quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA I – O EXISTENCIALISMO COMO HUMANISMO EM SARTRE




O presente texto é uma produção realizada a partir de um fichamento da Unidade 1 do Guia de Estudos (SILVA, 2013), da disciplina “História da Filosofia Contemporânea I” do Curso de Licenciatura em Filosofia, que realizo pela Universidade Federal de Lavras.

Trata-se de estudo sobre o existencialismo sartreano e as críticas que o mesmo sofrera, sobretudo, do existencialismo cristão e do marxismo. Sugiro que você leitor que se interessou pela temática, caso desconheça a história do filósofo francês Sartre, que acesse esse link, leia-o e a partir disto, compreendendo um pouco sobre o autor em tela, realize a leitura do fichamento abaixo. Bons estudos!




FILOSOFIA EXISTENCIAL E ÉTICA: 

Em O Ser e o Nada, em suas últimas páginas, Sartre apresenta uma série de questões de ordem moral decorrentes de reflexão ontofenomenológica, que apontam para uma relação entre liberdade e valor. Essa relação analisa o sentido absoluto da escolha pela qual o sujeito se constitui e tem como temática a presença da subjetividade na condição ética que caracteriza a realidade humana.

As maiores críticas que surgiram ao perfil de concepção existencial de Sartre dirigem-se as questões éticas acerca das consequências das teses ontológicas produzidas, sobretudo, no que se refere à solidão e à angústia, decorrentes da definição da consciência como liberdade originária de escolher e de se escolher. 

Em O Existencialismo é um Humanismo, o filósofo francês refuta as criticas com o intuito de defender o existencialismo. Tal defesa se dá porque as criticas não dizem respeito aos aspectos mais originais da ontologia fenomenológica de Sartre. Ao contrário, fundam-se na dimensão ética, uma vez que o procedimento adotado por Sartre visa condutas de uma subjetividade intencional enquanto existencialista, e, sobretudo, porque as noções que fornecem a compreensão existencial das condutas relacionam-se aos modos de ação do sujeito, onde o “Para-Si” é o fazer a si próprio, a partir de escolhas livres que definem projetos entendidos como modos pelos quais a subjetividade antecipa a efetuação da existência, conduzindo à questão ética dos critérios de auto-constituição do sujeito. 

Outro objetivo do autor com a conferência acima citada era refutar criticas de que sua filosofia existencial era um anti-humanismo, sobretudo, de dois tipos: um tipo de crítica que apontava ser um espiritualismo difuso, e outro que inscreve o existencialismo na vertente tradicional dos filósofos da subjetividade. Ambos assinalam que o existencialismo difere-se pela exacerbação do solipsismo implicado na afirmação do cogito e suas consequências.

Sartre refuta a possibilidade de solidariedade de fatores externos (transcendentes a contingencia humana ou do plano de construção da comunidade histórica), quando aboca para a consciência determinada que cada indivíduo tenha de sua realidade na totalidade, negando de vez o humanismo vinculado à transcendência metafísica e ou à condição histórica. A partir disto, surgem criticas sobre um possível niilismo a partir dessa nova filosofia, bem como uma querela com o existencialismo cristão, herdado de Kierkegaard, e discussões que se referem ao sentido da transcendência. 



A SUBJETIVIDADE E A LIBERDADE: 

O existencialismo, cristão ou ateu, entende que a “existência perece a essência, ou se se preferir, que é necessário partir da subjetividade” (SARTRE, 1987, p. 5). Sartre tentando defender o existencialismo das criticas que existiam, considerava ambas as afirmações equivalentes. Porém, não é tão clara essa ambivalência. 

A definição clássica de ser “necessário partir da subjetividade” foi utilizada por Descartes, para construir a filosofia essencialista por meio da subjetividade, porque entende que nesta há uma essência capaz de definir o homem, que não tem origem nele próprio, mas em Deus. 

