sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

SOBRE A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA – PARTE 2 – PLATÃO


Platão, filósofo grego que viveu entre 427/8 e 347/8 a.C, traz a primeira grande reflexão sobre política no Ocidente, através de sua obra A República. Em sua época a política era indissociável da ética e ambas eram ligadas diretamente à teoria do conhecimento, à metafísica, o que justifica estar na metafísica fundamentada toda a filosofia política platônica.

O fundamento político de Platão é exterior, é metafísico. Isso significa mobilizar as categorias da teoria do conhecimento, da teoria das Idéias – idéias extramundano – para a utopia de se fundar uma cidade idealizada como a perfeita, denominada A República, tendo como paradigmas as idéias de Bem e de Justiça, num traço totalmente transcendente.

Os diálogos platônicos podem ser divididos por meio da classificação de suas obras, ou seja, em obras de “juventude”, de “maturidade” e de “velhice”. A partir da segunda categoria temos as obras onde Platão apresenta a Teoria das Idéias (ou do conhecimento).

A gênese dessa teoria está na apologia de Sócrates, realizada de Platão. É por meio da personagem de Sócrates que Platão expõe, portanto, sua Teoria das Idéias. Sócrates viveu no século V a. C e morreu no ano 399 a.C, sem deixar obras escritas e condenado a morte em Atenas, por ter sido acusado de desrespeito aos deuses, criação de divindade próprias e por perverter a juventude, uma vez que problematizava os valores da sociedade ateniense. Nesse sentido, a filosofia nasceu com a problematização da ética, o que a tornou à época uma ameaça à cidade.

O Oráculo de Delfos (em Delfos havia um templo, onde Apolo fornecia oráculos, predizendo o futuro) afirmou que Sócrates era o mais sábio e tal declaração era irrefutável, uma vez que as afirmações do Oráculo eram tidas por todos como divinas. Sócrates então, para ver se realmente era o mais sábio, teve contato com vários homens considerados sábios com o objetivo de desvendar o que fora proclamado a seu respeito, uma vez que se sabia como ignorante. Após esses contatos, Sócrates percebeu que tinha um único conhecimento: sabia que nada sabia. 

A grande pergunta de Sócrates foi: “O que é?”. Tal pergunta significa interpelar pelo "ser", é quer conhecer o estatuto ontológico do que é questionado. Quando se pergunta o que é não se pergunta pelo particular, e sim pelo universal. (O conceito de universal nos estudos platônicos é realizado somente por Aristóteles, em sua obra A Metafísica, sobre Sócrates). Perguntar pelo "o que é" visa conhecer a natureza, a essência do objeto questionado, pelos traços gerais presentes em qualquer particular.

As obras de Platão sobre Sócrates definem os critérios para responder essa pergunta sobre “o que é?”. A resposta deve ser sempre permanente, e é caracterizada pela imutabilidade. Só nas obras de maturidade é que Platão apresenta “a essência” como uma resposta positiva para a pergunta socrática. Até então, nas obras de juventude, suas respostas eram aporéticas, ou seja, negativas, permeáveis, uma vez que não se explicava a essência, mas utilizava-se de exemplos para responder a indagação socrática.

E é exatamente nestas obras aporéticas onde se há o ganho de elucidar a ignorância de Sócrates. Sócrates era o mais sábio porque sabia que nada sabia e os outros suponham saber, mas não sabiam nada na verdade. As obras aporéticas tem ganho positivo justamente por demonstrar a lucidez da própria ignorância de Sócrates ao perguntar o que é, sem responder com a essência, e sim com os exemplos a respeito dos objetos indagados.

Com o neologismo criado da Teoria das Idéias, criado por Platão em suas obras classificadas como “de maturidade”, é que se têm o primeiro traço de caráter inteligível desses conceitos. Estes são incorpóreos, não materiais. São inteligíveis, e portanto, não são suscetíveis ao devir, pois não mudam, não evoluem, justamente por serem extramundano. Da mesma forma são insensíveis, ou seja, não são perceptíveis pelos cinco sentidos humanos. O que é inteligível só se pode apreender pela inteligência e não pelos sentidos. Não se fundamentam em si mesmo porque a essência não se muda. As essências são as idéias, que são imutáveis.

A teoria do conhecimento de Platão sobre o problema da relação entre a teoria e a prática se dá com a obra A República, de cunho político. Esta obra é a primeira utopia de Platão, ou seja, a primeira tentativa de idealizar uma realidade perfeita. A partir desta teoria das idéias (do conhecimento) e por conhecer a essência do mundo, o filósofo entende que pode formatar uma cidade ideal. No livro VII de A República, a relação de contemplação (teoria) e ação (prática) se dá com a contemplação valorizada, em detrimento e subordinação da atuação mundana, indissociável da ética, com a utilização da "Alegoria da Caverna".

