sábado, 4 de dezembro de 2010

NÃO QUERO TE TOLERAR


Tolerar. Esse é o verbo. Saramago disse que “tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é muito pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro”.

Sabe, ele tem razão!

Quantas vezes não temos que tolerar o outro. Suas histórias, seu modo de falar, seu comportamento, suas escolhas e decisões. A tolerância é a eliminação da paridade. Não há troca na tolerância. É uma definição de posicionamentos. No momento em que me predisponho a tolerar o outro, para este quero demonstrar que o aceito como é, porém, para mim, mesmo que de forma inconsciente, quero ter a comprovação da minha superioridade, porque mesmo o outro sendo o que se apresenta, posso vê-lo como inferior a mim, e em razão disto, o aceito.

O ideal seria que não houvesse tolerância, e sim, consciência de igualdade. Afinal, no contar dos ovos, somos todos iguais. Cada um com suas diferenças, porém, no que se refere à análises mais abstratas, somos todos iguais.

Todos têm desejos de ser feliz. Todos têm defeitos e limitações. Todos são felizes em alguns aspectos e infelizes, no mínimo, em um outro aspecto. Todos têm seus pecados-capital.

Se as pessoas tivessem consciência de suas igualdades com o próximo com quem se encontram, muita coisa seria diferente. As pessoas tratariam melhor o próximo. Haveria a preocupação de fato - e não mero discurso - de realizar um exercício de alteridade. Se colocar no lugar do outro para receber o tratamento que lhe é dado seria prática comum!

A partir disto, as amizades seriam verdadeiras e não meras conveniências, onde estas - as amizades - resistem até quando há a busca pelo o que se deseja, e depois disto, resta-se a solidão sentida porque foi deixava para trás a história construída, os momentos vividos e os sentimentos aflorados.

Mas infelizmente as pessoas são muitos egoístas. Vivem para realizar seus desejos, quase sempre momentâneos. Visam o que lhes importam. E nessa lógica, o outro é um mero objeto. E como tal, descartável por falta de utilização ou por não se desejá-lo mais.


Fico pensando nas pessoas que já passaram pela minha vida. Inúmeras.

Umas poucas foram sinceras: gostavam de mim – talvez ainda nutram alguma espécie positiva de sentimento a meu respeito – porém não me iludiram prometendo os céus. Destas, tenho uma saudade positiva. A sinceridade foi o melhor de tudo.

Outras vieram estampadas no rosto seu propósito de serem momentâneas, e eu – com o egoísmo que também tenho – soube, quando me foi conveniente, aproveitar os sentimentos momentâneos destas pessoas.

Agora, outras tantas me fizeram sofrer, porque com o tempo pude perceber que houve um tipo qualquer de tolerância para comigo, pois enquanto fui útil de alguma forma, me declararam amizade eterna, amor infinito e gozo constante. Com o tempo, com a alteridade nunca desenvolvida em relação a mim, pude perceber que a prática da tolerância foi descartada – em alguns casos por não obterem seus objetivos comigo e outras por terem tido êxitos, eliminando-me a posterior.

Pensando nesse binômio ‘tolerância’ versus ‘o outro’ começo a me indagar: Será que por muito tempo não tenho sido tolerante demais me deixando ser mero outro para as pessoas, e aceitando que estas se aproximem de mim, com mil possíveis finalidades, e ferindo-me, passivamente, para após terem obtido êxito, me abandonar? Por que algumas promessas de amizades eternas, de amores infinitos não foram cumpridas?

Também pode ser que seja o contrário: ter que me tolerar pode ser um exercício árduo. Tenho consciência de que sou diferente do que habitualmente se encontra por aí. Não estou com isso fazendo juízo de valor, até porque na igualdade de todos os seres humanos está a diferença de gostos e pode ser que, mesmo que eu não tenha consciência disso, muitas pessoas gostem de mim.

Entretanto, sei também dos meus defeitos, como confiar e amar de forma excessiva nas pessoas que gosto, quando estas cruzam o meu caminho. Será que essa atitude excessiva pode se tornar um fardo para estas pessoas? Se for, isto justifica minhas decepções. Na arte de tolerar, talvez se afastar de mim seja a forma de me dizer que preciso aprender a confiar e amar menos no outro, e de dizer a si próprias que são superiores a este ser (no caso, eu), por não acreditarem e se entregarem ao amor e a confiança que lhe ofereço, tanto quanto eu, reciprocidamente!

Na verdade, na verdade, o que desejo é que as pessoas sejam sinceras comigo. Não quero que me tolerem. Espero das pessoas com as quais eu convivo que me amem ou me odeiem, se assim preferirem. Ninguém é obrigado a me amar, muito menos a me tolerar. Respeitar sendo sinceras e não tolerantes comigo, já está de bom tamanho.

Quanto ao meu amor e confiança dispensada aos outros com os quais encontro, confesso que preciso trabalhar isto melhor. Talvez assim eu sofra menos, porque, infelizmente, e de forma geral, a prática de me tolerar é exercida pela maior parte das pessoas do que a de se colocarem numa posição de igualdade. Caso fosse esta, as coisas seriam diferentes, porque quando somos iguais a sinceridade existe, e com ela, as reais intenções nos relacionamentos a serem estabelecidos são destacadas, o amor e a confiança são fins desejados e não meios utilizados para se obter o que desejam.

Não quero mais ter que tolerar ninguém. Que na minha sinceridade, nos meus próximos relacionamentos, a prática da consciência da igualdade, por meio da alteridade, me leve a amar e confiar nas pessoas, porque saberei que estas também nutrem o mesmo para comigo e não uma mera tolerância.

Não nos toleremos mais. Amemo-nos, de fato, uns aos outros! Ou então, sejamos, no mínimo, sinceros.

5 comentários:

  1. Nossa, muito interessante como não paramos pra pensa nisso, realmente tolerar é o fim...o negócio é ser claro e sincero sempre..e trabalhar as dificuldades de amar...amei o texto...me fez pensar

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  2. Muito bom!! Exatamente assim que deveríamos nos relacionar com nossos semelhantes, com sinceridade acima de tudo.
    Parabéns pela idéia, muito bacana

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  3. Muito bom Ed.
    No caso de ter que tolerar, é melhor nem se relacionar.
    Grande abraço!

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  4. Perfeito o texto.....descobrir q vc é muito especial para mim,e nunca fiz esforço para tolerar, realmente gosto de vc mesmo sendo sincera, clara, positiva e as vezes até dura...rssss

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  5. Tolerar é um ato de amor também. Humildade idem. Creio que, na maioria das vezes, a questão não seja tolerar colocando-se numa posição de superiodade, mas numa posição de aceitação da diferença, respeitando-a e tentando conviver com ela, mesmo que a vontade não fosse essa. Às vezes, é necessário tolerar alguém ou algo e sempre se pode tirar uma lição disso.

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