terça-feira, 16 de novembro de 2010

VIOLÊNCIA E ALTERIDADE: SOBRE A LÓGICA PERVERSA DA MODERNIDADE TARDIA


Todos nós vemos o mundo e não podemos fazê-lo diferente, a partir do nosso “eu”. Isto acontece porque vivemos numa sociedade altamente narcísica, onde o “outro” é o inimigo. Nesse sentido, pensar a dicotomia da alteridade versus violência passa por um funcionamento psíquico que é persecutório, denominado como “paranóia”, ou seja, a análise persecutória da realidade com angústia.

Vivemos numa era com cultura psicologizada, onde há o embate da filosofia com a realidade. Há o desejo de se ter uma sociedade inclusiva, aberta para todas as diferenças, com maximização das realidades, fruto de uma educação sob a ótica dos Direitos Humanos. Não obstante, de fato, o que se vê é a distância entre ideal teórico versus prática social, a realidade efetiva. Cabe indagar: Acontecerá isto, de forma linear?

A figura da ética se faz salutar nesse momento. Entende-se por ética “a tentativa de fazer com que o discurso possa torna-se transfundido na vida, no cuidado no encontro de cada um”. É a ética, portanto, o encontro entre o teórico e o afeto.

Nessa relação do Campo do afeto versus Campo Teórico é importante que se distancie da teoria para ver a realidade e a sua violência. É o que a filosofia denomina de reflexo. Reflexo significa inclinar-se para trás. Ao voltar para trás, olha-se o que já se passou, o que já se viveu. É o retorno ao vivido e distância do vivido imediato, a afecção. A reflexão não visa ficar enclausurada no pensamento, mas voltar à realidade, remetendo-se ao “Mito da Caverna”, alegoria encontrada no livro VII de “República”, de Platão.

Cabe à Filosofia esse objetivo: ser uma ciência teórica que se encontra na realidade no “cuidado consigo mesmo” e no “cuidado com os outros”, sendo o “cuidado com a alma” entendido como o “eu” na solicitude para o outro, e com o “nós” comunitário.

No que se refere às ideologias, para a filosofia, devem ser vista como suspeitas. Para Marx, por exemplo, não há revolução sem teoria revolucionária. Na perspectiva filosófica, se faz necessária a realização da distância crítica, de se metaforizar, ou seja, de se distanciar e depois promover a interseção (retomando a idéia da alegoria do Mito da Caverna) para a prática.

Para compreender a revolução enquanto progresso cabe a necessidade de ser conhecer seu histórico. Analisar a técnica, a evolução, pela perspectiva filosófica, vide Esboço Histórico do Progresso Humano (Condorcet, 1794). Como prova disto a análise do século XX, marcado como a realização da técnica e a garantia de direitos, porém onde também existiu uma violência inaudita, com a 1ª e a 2ª Guerra Mundial.

A filosofia se alicerça nesse contexto com a teoria da “Heurística do Medo”, que, nada mais é, do que a prudência diante do rumo da história. Por exemplo prático: o senso comum afirma “o crescimento econômico e avanço tecnológico é intrinsecamente bom”. A heurística do medo afirma “é necessário de ter medo de ser sempre bom o crescimento econômico e o avanço tecnológico”.

Pode parecer, mas não se trata de um posicionamento pessimista perante as coisas, mas sim um posicionamento em razão de se promover um afastamento reflexivo sobre as coisas.

Neste sentido, considerando a necessidade de reflexão sobre a modernidade e visando uma prática de alteridade, faz-se necessário analisar as hipóteses sobre a existência da violência.


A primeira hipótese: A violência como não resíduo da animalidade humana. Não é natural.

A barbárie do Ocidente é interior, vem de dentro, não da animalidade, mas da humanidade.

Trata-se de uma condição antropológica fundamental a violência: somos todos desprotegidos, logo a constituição psíquica, firmada na subjetividade, traz o desamparo e a necessidade de defesa, de se proteger diante do outro.

Assim, o correto seria utilizar o termo violência para referir-se a humanos, e o termo agressividade para animais.

A defesa do desamparo pode se manifestar pela linguagem, pela cultura, pelas atitudes, sendo todas estas formas de apresentação da violência.