A essência da subjetividade que fora apontada por Descartes foi objeto de crítica de Sartre que pedia a coerência do existencialismo cristão que concebia um Deus criador e ao mesmo tempo a existência como ponto de partida, uma vez que Deus sabia o que se criaria antes de criar, havendo uma anterioridade do saber em relação à criatura, ou seja, havia uma anterioridade do conceito em relação à coisa ou da essência em relação à existência.

Isso se dá porque na concepção do existencialismo sartreano, que é ateu, o homem só pode ser designado como o ser em que a existência preceda a essência, uma vez que somente neste caso o homem pode ser definido como aquilo que a posteriori fizer a si mesmo. A precedência da existência em relação à essência significa a recusa da noção de natureza humana. É a ausência de natureza no homem que o faz definir o seu ser como o existir, isto é, em vez da plenitude identitária, há o constante processo de vir-a-ser que nunca se consolida como ser. No ponto de vista do conhecimento, isso significa que não há acerca do homem uma inteligibilidade a priori que condicione universalmente tudo que pudermos vir a saber sobre ele. O homem, assim, não é universalmente condicionado à priori porque ele é a própria condição imanente do que possa vir a ser.

Pela precedência da existência pode-se ter a radicalidade de entender o homem como sujeito, na medida em que a subjetividade é uma consequência da prioridade da existência como consciência ou “Para-si”. Isso aponta que o homem não deve a qualquer outra instancia a sua condição de sujeito, sendo tal condição reiterada no seu exercício efetivo, precisamente por não ser essência, uma vez que a subjetividade não é prerrogativa essencial da alma. Na subjetividade está a realidade humana, sendo tomada na sua inteira contingencia. 

Exercitar a subjetividade na contingência é a liberdade. A descrição ontológica que acede à liberdade elucida a consciência. O caráter originário da liberdade se dá quando o homem recusa o Deus criador, e passa ser o homem a origem do próprio homem, ou seja, a liberdade. Origem, nesse contexto, é a indeterminação originária que é a única descrição que convém à liberdade, sendo, a identificação entre subjetividade e liberdade completa. 

  


DESAMPARO E RESPONSABILIDADE: 

Na existência ou realidade humana, quando da identificação entre subjetividade e liberdade surge outra característica do ser: o desamparo. Trata-se da condição originária constitutiva da existência, uma vez que o homem jamais teve em que se amparar. Não é abandono. É a condição do próprio homem. O desamparo, portanto, não é negativo. Nada havendo que possa amparar a si ou à sua liberdade, o homem está inteiramente entregue a si mesmo, à sua liberdade e à sua responsabilidade. 

Nesse sentido, a filosofia de Sartre difere-se da metafisica tradicional e também do existencialismo cristão, no que se refere ao sentido da transcendência. A transcendência deixa de ser algo no sentido que exista antes ou acima do homem e passa a ser uma ação humana: é o homem que se transcende quando projeta no futuro aquilo que tem de ser, ou o que há de fazer de si mesmo. Se a transcendência pode ser representada como o além do homem, é, no entanto, o próprio homem que se lança para além de si, por via do que projeta ser. O caráter originário da liberdade e o caráter não outorgado da subjetividade fazem com que não haja propriamente limites, nem transgressão. Sem valores pré-estabelecidos, há um estado de desamparo da realidade humana. Todas as possibilidades são instituídas no âmbito da realidade humana pelo sujeito. Não há nada fora da realidade humana. O homem será sempre unicamente o que tiver feito de si.

Por tal razão, é o homem inteira e unicamente responsável por si mesmo. Se tudo é permitido, cada um escolhe o que lhe é permitido fazer, sem critérios previamente definidos, assumindo a responsabilidade pela escolha. A condição humana é, portanto, condição de total responsabilidade por ser a condição de liberdade total. A subjetividade só pode atingir a realidade e a radicalidade de seu significado se associada ao peso de liberdade, ou seja, à responsabilidade que decorre de sua liberdade.

O alcance de tal responsabilidade está no alcance universalmente humano que reveste cada ato individual, pois os valores são criados pelo homem (e não mais por critérios superiores aos homens), que os universaliza. Não se tem valores universais a priori. Torna-se universais as opções feitas pelos homens, e assim, cada um escolhe por todos e cada vez que escolhe para si mesmo. 

