob. Os Fundamentos da Aritmética. Tradução de Luis Henrique dos Santos. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

RODRIGUES, Cassiano Terra. Filosofia da Linguagem I: Guia de Estudos. Lavras: UFLA, 2013, p. 34-48.


OBSERVAÇÃO: 

Este texto é um resumo que produzi com o material de aula de disciplina “FILOSOFIA DA LINGUAGEM I” da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA – Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares, produzido em 24/08/2013.


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