sexta-feira, 23 de julho de 2010

QUEM É O OUTRO? RECONHECENDO O SER DIFERENTE



“Sabemos muito bem que as espécies se aproximam da extinção quando se engajam irreversivelmente em direções inflexíveis e assumem formas rígidas”.

Frase de Georges Canguilhem, médico e filósofo, em 1943 em seu texto “O normal e o patológico”. O autor, embora de forma imediata analisasse noções de saúde e doença, de forma mediata tratava da diversidade e das interferências que se (re)produzem no meio social.

É comum ouvir frases: “o mundo está de cabeça para baixo”, “o fim do mundo está próximo”, de pessoas que apresentam certa intolerância para alguns tipos de diversidade humana: negros no poder – nesse caso, fica no campo da idéia, afinal pronunciar isto é racismo, legalmente proibido –, homossexuais com suas demonstrações de afeto, crianças e adolescentes envolvidas no tráfico, dentre outras circunstancias sociais.

Por outro lado, há também uma necessidade atual de se mostrar moderno, e ser moderno em muitos momentos em relações sociais, é aceitar o diferente, seja o cego que pode andar sozinho, o surdo comunicando em sinais e o ouvinte, aos berros, tentando demonstrar entender sua forma de comunicação.

Na verdade, a tolerância ao diferente se dá de forma dissimulada. É fácil tolerar – e, portanto, demonstrar socialmente esse ato – o diferente, desde que este diferente não ameace minhas certezas, meus valores, meus gostos, meus conceitos e meu estilo de viver.

Entretanto, coadunando com o entendimento do referido filosófico acima citado, o meio ambiente capaz de garantir a sobrevivência do ser humano é necessariamente a cultura. Assim, o “monstrengo” diferente, que num primeiro momento encontra-se em situação de intolerância, de inadaptação às ditames da normalidade, pode ser considerado vital para a continuidade do ser humano, em detrimento da tão querida e reivindicada – mesmo que somente no campo das idéias – uniformização da sociedade com seres somente que se enquadram no ideal de normalidade.

Canguilhem afirma que “a atividade humana tem como efeito imediato alterar constantemente o meio humano”. Ora, para se alterar o meio humano se faz necessário reconhecer o valor do desvio, das mutações, do diferente, da exceção à regra, para a sobrevivência do grupo.

O medo da falta de regras, da falta da norma encontrados (em) por alguns, uma vez que aos poucos, a sociedade tem se mostrado aberta a mudanças, não faz sentido nesta perspectiva.

Dar valor ao desvio, reconhecer as mutações, as diferenças é necessário para a sobrevivência do grupo. Sem o desvio, sem a mutação, o normal não terá padrões de normalidade para se considerar como normal.

Como afirmar que ser branco é o normal se não existir o negro, o loiro, o mestiço? É possível considerar a heterossexualidade normal se não houvesse a diversidade sexual? O andante normal se não houvesse o cadeirante? Ressalto que não considero como normal somente o branco, o hétero e o andante.

A modernidade, tradição que se estende desde o século XVII com o ciclo do capitalismo, baseia-se em princípios republicanos, reconhece a laicidade, defende a democracia, os direitos humanos, e interessa-se por tudo o que a desafia, pelo novo, pelo diferente.

De caráter progressista e inovador, tendo como um de seus pilares os direitos humanos, a modernidade necessita garantir o respeito pleno e radical a todos os direitos, de todos, sem exceções, o que não significa desmoralizar os valores, as crenças tradicionais.

O que se procura é garantir a existência de espaço para a diversidade. Incluir as minorias passa por, respeitando valores e conceitos internos, dar espaço para a convivência social do autista, do cadeirante, mas também do homossexual, da criança e do adolescente que vivem no “reino da necessidade” como pensa Hannah Arendt, envolvidos em bolsões de pobrezas e as malezas que estes territórios trazem, do islâmico, do ateu, e tantos outros ‘diferentes’.