A segunda hipótese: A cultura é o lócus da violência e o lócus da defesa da violência.

A cultura nesta hipótese produz a violência e os recursos simbólicos para proteger-se da violência. Por exemplo, temos as regras de comportamento, que visam defender-se da violência. Nesta perspectiva, a cultura e violência estão entrelaçadas.

A cultura enquanto violência pode se manifestar por meio de um ritual sacrificial: é a violência colocada em alguém. Por exemplo, nos bodes, para os deuses, razão pela qual há sacrifícios.

A violência cultural neste sentido recorre para o Sagrado, onde se pode expressar a violência e oferecer uma via de escape.

Assim, pode concluir sob a luz desta hipótese que:

a) o homem é violento porque tem cultura e vai criar recursos de neutralidade dessa violência.

b) A cultura é contraditória e o processo de civilização não paralisa o crescimento da violência.

c) A sociedade quanto mais complexa, maior torna o risco de crescimento da violência. Faz parte da condição humana, e pode torna-se potencialmente mais perigosa com o avanço à civilização.


Conclusão:

Se de fato, em tudo há a violência, seja como resultado da posição iluminista com a defesa do progresso e do avanço, seja pela desilusão, cabe à heurística do medo trazer outras soluções.

A violência (como crescimento do “eu” individual ou coletivo), enquanto crise de identidade imaginária cria o desamparo e angústia. Por isso, projeta-se num objeto, sendo este a figura do outro, por este a causa que ameaça minha identidade imaginária. Este outro é também uma figura imaginária (as minorias religiosas, por exemplo), onde o “eu” externa o afeto (o sentimento) pelo ódio, pelo massacre.

Como se pode, portanto, compreender o outro não como ameaçador?

Se pudermos fazer o outro aceitar nossa subjetividade, pela alteridade, não sendo assim necessário massacrar o outro.

Assim, superando as hipóteses acima descritas, pode-se concluir que não basta o “eu” e “outrem”. Precisa-se de um terceiro: a figura do principio de transcendência, de formulações diversas, subjetividades transcendentais. A religião neste contexto é a metafísica (conceito filosófico), onde a “meta” visa justamente o encontro de uma terceira posição.

A modernidade tardia se caracteriza pela perversão, onde o outro não é reconhecido como o outro. Por exemplo, o homossexual pelo heterossexual, o negro pelo branco. É a tentativa de neutralizar o outro enquanto sujeito.

Para tanto, a filosofia visa desconstruir todo o elemento terceiro, e convidar a todos a viver a vida nua, gozosa. Para além do “eu” e “outrem”, desejando-se o “nós”. Assim, a violência do real que vê o outro como inimigo torna-se sociosimbólica, de forma natural, real.

É, portanto, a superação do narcisismo que afirma não se poder fazer nada diante da realidade, por ser assim que funcionam as coisas. Fruto de uma lógica perversa de um sujeito pós-traumático, caracterizado pelo fato de abdicar do pensamento e que aceita as coisas como assim são. O inimigo (o outro) para este, se dá pela ausência da hermenêutica, sendo uma mera patologia psíquica desconhecida.

A filosofia traz um convite ao pensamento, numa perspectiva que remete à Hölderlin: “Onde mora o perigo ali também cresce a salvação”. Porém não somente a prática de pensar, mas também à realização de práticas de resistências, sendo estas entendidas como formas de interpretação e de rejeição de respostas prontas com o que acontece.

“A compreensão é resistir, questionar”.

Resumo da palestra proferida pelo Professor Doutor Carlos Roberto Drawin da Faculdade de Filosofia da UFMG, no dia 10 de novembro de 2010, na Conferência de Abertura do VI Seminário Sociedade Inclusiva: Os Discursos sobre o Outro e as Práticas Sociais, promovido pela Pró-reitoria de Extensão e Sociedade Inclusiva da PUC MINAS, no Teatro PUC Minas campus Coração Eucarístico. Belo Horizonte – Minas Gerais.

 
COMO CITAR ESTE ARTIGO:
NOVAES, Edmarcius Carvalho. "Violência e Alteridade sobre a Lógica Perversa da Modernidade Tardia". Disponível em http://www.edmarciuscarvalho.blogspot.com/
 em 16 de novembro de 2010.

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