Pela essência não preceder a existência, significa que a humanidade não precede o homem, e por isso, que cada homem, encarnação concreta e singular da humanidade, necessariamente, confere às suas opções o estatuto de universalidade. 




SUBJETIVIDADE E UNIVERSALIDADE: A ANTIGUSTIA: 

A angústia é a consequência do sofrimento da liberdade, é o alcance dessa responsabilidade, onde a angustia deriva de que cada uma das escolhas há também uma legislação de teor universal. Decorre da relação complexa entre subjetividade e universalidade. Diferente da tradição onde a subjetividade pode participar de uma universalidade transcendente, que a superava e a fundava, na universalidade do existencialismo, a subjetividade é a liberdade absoluta à qual o sujeito se encontra, ao transpor os limites de sua existência humana, e a partir disto, dentro dessa limitação, ao se exercer a liberdade ilimitada, de suas escolhas, se tem o universal. Ao se escolher ou escolhendo para o si, o sujeito escolhe também certa imagem que é o homem, universal. Aqui está o sentido ético da escolha existencial, onde ela é um juízo, e a cada escolha, há um juízo, de acordo com a responsabilidade que é inerente ao julgamento, enunciando um juízo universal.

A subjetividade sartreana é diferente da subjetividade clássica. Nesta ultima, a subjetividade é uma substancia dotada de atributos, entre os quais uma vontade livre que pode associar-se ou submeter-se aos outros atributos. A liberdade aparece como algo que o sujeito tem. Nesse contexto, a subjetividade sartreana é criticada, levando em consideração fatores externos à subjetividade, pelo humanismo existencialista cristão (onde se nega a realidade a seriedade dos empreendimentos humanos, que suprimem os mandamentos de Deus e os valores inscritos na eternidade), e pelos marxistas (que entende que a subjetividade sartreana incita às pessoas a contemplação, e a permaneceram no imobilismo do desespero).

No entanto, Sartre refuta tais críticas ao entender que a vida humana tem de ser possível a partir de si mesma. Propõe a superar a dicotomia presente nas duas críticas, ou seja, de um lado, certo espiritualismo (metafisica cristã) que privilegia a interioridade, e de outro lado, o privilegio da exterioridade como natureza e historia exercendo função condicionante sobre a subjetividade. É a recusa de uma interioridade subjetiva que se apresenta como dependente da ordem divina que a determinaria, bem como uma subjetividade exteriorizada no reflexo da história que também a determinaria. Noutras palavras, para não se alienar, o existencialismo recusa a identificação extrínseca do existente, seja como metafisica do absoluto, ou como metafísica da história.



CONTINGÊNCIA E DESESPERO: 

Sartre aponta que o desamparo e a angustia são decorrentes do existencialismo. O primeiro trata-se do traço antológico distintivo do existente, ou da realidade humana, onde se está num mundo sem razão ou essência que justifique a existência, e sem nenhuma definição previa que possa orientar o uso que deveria fazer da liberdade. O outro, é um traço ontológico, pois, como nada orienta previamente o exercício da liberdade, em cada ato livre comporta a responsabilidade pela invenção do valor que lhe corresponde, e a cada vez que se exercer a subjetividade livre, defino ou invento o homem, uma imagem que projeta universal e imperativamente a partir da escolha, que tem valor absoluto, uma vez que não depende de mais a não ser da própria liberdade. Essa angustia é decorrente do mundo opaco e de si mesmo, inerente ao ser finito.

O desespero é outra característica do existencialismo. É a ausência de rotas previamente traçadas no caminho da subjetividade. As escolhas se que faz por entender o que se deve ser, se dá num contexto de uma existência inteiramente contingente (de possibilidades, eventualidades), uma vez que não há qualquer determinação previa em relação aos acontecimentos nos quais as ações se inscrevem. O objetivo da ação nunca está prefigurado nela mesma, e o acontecimento não segue necessariamente o projeto e as intenções de quem o faz, razão pela qual Sartre estabelece a relação entre possibilidade e realidade no plano de ação como “agir sem esperança”, ou “não é preciso ter esperança para empreender” (SARTRE, 1987, p. 12 e 13).

