domingo, 8 de março de 2009

CADA MACACO NO SEU GALHO


Gerou polêmica esta semana a notícia que o arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, decidiu excomungar a mãe e médicos que realizaram o procedimento de interromper a gravidez, na ultima quarta-feira dia 04, de uma menina de apenas 9 anos de idade, que fora estuprada pelo padrasto de 23 anos de idade, e engravidou de gêmeos. De acordo com o religioso, para a Igreja Católica, o aborto é um "crime mais grave que o estupro".

O presidente Lula, cidadão brasileiro, cristão católico, que não conseguiu ficar calado diante da polêmica, na sexta-feira afirmou que "... não é possível permitir que uma menina estuprada pelo padrasto tenha esse filho. Até porque a menina que corria risco de morte. Nesse aspecto, a medicina está mais correta que a Igreja" foi rebatido pelo arcebispo que o orientou procurar apoio em assessoria teológica antes de se pronunciar a respeito de assuntos religiosos.

O assunto levantou a discussão sobre o papel da Igreja em relação ao Estado, que no caso promoveu uma medida para a sobrevivência da própria gestante, sendo a excepcionalidade da criminalidade do aborto percebida. Juridicamente, e amparado pelo Estado, que se fez presente com a atuação do Ministério Público por ser a gestante civilmente incapaz para seus atos, os médicos fizeram o que lhes fora ensinado e mesmo o que lhes é exigido pelas organizações de classes.

O dilema gira, sobretudo, em relação à eficácia de tal determinação da Igreja Católica. Ser excomungado nos dias de hoje pelas instituições religiosas já não traz arrepios. Não existem mais fogueiras em praças públicas para dar cabo à ‘pecadores’. Os médicos não se importaram pela decisão papal aplicada pelo arcebispo. Parece-me que lhes soou ser mais cristão a dignidade da vida humana da VÍTIMA, do que as arbitrariedades impostas pela Igreja Católica. Ao contrário, soa ridiculamente tal decisão eclesiástica quando afirma que realizar o aborto para evitar a morte VÍTIMA gestante é um crime pior que o estupro. Mesmo que de forma imediata não se queira induzir, parece-me que para os religiosos, em tela, ser vítima é pior do que ser estuprador. É um endosso a prática do crime de estupro, porque afinal, as próximas vítimas de violência sexual, que forem católicas, terão que gestar algo que lhes faz mal unicamente por ser fruto de um ato brutíssimo, desumano, cruel, macabro.

O que se percebe na realidade é que o fundamentalismo, o tradicionalismo e os costumes religiosos estão ainda em vigor quanto da aplicabilidade de leis estanques, arcaicas, pelas instituições religiosas. A justiça fria, o conservadorismo hipócrita, faz com que posicionamentos como estes nos façam analisar por quais trilhas caminham as religiões e o que é ser, individualmente, religioso em nossos dias.

A aplicação da leitura morta da lei é pior do que a não aplicabilidade de lei alguma. Fere o Estado Democrático de Direito em que vivemos, onde o Estado que deve manter-se laico, vê-se criticado por um segmento religioso. A teocracia já não faz mais parte da historia político-governamental de nossa nação há séculos. Erra a Igreja ao tentar ditar normas ao Estado e ao tentar inibir que o Presidente da República, que fazendo uso do seu direito de exposição de opinião, posicione-se a favor do ato médico realizado. Valente que é este arcebispo deveria agora, seguindo sua linha de raciocínio, excomungar também o presidente Lula, por apologia ao aborto. Aliás, a prática da intimidação por autoridades religiosas também já caiu em desuso completamente, até mesmo por questões morais. Particularmente, creio que o arcebispo não tem tamanha coragem, até porque opinião de um presidente não é tratada a de uma VÍTIMA de estupro qualquer.

Todos os atos religiosos fundamentalistas, xiitas, sejam eles cristãos – e neste aspecto não pode esquecer-se dos protestantes – ou de outras manifestações de crenças transcendentais, devem ser vistos com cautela.

No caso, o fundamentalismo cristão é interpretação paupérrima dos ensinamentos do líder de tal religião. Jesus, o Deus homem, estabeleceu princípios entre seus seguidores que demonstram o respeito ao próximo, ao amor à vida, à dignidade humana, à inclusão e à diversidade de idéias, vontades e posicionamentos. Cristo não ensinou ser taxativo na aplicação da lei. Pelo contrário, o desenvolvimento hermenêutico dos ordenamentos jurídicos é facilmente captado na leitura de suas passagens e percebido em suas atividades. O que falar da mulher adultera, da parábola do bom samaritano, do trabalho no dia de sábado e tantas outras passagens?

Sugiro aos fundamentalistas religiosos, que se preocupam em cuidar da vida alheia quando na verdade deveria se preocupar em pregar a graça do amor de/e à Cristo e ao próximo, que procurem seguir o ensinamento cantado por Caetano Veloso: “... cada macaco no seu galho, eu não me canso de cantar...”, já que seguir aos ensinamentos de Cristo é complicado.

Ser religioso, ser Igreja, no século XXI, precisa ser diferente do século III, quando a Igreja Católica era o Estado. E ser Estado hoje é ser garantidor dos direitos elementares à dignidade humana, e entre estes, o direito à vida, o qual, no caso, foi protegido, uma vez que a única vida que realmente se salvaria era a da vítima, pois caso fosse prosseguida a gestação, tanto VÍTIMA como fetos não sobreviveriam.

Cada macaco no seu galho... a Igreja não deve esquecer de se lembrar!

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