domingo, 18 de janeiro de 2009

QUANDO FALA O CORAÇÃO

Quem acompanha este meu blog com o tempo vai descobrir que gosto de muitas coisas. Uma delas é televisão, e em especial, novelas e minisséries. Ultimamente a TV brasileira, na minha percepção, carece de bons folhetins. De Malhação a Três Irmãs, passando pelos Mutantes, concluo até semana passada que se salvavam somente ‘A Favorita’ da Rede Globo e ‘Chamas da Vida’, da Record.

As minisséries globais dos últimos anos não foram boas. Não gostei da tal da ‘Amazônia’, da ‘Hoje é Dia de Maria’, nem de ‘Capitu’, mas me surpreendi com ‘Maysa: Quando fala o coração’, escrita pelo, em minha opinião, o melhor autor de novelas que ainda está vivo: Manoel Carlos, o mesmo autor de Laços de Família e Páginas da Vida, dentre outros sucessos. Particularmente admiro suas novelas porque ele consegue transmitir sentimentos humanos Tão complexos e ao mesmo tempo tão simples e de formas antagônicas em suas personagens, sempre dentro contexto nobre do Leblon, praia do Rio de Janeiro, além de levantar algumas bandeiras sociais relevantes.

Então, se você não sabia, já deu para perceber que sou noveleiro. Gosto mesmo. Vejo novelas como uma forma de expressão cultural tipicamente brasileira. São reflexos dos desdobramentos sociais, oportunidades de meditação em relação aos comportamentos humanos, são conhecimentos de visões multidirecionais; enfim, as novelas, juntamente com a MPB, formam o que brasileiro tem de bonito culturalmente falando, desde que, bem feitas como fora esta minissérie.

Voltando ao tema da postagem: Maysa, confesso que desconhecia completamente a existência da pessoa até a apresentação dos capítulos. No máximo tinha ouvido duas de suas músicas mais conhecidas: ‘Ne Me Qui Te Pas’ e ‘O Barquinho’, e que era foi a mãe do diretor Jayme Monjardim.

Ao decorrer dos capítulos pude desenvolver o exercício de lê-la por ângulos multifacetários. Vi uma Maysa criança que é objeto de desejo de um adulto que mais tarde seria seu primeiro esposo e pai de seu filho. Vi uma Maysa oportunista que poderia ter usado da influência social da família Matarazzo para adentrar aos caminhos da fama. Vi uma Maysa doente psicologicamente, viciada em remédios para emagrecer e em bebidas e cigarros. Vi uma Maysa vagabunda, ordinária, piranha, devasa, mas ao mesmo tempo doente por sexo. Vi uma Maysa desumana, cruel, que rejeitou a oportunidade de vivenciar a infância e adolescência de seu único filho. Vi uma Maysa estrela, que se fosse viva hoje não sairia das capas das 'Caras' da vida afora. Enfim, pude ver várias Maysa’s numa só. O que mudou foram os meus olhares durante os capítulos.

Não obstante, num destes meus olhares, vi também uma Maysa encantadora, com seus olhos penetrantes, cortantes, marcantes. Vi uma Maysa que viveu intensamente cada momento de sua vida. Paro aqui e peço carecidamente que não me interprete como alguém que concorda com tudo o que ela fez, mas que a veja neste momento como uma pessoa que, ao contrário da maioria, teve a coragem de viver, de ser o que ela realmente era. É aí que compreendo o subtítulo da obra: “quando fala o coração”.

O coração só é capaz de falar quando aceitamos ser o que realmente somos, sem se importar com a opinião alheia, com os sentimentos e anseios familiares e sociais. Quantas pessoas são infelizes, depressivas, por precisarem usar máscaras, por precisarem firmar alianças de infinitas naturezas, com o único objetivo de se manter no jogo cruel e hipócrita da sociedade!

O coração só é capaz de falar quando decidimos trilhar pelo caminho da intensidade, da profundidade em sentimentos, em relacionamentos. Quantas pessoas há por aí infelizes por terem casamentos frágeis, relacionamentos superficiais com pais, amores e filhos! Zélia Duncan entoa uma canção que, dentre em seus versos afirma que “nada do que posso me alucina tanto quanto o que ainda não fiz”. Assim consegui ver uma Maysa, como alguém alucinada pelo desconhecido, pelo não praticado, pelo não vivenciado, uma pessoa que não tinha medo do desconhecido. Como somos frios, racionalizados em nossos relacionamentos. Perdemos a oportunidade de eternizar nossa intensidade em corações e na história do tempo, quiçá pelo menos, pelo medo do desconhecido.

O coração só é capaz de falar quando se experimenta o amor. Maysa vivenciou o seu amor por Matarazzo e teve seus outros amores. Pode haver quem não concorde, mas particularmente creio que sim podemos durante a vida ter vários amores, e por uma simples razão: somos diferentes, singulares, ímpares, específicos. Quem vive mais de um relacionamento, casamento, ou seja lá o que for, nunca vivenciará a mesma perspectiva que trilhou em seus encontros primeiros. Somos diferentes, evoluímos a cada momento e assim são também as pessoas ao nosso redor. Em relação à vida sexual de Maysa, considerada por alguns conservadores como libertina, e por outros liberais como além de seu tempo, preferido me abster de comentar. Trata-se de uma questão puramente moral, e não pretendo adentrar neste campo. Mas não se pode negar que ela vivenciou o amor, nem que seja o amor pela fama, pela riqueza, pelos aplausos, pelos lugares e pessoas que cruzaram seus caminhos, pela bebida e cigarro, por sua concepção de vida. Certa estava a certeza de Quintana: ‘... o amor existe, que vale a pena se doar às amizades e às pessoas...”.

O coração só é capaz de falar quando encontramos a paz interior. Na minissérie a personagem principal diz ter encontrado sua paz interior, ter tido seu contato com o paraíso azul e lindo como o mar, após receber o perdão de seu filho Jayme, a quem tinha abandonado numa escola européia, bem como após perdoar a si própria, pelos seus erros, frutos da infantilidade. Quantas pessoas encontram-se fragilizadas psíquica e fisicamente porque não conseguem vivenciar o perdão. O verdadeiro perdão. Aquele que não apaga as marcas, as conseqüências dos erros cometidos, frutos das decisões humanas, mas que faz bem ao coração, lava a alma e purifica a mente. Morreu em paz Maysa, em paz com o filho, e principalmente em paz consigo mesmo.

Enfim, essa obra prima (confesso que não sei se com a reforma ortográfica as duas palavras ficam com hífen ou sem, se unidas ou separadas. Gosto delas separadas, que fiquem assim!) que encantou meus olhos, escrita pelo mestre Manoel Carlos e dirigida pelo próprio filho de Maysa, Jayme Monjardim, me fez compreender que podemos analisar a vida por vários vieses, por várias perspectivas, e que realmente, o mais belo, assim como a obra, é o que optar por deixar o coração falar, seja da forma que for e desde que convenha à sua moral, por se conhecer a si mesmo, por se vivenciar com intensidade cada detalhe e momento da existência humana, por se caminhar pelo conhecimento do amor, e por se ter a tão necessária paz interior.

Precisamos deixar nossos corações falarem mais alto que nossas crenças, ideologias, razões. Precisamos parar para ouvir nosso próprio coração.

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