Obs: Recomendo a leitura da primeira parte deste estudo antes de prosseguir a leitura abaixo.
O momento de análise da arqueologia (onde o homem é o objeto de estudo das ciências envolvidas) começa com a análise da obra “História da loucura na idade clássica” (1961). Ao contrário do que muitos pensam, tal livro não é sobre a história da constituição de uma ciência – a psiquiatria – apesar de conter uma analise de seu nascimento e uma descrição minuciosa e erudita da construção do discurso medido sobre a loucura como doença mental. (pág. 18).
As obras “As palavras e as coisas” (1966) e “A arqueologia do saber” (1969) completam a análise de Vilas Boas sobre o momento arqueológico do acervo foucaultino.
1. A LOUCURA COMO ODISSÉIA DA RAZÃO
A obra “História da loucura na idade clássica” está centrada no período chamado de “Idade Clássica”, compreendido por Foucault como o período entre o fim do Renascimento (final do século XVI e inicio do século XVII) e a Revolução Burguesa (século XVIII), sendo o período de transição para o capitalismo em seu país: França. Para tanto, compara a Idade Clássica com a Idade Média (onde percebia certa liberdade em relação à experiência da loucura, que fora com o tempo sendo solapada com a percepção de louco como demência, sendo necessário recorre à psiquiatria) e procura analisar na modernidade como é vista a loucura, quando então se constitui na ciência psiquiátrica. (pag. 19).
Interessa, entretanto, Foucault não analisar somente a constituição histórica da ciência psiquiátrica, mas sim indicar os mecanismos de ‘patologização’ do louco, os mecanismos de constituição de um saber científico. Historicamente saber o que torna o saber científico da psiquiatria como um discurso normativo, portanto, verdadeiro.
Para o autor, o saber sobre a loucura é extraído do discurso psiquiátrico, de seu lugar de existência – as instituições de controle do louco (família, igreja, justiça, hospital, etc) –, os saberes a elas relacionados e as estruturas econômicas e culturais da época. É aqui se constitui para Foucault, a episteme da época (pág. 20).
Há uma distinção: o conhecimento – saber científico, no caso, psiquiátrico – que é a elaboração teórica sobre um objeto, segundo uma lógica própria, peculiar, e a percepção como diversos modos de agir ao visualizar a loucura, o que depende das instituições sociais e do reconhecimento que estas empreendem sobre os indivíduos como sujeitos sociais, sendo desta forma o conhecimento cientifico posterior as diversas formas de percepção da loucura, e este é apenas uma forma de operar esta percepção. (pag. 21)
Assim, ao elaborar a historia da percepção da loucura, Foucault indica os vínculos não muito nobres do conhecimento psiquiátrico, desvelando o caráter obscuro de certo discurso da verdade da loucura, que deseja ser cientifico, para conduzir os homens, através de mecanismos de repressão, ao domínio da razão.
A razão, como visão do mundo que a tudo organiza e a todos controla, determina o motivo de deslocamento que tornou os anti-sociais (os ociosos, os libertinos, os parias, os loucos), objetos de práticas de segregação. O louco foi aprisionado, retirado do convívio social e domesticado porque representou, aos olhos de uma certa percepção, como a encarnação do mal, que extrai do homem sua natureza, a racionalidade. Assim, o louco é aquele que ameaça os qualificativos da razão. (pag. 22 e 23).
A polêmica entorno de Foucault talvez resida no fato de que para ele a loucura pode constituir-se um modo de ser do homem, uma das formas pelas quais o homem pode experimentar a vertigem de ser livro no mundo, o que, para alguns faz de Foucault um irracionalista, o que é rebatido em suas obras do segundo momento – genealogia – onde procura estabelecer uma razão critica, iluminista, que desmascara o predomínio da razão cínica, degradada, cuja função é servir ao poder e domesticar os saberes. (pag. 23 e 24).
A loucura, então, diante da razão, é considerada como desrazão, e essa como monstruosidade (na idade clássica) ou doença mental (modernidade), tendo-se então que é produzida pela razão, em sua normatividade, através de enunciados discursivos, sendo tudo o que não corresponde à imagem que a razão tem de si mesma. A medicalização representa um momento sutil de privação da experiência da loucura, na medida em que o conceito de doença mental permite a constituição de um sujeito juridicamente incapaz, inofensivo ou perigoso. O papel humanizador é a domesticação na modernidade, com caráter educativo, com vistas a levar o louco de novo ao bom senso da verdade e da moral, defendidas por Phillipe Pinel e William Tuke, pais da psiquiatria. Assim, Foucault desmascara o movimento que tornou possível um conhecimento hegemônico sobre a loucura que faz com que no mundo contemporâneo, a loucura não se possa se pensada sem acompanhamento da medicina e seu discurso da verdade (pag. 25 a 28).
Entretanto, pode-se concluir que para Foucault a loucura continua sendo experiência humana, inexprimível, originária, que escapa de todas as tentativas de classificação, todas as epistemes da cada época, como no Renascimento e sua associação a ilusão, a Idade Clássica associando-a como erro e maldição, e mesmo na Modernidade, que, por intermédio das ciências do homem, transforma a experiência da loucura em doença mental e alienação. (pag. 29 e 30).