Assim, refuta-se a acusação de quietismo, feita pelo existencialismo, uma vez que o desespero não inibe as iniciativas humanas. Não se deixa de agir porque a simples existência já é liberdade. Age-se porque o homem não sendo pré-definido por qualquer essência, precisa se fazer a si mesmo. Cada um é o que faz de si e nada mais do que isso. O desespero consiste em que, não tendo domínio antecipado sobre o curso dos projetos, define-se, entretanto, pelas ações efetivas, sendo inteiramente responsável pelos resultados. 



O CARÁTER HISTÓRICO DA EXISTÊNCIA: 

Agir sem esperança não é pessimismo, e sim ter consciência do caráter histórico da existência e do exercício da liberdade, ainda mais quando se trata do contexto das ações históricas, onde se depende de outros que também agem livremente. A expectativa de uma eventual unidade de ação que concorra para a consecução de certos objetivos situa-se no plano das possibilidades. Por tal razão, a ação é limitada não apenas no horizonte de sua efetividade, porque se não domina as circunstancias, mas também porque outras ações a limitam, num jogo de possibilidades. A liberdade de eleger a cada momento a ação impede que se estabeleça qualquer representação inteiramente clara quanto à efetivação de qualquer projeto.



O ENGAJAMENTO: 

O caráter histórico da existência repercute em outro problema que é o engajamento. Como o sujeito pode se comprometer com determinados objetivos históricos se não se tem condições de prever aonde conduzirá a própria ação assim como as dos outros? Se não se pode esperar nenhuma convergência e unidade efetiva das próprias ações e nem daqueles com quais se compartilha certas expectativas, qual sentido tem o compromisso? 

Não se pode afirmar nada a esse respeito porque querer antecipar o futuro seria como antecipar a realidade antes que ela se faça, isto é, antes que os homens se façam e façam a história. O compromisso está nesse sentido relacionado com o desespero, porque nenhum engajamento pode ocorrer a partir de uma garantia do futuro. Acreditar que há uma continuidade de ações que tende a superar a limitação dos projetos individuais é falso otimismo, uma crença no determinismo e, portanto, uma negar a liberdade. 

A objeção marxista acerca do sentido do compromisso é respondida por Sartre ao mostrar que o engajamento livre não pode se fundamentar num determinismo histórico. Associar o compromisso à liberdade se dá com a exclusão do engajamento histórico com sua certeza e determinação. Ele não se universaliza pela continuidade determinada das ações, mas sim de acordo com os limites impostos pelo presente que constitui o quadro de possibilidades imediatas. Só se tem saber histórico com a liberdade histórica, por via das subjetividades agentes, que agem sem esperança, ou seja, que se comprometem sem qualquer certeza. 

Antes de compreender o homem, a ação e a história, isso significa que é preciso compreender os limites do processo de existir no contexto do desenrolar da ação histórica, pois dessa forma compreende-se que há limites sem que se possa conhecê-los de forma objetiva, uma vez que os limites são existenciais e históricos, dando-se a conhecer na medida em que se constituem, e se constituindo na medida em que o sujeito tenta superá-los. Isso aponta para a importância da práxis, em Sartre, pois ela é vivida na forma dos projetos e dos limites que o sujeito enfrenta para realiza-la. 

O individuo, ao se definir pela condição, ou seja, pelo conjunto de limites que se esboçam enquanto situação fundamental do universo, vê em seus projetos humanos, tentativas de transpor, afastar, negar ou se adaptar à tais limites. Como consequência tem-se que qualquer projeto, por mais individual que possa ter, tem um valor universal. Nesse sentido, Sartre considera “que exista uma universalidade humana de condição”, pois “é sempre necessário estar no mundo, trabalhar, conviver com os outros e ser mortal”. A universalidade é uma essência metafisica anterior a existência concreta do sujeito. São traços ontológicos comuns a uma condição compartilhada, que configuram limites tantos objetivos (porque inerentes à condição humana) como subjetivos (porque cada sujeito os vive singularmente).