“Uma sociedade de direitos e de cidadania deve se pautar por princípios radicalmente opostos às inclinações afetivas, sejam das maiorias ou das minorias. É a impessoalidade dos vínculos e a suspensão do julgamento baseado nos afetos que garante direitos iguais para todos os cidadãos”. (Maria Rita Kehl).

Tolerar os desviantes da norma – biológica, psicológica ou moral/cultural – não significa elogiar a diferença, pelo contrario, é sim permitir a continuidade da existência da normalidade, uma vez que sem o diferente não haverá o normal.

Tags: direitos humanos, diversidade, diferenças, valores sociais, modernidade.
BIBLIOGRAFIA:
CANGUILHEM, Georges. La connaissance de la vie. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin. 2009.
KEHL, Maria Rita. Direitos Humanos: a melhor tradição da modernidade. In: Direitos Humanos: percepções da opiniao pública: análise de pesquisa nacional / organização Gustavo Venturi. - Brasilia: Secretaria de Direitos Humanos, Presidencia da República. 2010.

2 comentários:

  1. Tolerancia a diversidade é uma questao polemica demais, especialmente no brasil.. e nao era pra ser: negros, gays, mulheres, todos sao uma coisa so, frutos de uma mesma condicao humana. eu sofri bullying durante mto tempo no colegio e nao sabia lidar c isso, pq na verdade nao sabia entender o q era ser diferente!honestamente, precisamos ter coragem de peitar tdo tipo de preconceito, mesmo elesendo o mais primitivo dos instintos (tdo mundo nutre certaaversao adorei o q a cristina kirchnner presidente da argentina disse outro dia "Nadie me había sacado nada y yo no le había sacado nada a nadie; al contrario le habíamos dado a otros cosas que les faltaban y que nosotros teníamos." ng me tirou nada e eu n tirei nada de ng, pelo contrario damos aos outros coisas q faltavam a eles e que a gente tinha! =)

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  2. nao gostei da frase comparativa
    como e possivel afirmar q o branco enormal se nao...
    mesmo vc fazendo ressalva parece estar afirmando na sua pergunta
    ficou meio estranho. Achei o final contraditório. Conceitualmente é fato que é normal ocorrer desvios
    pq nada é perfeito
    ou pq as coisas estao sempre mudando
    ou pq o meio em sua volta mudou e te força a mudar
    mas quando vc fala tolerar nao significa elogiar, vc fecha o conceito
    em aceitar simplesmente pq faz parte
    e acho q nao é por ai
    pq muitas vezes o q e novo ou inovador
    pode ser melhor do q o normal
    ou necessario
    ou simplesmente nem melhor, ou pior ou necessario
    mas simplesmente existencial
    tipo esta ali e tem o direito de estar e de existir como todos
    entendeu
    e a ideia de q sem o diferente nao existe o normal
    obriga a existencia de anormalidade
    como um padrao ruim
    ou inclina vcc a acreditar q precisamos de desvios de padroes
    e desvios ruins
    pra sabermos o q é bem e mal
    bom e ruim
    e nao necessariamente
    sao ruins
    nao preciso saber por exemplo
    q ter duas pernas pra andar
    e melhor do q alguem q sofreu acidente
    e so tem uma
    isso do ponto de vista biologico e motor do corpo humano do homem
    entendeu
    um desvio nao e necessariamente ruim
    acredito q a sociedade tem conceitos fechados
    e rotulam desvios como algo sempre ruim
    isso pq temos medo do novo
    de ameaças
    e um desvio nao e necessariamente ruim, pode ser bom as vezes
    ou uma simples resposta de adaptaçaõ a uma contigencia do meio
    acho q tem mais a ver com medo do novo, do q padroes e desvios
    quantas coisas deixaram de ser desvio e passaram a ser comuns com a modernidade e a vivencia..
    enquanto era desconhecido era absurdo
    depois com a vivencia com as lutas, com as quebras de paradigmas
    se tornaram comuns. Nem sao mais desvios
    exemplo - mulher independente. Nao mais submissa ao marido
    ao macho q tem penis e por isso tem direito de sair de casa e trabalhar, de votar, enfim....

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