2. A DEPOSIÇÃO DO HOMEM:
Para compreender e avaliar o pensamento de Foucault é necessário que se compreenda que suas idéias estão vinculadas a um conjunto de pensamentos possíveis de uma época, fato designado como episteme, sendo esta a que torna possível a individualidade a que se dá o nome de autor. Para o autor em tela, sua formação passa pelas idéias de Nietzsche e Heidegger.
Em “As Palavras e as Coisas – Uma arqueologia das Ciências Humanas”, Foucault está primordialmente interessado em dar resposta a indagação clássica da filosofia sobre “que é o homem?”, tendo como razão a indagação sobre a finitude humana e as possibilidades de o homem encontrar, nessas existência finita, os alicerces de todo saber (pag. 31 a 34).
Nesta obra se indicam as razões pelas quais certas respostas são fornecidas para, logo a seguir, desaparecem. Para ele, estas respostas são constitutivos de uma episteme, o campo no qual, em um determinado momento, instituíram-se os a priori históricos, as condições de possibilidade de determinados discursos ou saberes e os princípios de ordenação dos saberes, não sendo, segundo Foucault, tais epistemes a mesma em todas as épocas, e nem tampouco, o produto de suas transformações progressivas, mas sim uma estrutura, uma sistema localizado em um tempo, que se realiza nele, que se constitui nele.
Em “As Palavras e as Coisas” Foucault se empenha em demonstrar a episteme dos princípios períodos já assinalados: o fim do Renascimento, a ‘Idade Clássica’ e o limiar da Modernidade, agora pensada como um período situado na virada do século XVIII e XIX, procurar demonstrar como cada época se representa ao nível de sua estrutura. Os indícios mais latentes das diferenças entre uma época e outra, Foucault encontra na relação entre as palavras e as coisas, isto é, naquilo que se manifesta no âmbito da empiria e das suas enunciações ao nível de linguagem. Assim, procura explicar as razões subjacentes ao processo de agrupamento de certos enunciados em unidades, o processo que transforma tais enunciados em uma formação discursiva, e como o princípio de ordenação e unificação da esfera lida e abarca zonas discursivas obscuras (alquimia, magia, filosofias obscuras que foram retiradas para os lugares do não-ciência). (pag. 38 a 40).
Conclui-se que Foucault demonstrou que cada período da cultura tem seu a priori histórico, sobre o qual se ergue todo um conjunto de ciências, artes, literaturas, formas de representação que condicionam o pensamento e a atividade dos homens. Ele usa termo episteme para designar o campo particular, o espaço da ordem no qual, em dada época, forma-se tal a priori histórico. Em cada época histórica a episteme é única, e implica a sujeição da totalidade do pensamento possível aquele período de vigência. Uma episteme é essencialmente uma estrutura, sendo, alem disso, um sistema fechado em si mesmo, pelo que não é possível a passagem, em forma de transição, de uma episteme a outra.
Desse modo, os períodos históricos são percebidos pela arqueologia foucaultiana como processos de rupturas que finalizam uma episteme e dá lugar a outra, no âmbito de determinações muitas vezes clandestinas, visto que raramente se tornam explícitas ao nível das consciências dos sujeitos históricos. (pág. 41 e 42).
3. O ELOGIO DO DISCURSO:
“A Arqueologia do saber” é a tentativa de Foucault de estabelecer alguns argumentos justificadores, é a representação de um balanço da produção até então realizada. (pag. 51).
Se em “As palavras e as coisas” o discurso é considerado pelo autor como a linguagem clássica reduzida à categoria de representação da relação entre coisas e palavras, em “A Arqueologia do saber” adquire outro significado, como categoria de sujeito, onde o discurso é uma prática, política, do sujeito. Acompanhado da tradição vinculada ao pensamento marxiano explicitado em “O Dezoito Brumário de Luiz Bonaparte (Marx e Engels), Foucault entenderá que não são os sujeitos que fazem a história, mas esta faz-se a si mesma por intermédio deles e neles. (pag. 55 e 56).
Também entenderá Foucault que a descontinuidade histórica é função da percepção que os têm de sua ação prática no mundo. Aqui cabe a ressalta a crítica feita por alguns autores à Foucault, pois em “Arqueologia do saber” há a ausência da noção de episteme. O uso estruturalista da categoria de episteme tinha como objetivo estabelecer uma posição singular frente às perspectivas humanistas, que traziam consigo, como um elemento central de seus argumentos, a categoria de sujeito, e essa categoria descrevia as configurações do saber como grandes camadas que obedeciam a leis estruturais, não sendo possível, portanto, pensar a historia das formas de percepção a não ser como rupturas, de certo modo enigmáticas, que ocorreriam a partir de mudanças bruscas de uma episteme para outra. Com a nova obra, fica bem evidenciado o foco no conceito de história, e de uma noção de história que rejeita não somente essa idéia de continuidade do sujeito, mas também de descontinuidade estrutural. (pag. 54 a 56).