UNIVERSALIDADE DE CONDIÇÕES E INTERSUBJETIVIDADE: 

Considerando que o ponto de partida só pode ser a subjetividade, porque é a única verdade apreendida diretamente, Sartre afirma que a universalidade de condição tem três finalidades: uma, fixar traços ontológicos comuns a todos os homens na forma de limites definidores da existência histórica; outra, colocar, segundo o critério da condição existencial, o problema da alteridade ou da intersubjetividade; e por fim, responder a uma objeção concernente ao possível subjetivismo da filosofia da existência. Tal apreensão significa um modo de inteligibilidade processual, o único compatível com o processo existencial e o processo histórico. É uma inteligibilidade dos limites e de como o sujeito se constrói tentando ultrapassá-los. O que os projetos humanos têm em comum são esses limites, essa construção, que é uma auto constituição da subjetividade. É a própria realidade em processo de auto constituição que impede que se conheça o outro de forma clara e definitiva, e de igual forma, impede conhecer-se a si mesmo. Só se conhece experimentando os próprios limites e só se conhece o outro pelos seus limites, na partilha de uma finitude que seja comum. Pelo projeto que o outro desenvolve na temporalidade contingente, de caráter limitado e provisório, faz com que se permite conhece-lo. A alteridade não é, portanto, obstáculo intransponível para a intersubjetividade, desde que não se pretenda conhecer o que o outro é, mas sim a construção sempre inacabada que ele faz de si mesmo. Isso se dá porque a universalidade está em cada escolha, não como critério dado, mas como invenção de si mesmo. Assim, cada um constrói o universal, escolhendo, sob a égide da universalidade, o que fará de si. A universalidade é presente na condição humana na medida em que faz parte de cada opção. Não se pode não escolher, e de igual, é impossível que, ao escolher, não se escolha para todos, porque se inventa em cada escolha o valor que a reveste, e então, inventasse o universal a partir da singularidade. 

A consciência se define enquanto liberdade, porém, encarnada na história, confronta-se com as liberdades. O desejo de liberdade não é para o próprio sujeito e para os outros, nem a vontade de estabelecer uma relação com algo que está fora de si próprio, mas sim é a tentativa de exercitar a sua condição, cujo conhecimento implica a universalidade da condição, isto é, a liberdade também como definição do outro. Há uma influência significativa em Sartre da ideia hegeliana de conflito das consciências, ou a dialética do senhor e do escravo. Para Hegel, a minha subjetivação como ser livre se dá como objetivação do outro e negação da sua liberdade. Sartre apresenta como resposta ao impasse, a incompletude do reconhecimento como limite comum, presente tanto no reconhecimento de si mesmo quanto no reconhecimento do outro.

Conclui-se que suspenso ser possível conhecer o outro na medida em que também não existe a possibilidade de que se venha a conhecer a si mesmo completamente. O sujeito não está fechado em sua subjetividade porque a subjetividade não é fechada. Por ser processual e incompleta, faz com que o conhecimento que o sujeito pode ter de si mesmo e do outro nunca se consolide numa definição, o que não exclui a possibilidade de se fazer uma objetivação do outro, que será sempre um conhecimento do outro para si próprio e não, nunca, uma definição em si mesma. Por ser consciente dessa incompletude inerente ao processo aberto da existência, o sujeito poderá entender que a intersubjetividade não é intercognoscente, mas algo como a interconsciência da falta constitutiva do sujeito na condição humana. 



LIBERDADE E VALOR

Considerando a impossibilidade se construir o reconhecimento de si mesmo e do outro, há a indagação da possibilidade de se constituir um isolamento de cada um em sua própria liberdade, uma vez que na medida em que cada é inteiramente livre para exercer suas escolhas, “cada um de nós pode fazer o que bem entender” e, não sendo qualquer opção em si mesma preferível à outra, não haveria como julgar qualquer escolha ou qualquer pessoa, já que uma escolha é tão gratuita quanto a outra. 

