terça-feira, 20 de janeiro de 2009

A ETERNA MESMICE DA VAIDADE


Se o ser humano possui várias características, uma que prevalece com notoriedade é a vaidade. Em alguns indivíduos de forma latente, em outros nem tanto. Alguns se preocupam com a beleza física, passando horas e mais horas cuidando-se em academias, tomando vitaminas e outras substâncias com a finalidade de expor seus corpos malhados, ‘em forma’. Outros demonstram a vaidade adquirindo bens: carros, mansões, sítios, casas de veraneio, empresas, ações na bolsa de valores; vivem por conta do ter, sempre mais e mais. Há ainda aqueles vaidosos por seus conhecimentos científicos e empíricos; estes sempre estão com os peitos estufados, com a voz firme ao explanarem seus conhecimentos acadêmicos ou experiências adquiridas pela vida afora a custa de seus cabelos brancos. O certo é todos somos vaidosos, o que nos diferem talvez seja a forma como a vaidade irá se apresentar.

Conta-se que um grande sábio judeu, que vivera na Palestina no período em que a cultura helenística encontrava-se em pleno processo de expansão por todo o Oriente Médio, há séculos e séculos atrás, decidiu escrever uma obra para deixar registradas suas experiências de vida, tão ensinadas em seus discursos perante a assembléia. Tal solilóquio produzido era a discussão de seu sábio autor consigo mesmo, um conflito interno, onde se consideravam realidades opostas entre si, tais como a vida e a morte, a riqueza e a pobreza, a sabedoria e a estultícia. Como que numa sessão de terapia, tal sábio eterniza nas palavras suas inquietações internas acerca da vida, de seus conhecimentos empíricos e da certeza de que tudo o que produzira anos a fio era fruto da vaidade, para chegar a concluir que a vida para ser bem vivida necessita-se apenas das pequenas alegrias da vida cotidiana, como o comer, o beber e a satisfação pelo trabalho bem feito, o que excede isto, segundo tal sábio, é mera vaidade.

A partir da análise de seus relatos solilóquicos, percebe-se que tal sábio judeu possuía durante sua existência três tipos de vaidades: pelas possessões, pela sabedoria e pelo trabalho; às quais empenhou tempo e força e as compreendeu como vazias, inconsistentes, fugazes, tais como um sopro, a névoa ou uma rajada de vento.

Sobre sua vaidade por possessões concluiu: “Empreendi grandes obras; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas. Fiz jardins e pomares para mim e nestes plantei árvores frutíferas de toda espécie. Fiz para mim açudes, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as árvores. Comprei servos e servas e tive servos nascidos em casa; também possuí bois e ovelhas, mais do que possuíram todos os que antes de mim viveram em Jerusalém. Amontoei também para mim prata e ouro e tesouro dos reis e de províncias; provi-me de cantores e cantoras e das delícias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres. Engrandeci-me e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em Jerusalém; perseverou também comigo a minha sabedoria. Tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas. Considerei todas as obras que fizeram minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol”.

Pela vaidade por sabedoria passou “a considerar a sabedoria, e a loucura, e a estultícia. Que fará o homem que seguir ao rei? O mesmo que outros já fizeram. Então vi que a sabedoria é mais proveitosa do que a estultícia, quanto a luz traz mais proveito que as trevas. Os olhos do sábio estão na sua cabeça, mas o estulto anda em trevas; contudo, entendi que o mesmo lhes sucede a ambos. Pelo que disse eu comigo: como acontece ao estulto, assim me sucede a mim; por que, pois busquei eu mais a sabedoria? Então, disse a mim mesmo que também isso era vaidade. Pois, tanto do sábio como do estulto, a memória não durará para sempre; pois, passados alguns dias, tudo cai no esquecimento. Ah! Morre o sábio, e da mesma sorte, o estulto!”.

E por fim, em relação à vaidade do trabalho, afirmou: “Também aborreci todo o meu trabalho, com que me afadiguei debaixo do sol, visto que o seu ganho eu havia de deixar a quem viesse depois de mim. E quem pode dizer se será sábio ou estulto? Contudo, ele terá domínio sobre todo o ganho das minhas fadigas e sabedoria debaixo do sol; também é vaidade. Então, me empenhei por que o coração se desesperasse de todo trabalho com que me afadigara debaixo do sol. Porque há homem cujo trabalho é feito com sabedoria, ciência e destreza; contudo, deixará o seu ganho como porção a quem por ele se esforçou; também isto é vaidade e grande mal.”