A "Alegoria da Caverna" afirma que havia um muro bem alto separando o mundo externo e o mundo interno de uma caverna. Nessa caverna existia uma fresta por onde passava um feixe de luz externa. No interior da caverna permaneciam seres humanos, que nasceram e cresceram ali. Estes ficavam de costas para a entrada, acorrentados, sem poder mover-se, forçados a olhar somente a parede do fundo da caverna, onde eram projetadas sombras de outros homens que, além do muro, mantinham acesa uma fogueira. Pelas paredes da caverna também ecoavam os sons que vinham de fora, de modo que os prisioneiros, associando-os, com certa razão, às sombras, pensavam ser eles as falas das mesmas. Desse modo, os prisioneiros julgavam que essas sombras sejam a realidade. Quando um desses prisioneiros conseguiu se libertar e, aos poucos, se mover e avançar em direção do muro e o escala, e após enfrentar dificuldades com os obstáculos e consegue sair da caverna, este descobriu não apenas que as sombras eram feitas por homens como eles, mas também todo o mundo e a natureza.

Para Platão, ao explicar a "Alegoria da Caverna", o interior da Caverna pode ser compreendido como o nosso próprio mundo. Nessa concepção, a luz é o exterior ao mundo corpóreo, às coisas, trata-se de uma realidade inteligível. Esse prisioneiro que conseguiu sair da caverna é a figura do filósofo, que tem acesso ao conhecimento, à essa luz exterior, à essa realidade inteligível.

A “Alegoria da Caverna” que Platão expõe no livro VII d’A República propõe que o filósofo após sair da Caverna necessita retorná-la. Quando o filósofo sai da caverna o mesmo encontra a possibilidade de contemplar idéias e ter encontrado a felicidade, conhecendo a justiça em si e o bem em si. A proposta é que o filósofo tenha a alma apegada às idéias do bem, que são supremas às todas as outras idéias e coisas, pois as ilumina e tem a mesma natureza da alma, da essência, e não a de objetos do mundo com suas constantes transformações.

É a partir desse contato com a Idéia do Bem que se pode construir conhecimento, ciência, episteme, uma vez que somente há conhecimento naquilo que é permanente, imutável, com as idéias. Na sua referência ao personagem Socrátes, Platão utiliza-se da figura do Filho do Bem, uma alegoria do Bem em si descoberto fora da Caverna, que desempenha o papel de gerar no mundo sensível resultados idênticos ao Sol no mundo das Idéias, cuja finalidade é iluminar todas as coisas, tornando-as inteligíveis.

A importância de o filósofo retornar à caverna é possibilitar que o conhecimento do Bem em si e da Justiça em si, que traz consigo, seja levado ao mundo das sombras existente no interior da caverna, podendo examinar as faltas existentes com o propósito de reordená-las. Assim, pode tornar esse mundo (a cidade ideal, a República) bom e justo, conforme as idéias de Bem e Justiça apreendidas na sua vivência extramundana, fora da Caverna.

Outra finalidade do filósofo ao retornar à Caverna é fazer-se sagrar rei, ou seja, ter assunção do poder político. Seu governo será um governo de um rei-filósofo, moldado pelas idéias, e a partir destas irá formatar seu governo. Suas ações serão sempre subordinadas ao ato da contemplação, tendo neste a sua finalidade por entender que as idéias são infinitamente maiores que as ações, que as coisas sensíveis.

Esse governo do filósofo que torna rei será tirânico, pois este é tido como uma autoridade e sabedoria divina, já que se considerará um deus em relação aos demais habitantes da Caverna desprovidos do conhecimento adquirido fora da Caverna. Será também eterno, imutável, inquestionável. Seu governo é caracterizado por uma tirania da razão, uma vez que existe uma distância entre o rei-filósofo que retorna à Caverna para governar e seus governados, súditos, regidos a partir de normas e padrões extramundanos e de conhecimento exclusivo do filósofo.

O filósofo também tem por motivo retornar à escuridão da Caverna por ter sido formado como filósofo pela Cidade, pois para Platão estes são educados pela cidade, e nada mais justo que, por conseqüência, retribua-lhes com a visão da verdade, descendo à habitação comum dos outros e habituando-se a observar as trevas. Assim, posteriormente, pode ser considerado melhor do que os que lá se encontram, pode entender cada imagem e o que representa devido já ter contemplado a verdade no que se refere ao belo, ao justo e ao bom, fora da Caverna.

Outra motivação de Platão para criar essa filosofia política é que o mesmo deseja criar com a apologia de Sócrates uma cidade com espaço para filosofo, uma vez que este último não encontrou condições de fazer existir a filosofia por ter sido condenado à morte.

Como conseqüência dessa motivação política há uma filosofia com fundamentação não histórica e nem política, como se pode pensar, mas sim com uma fundamentação extramundana, e por assim o ser, não é democrática, haja vista que o povo não poderá questioná-la, pois caso assim o faça, estará questionando as determinações divinas. É a existência de uma tirania da razão, conforme classifica a filósofa moderna Hannah Arendt, onde o transcendente é inquestionável.


OBSERVAÇÕES:

1. Este texto é um resumo que produzi com o material de aula da disciplina “Introdução à Filosofia” da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA – Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares. Produzido em 02/12/2011.

2. A primeira parte dessa série é introdutória, explicando a problematização da relação entre a teoria e prática. O conteúdo você acessa aqui

3. Na próxima parte iremos analisar a mesma problemática, a partir da nota sobre a vida teorética e vida política em Aristóteles.

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