No entanto, Sartre define a condição humana como limites a serem transpostos pela liberdade, sendo que tais limites são dados numa situação concreta, ou seja, num contexto existencial e histórico onde se exercita a liberdade e no qual se constroem os compromissos que dão sentido às opções. Isso significa que a liberdade não é o agir pelo agir, mas sim agir num contexto de uma situação específica. Dentro de uma configuração de fatos onde se encontra, e diante desses elementos, exercita-se a liberdade, ao eleger uma conduta e ao mesmo tempo o seu valor, bem como se assume a responsabilidade pela atribuição de universalidade desta escolha. Não por ser possível ter qualquer outra equivalente, mas sim porque em que não há nada que a prescrevia antes de se ter a escolhida, nem havia nenhum valor pré-estabelecido que inclinasse para a sua realização, tal escolha é gratuita. 

Ao escolher, atribui-se valor universal e há a responsabilização do sujeito por tê-la escolhido em nome de todos os homens. Escolher é instituir valor, dotá-lo de universalidade e assumir a responsabilidade. Por ter o peso de uma responsabilidade derivada da universidade do valor instituído, pode-se julgar a escolha feita. Julga-se se a mesma foi feita com autenticidade, se fora realizada por um efetivo exercício da liberdade radical. 

Tal julgamento se dá porque muitas vezes não se escolhe, deixa-se escolher, levado pelas razoes consolidadas que se expressam numa hierarquia de valores já cristalizados. Essa renuncia é a má-fé, segundo Sartre, onde a fuga da responsabilidade pelo processo do existir, pode apresentar duas formas: uma, com a dissimulação da liberdade, ocultada sob determinações de vários tipos, sob o pretexto da recusa da gratuidade; e outra, pela assunção da necessidade da existência, atitude que me leva a atribuir ao ser estabilidade, negando o processo de existir as possibilidades do ser se tornar diferente do que se é. A má-fé é o ocultamento da contingência e a tentativa de demonstrar que uma existência, sendo regida pela necessidade, não comporta liberdade ou escolha. Por ser a existência “a própria contingência do aparecimento do homem sobre a terra” (SARTRE, 1987, p. 20), crer na necessidade é alienação, ou delegar a própria subjetividade a instâncias ou princípios estranhos e contrários à liberdade. 



O HUMANISMO EXISTENCIALISTA: 

Ao considerar a contingencia, o humanismo existencialista privilegia o concreto. Não é emissão de julgamentos morais sobre a humanidade, já que esta não existe realizada. O Homem não está feito e jamais o estará, como afirma Sartre que “o homem está constantemente fora de si mesmo; é projetando-se e perdendo-se fora de si que ele faz com que o homem exista” (1987, p. 21). Essa procura fora de si significa a superação, ao transcender-se de si mesmo na sua própria direção, uma vez que por mais que transcenda, é o próprio homem que o homem encontrará, pois o ato de transcender-se constitui o próprio centro do homem. 

Para o existencialismo – e diferente do humanismo tradicional – o centro do homem não está nele mesmo, mas sim que o universo humano é aberto e descentrado, como afirma Sartre: “recordamos ao homem que não existe outro legislador a não ser ele próprio e que é no desamparo que ele decidirá sobre si mesmo; e porque mostramos que não é voltando-se para si mesmo, mas procurando sempre uma meta fora de si – determinada libertação, determinada realização particular – que o homem se realizará precisamente como ser humano” (1987, p. 22).


BIBLIOGRAFIA:

SARTRE. Jean Paul. O existencialismo é um humanismo. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3ª Ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987.

SILVA, Franklin Leopoldo e. Unidade I – Considerações sobre O Existencialismo é um Humanismo. In: História da Filosofia Contemporânea I: Guia de Estudos. Lavras: UFLA, 2013.


OBSERVAÇÃO:

Este texto é um resumo que produzi com o material de aula de disciplina "HISTÓRIA DA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA – GUIA DE ESTUDOS" da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA - Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares, produzido em 05/02/2014.


VEJA TAMBÉM:

FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA II – O EXISTENCIALISMO COMO HUMANISMO EM SARTRE - CONTINUAÇÃO

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