Para ratificar tais conclusões acerca de suas vaidades ressalta a mesmice dos acontecimentos contínuos da existência terrena de toda humanidade, ao escrever em sua obra: “Geração vai e geração vem; mas a terra permanece para sempre. Levanta-se o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar, onde nasce de novo. O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte; volve-se, e revolve-se, na sua carreira, e retorna aos seus circuitos. Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche; ao lugar para onde correm os rios, para lá tornam eles a correr. Todas as coisas são canseiras tais, que ninguém pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem se enchem os ouvidos de ouvir. O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram antes de nós. Já não há lembranças das coisas que precederam; e das coisas posteriores também não haverá memória entre os que hão de vir depois delas”.
Tal sábio desconhecido, relatado no livro de Eclesiastes por seus devaneios registrados, que por alguns fora considerado como sendo o rico rei Salomão, concluiu sua compreensão em sua investigação sobre o que é bom para o ser humano saber e viver adequando tal conhecimento à sua conduta, apelando à discricionariedade divina ao afirmar que “... Deus dá sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada; mas ao pecador dá trabalho, para que ele ajunte e amontoe, a fim de dar àquele que agrada a Deus. Também isto é vaidade e correr atrás do vento”.

Seguindo esta linha de raciocínio, se falo de vaidades, é preciso falar de virtudes. Para isto baseio-me em outro sábio: Aristóteles (384 A.C), do norte da Grécia e dedicado aos estudos acadêmicos da Filosofia Antiga, às viagens para outros países em busca de conhecimentos empíricos, e ao Liceu, academia que fundara por discordar dos pensamentos platônicos, uma vez que por ser realístico, diferenciava-se do idealismo de Platão.

Sobre as virtudes, Aristóteles considerava-as como ciências práticas. A partir do conceito de ARETÉ, propôs o filósofo grego a busca pela excelência, por entender que tudo o que está em nossas mãos busca nos melhorar como pessoas. Estas, as pessoas, ele classificou-as entre a nomia (estão abaixo da média; são aquelas que são levadas pelas circunstâncias); a heteronomia (estão na média; são aquelas guiadas por leis externas e que cumprem apenas seus deveres) e a autonomia (estão acima da média; são aquelas que encontraram a virtude por agirem não guiadas por leis humanas, nem por circunstâncias, mas sim porque alcançaram um desenvolvimento interno que faz com que tudo o que se faça seja uma opção, uma decisão em fazer o melhor, independentemente de benefícios e conseqüências).

Ensina também Aristóteles que a virtude é viva, não intrínseca às pessoas. É fruto da dedicação da pessoa em repeti-la. É fruto do hábito de ser virtuoso, a ponto de que esta faça parte da identidade do ser como pessoa. Ainda para Aristóteles, a virtude pode ser intelectual (resultado do ensino, adquirida pelo tempo e pela experiência - razão pela qual os idosos são respeitados na cultura grega) ou moral (resultado do hábito, do exercitar).

Interligo o sábio judeu desconhecido de Eclesiastes ao sábio filósofo grego Aristóteles, porque ambos, talvez por meios diversos, chegaram a um denominador comum: a busca do justo-meio, da moderação. Se para o sábio judeu desconhecido a vida para ser vivida de forma feliz é necessária apenas as pequenas alegrias da vida cotidiana, como o comer, o beber e a satisfação pelo trabalho bem feito; para o filósofo grego, o caminho da virtude, que passa pelo justo-meio, pela moderação, leva a pessoa a viver de forma consistente.

O justo-meio, desejado pelos que exercitam a virtude moral, é a busca pelo equilíbrio entre dois extremos, que se encontram viciados, seja pelo excesso ou pela falta. Destarte, a confiança é o justo-meio entre o medo e a desconfiança; a temperança é o justo-meio entre o hedonismo (prazeres do corpo) e o ascetismo (tratamento doloroso com o corpo em busca de uma vida rigorosa); a liberalidade é o justo-meio entre a prodigalidade e a avareza; o justo-orgulho é o justo-meio entre a honra e a desonra, entre a superioridade e a inferioridade; a calma é o justo-meio entre a cólera (ira descontrolada) e o pacato (falta de reação); a veracidade é o justo-meio entre a jactância (exagero, soberba, altivez, vaidagem) e a falsa modéstia (falta compreensão do que de fato somos); a amabilidade é o justo-meio entre o obsequioso (indivíduo que só quer receber favores) e o lisonjeiro (indivíduo que doa para receber lisonjeio e não porque ama).

Esta enfim, é a tarefa proposta: enquanto seremos humanos que vivemos a mesmice da existência terrena, precisamos saber trabalhar a vaidade para não nos iludirmos pelas escolhas e práticas da vida, bem como procurar desenvolver nossas virtudes morais, totalmente humanas e terrenas, através da prática reiterada do justo-meio em nossos comportamentos e práticas sociais. Isto é o que nos ensinou com as próprias vidas os sábios que por aqui já passaram. Não nos custa ao menos ouvi-los e meditar a respeito! Tenha uma boa meditação!

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