Assim, o que se enuncia (discurso) são possibilidades de arranjos que dependem de determinadas relações pré-estabelecidas, já dadas àquele que enuncia. Foucault complementa seu entendimento afirmando que os acontecimentos discursivos, então, apesar de se tornarem fatos históricos no processo de sua enunciação, não estão vinculados exclusivamente ao lugar e ao tempo de sua enunciação, mas sim estão ligados às instituições nas quais se tornam acontecimentos, se tornam eventos. Desta forma, ao adotar em suas obras a categoria de prática (existência objetiva e material de certas regras a que o sujeito está submetido desde o momento em que enuncia um discurso) discursiva, assume a perspectiva de jamais tomar o discurso forma do sistema das relações materiais que o estrutura e o constitui. (pag. 60 a 64).
O saber, então, para Foucault “é aquilo que de podemos falar em uma prática discursiva (...): o domínio constituído pelos diferentes objetos que irão adquirir ou não um status científico (...), o espaço em que o sujeito pode tomar posição para falar dos objetos de que se ocupa em seu discurso (...) o campo de coordenação e de subordinação dos enunciados em que os conceitos aparecem, se definem, se aplicam e se transformam (...) um saber se define por possibilidades de utilização e de apropriação oferecidas pelo discurso”. Conclui entendendo que “há saberes que não são independentes das ciências; mas não há saber sem uma prática discursiva definida e, toda prática discursiva pode definir-se pelo saber que ele forma”. (pag. 64 e 65).
Por isso mesmo Foucault não aceita a falsa dicotomia entre ciência e ideologia, pois considera a ideologia como um saber, e o problema da relação é a sua existência (da ideologia) enquanto prática discursiva e o seu funcionamento em relação a outras práticas. Pressente-se então o surgimento do tema do poder relacionado ao saber, pois são as instituições que dão corpo à profissão e esta instância confere ao discurso que se desenvolve em torno dela, e ao individuo que a encarna, poder. (pag. 65 a 67).
Conclui-se a etapa da Arqueologia, com a obra “A Arqueologia do saber”, Foucault pensando a categoria do discurso, e de discurso como prática, empreendendo de fato o balanço de sua produção intelectual, até aquele momento, e dando a senha para a elucidação de seus projetos futuros. (pag. 67).
As obras “As palavras e as coisas” (1966) e “A arqueologia do saber” (1969) completam a análise de Vilas Boas sobre o momento arqueológico do acervo foucaultino.
1. A LOUCURA COMO ODISSÉIA DA RAZÃO
A obra “História da loucura na idade clássica” está centrada no período chamado de “Idade Clássica”, compreendido por Foucault como o período entre o fim do Renascimento (final do século XVI e inicio do século XVII) e a Revolução Burguesa (século XVIII), sendo o período de transição para o capitalismo em seu país: França. Para tanto, compara a Idade Clássica com a Idade Média (onde percebia certa liberdade em relação à experiência da loucura, que fora com o tempo sendo solapada com a percepção de louco como demência, sendo necessário recorre à psiquiatria) e procura analisar na modernidade como é vista a loucura, quando então se constitui na ciência psiquiátrica. (pag. 19).
Interessa, entretanto, Foucault não analisar somente a constituição histórica da ciência psiquiátrica, mas sim indicar os mecanismos de ‘patologização’ do louco, os mecanismos de constituição de um saber científico. Historicamente saber o que torna o saber científico da psiquiatria como um discurso normativo, portanto, verdadeiro.
Para o autor, o saber sobre a loucura é extraído do discurso psiquiátrico, de seu lugar de existência – as instituições de controle do louco (família, igreja, justiça, hospital, etc) –, os saberes a elas relacionados e as estruturas econômicas e culturais da época. É aqui se constitui para Foucault, a episteme da época (pág. 20).
Há uma distinção: o conhecimento – saber científico, no caso, psiquiátrico – que é a elaboração teórica sobre um objeto, segundo uma lógica própria, peculiar, e a percepção como diversos modos de agir ao visualizar a loucura, o que depende das instituições sociais e do reconhecimento que estas empreendem sobre os indivíduos como sujeitos sociais, sendo desta forma o conhecimento cientifico posterior as diversas formas de percepção da loucura, e este é apenas uma forma de operar esta percepção. (pag. 21)
Assim, ao elaborar a historia da percepção da loucura, Foucault indica os vínculos não muito nobres do conhecimento psiquiátrico, desvelando o caráter obscuro de certo discurso da verdade da loucura, que deseja ser cientifico, para conduzir os homens, através de mecanismos de repressão, ao domínio da razão.
A razão, como visão do mundo que a tudo organiza e a todos controla, determina o motivo de deslocamento que tornou os anti-sociais (os ociosos, os libertinos, os parias, os loucos), objetos de práticas de segregação. O louco foi aprisionado, retirado do convívio social e domesticado porque representou, aos olhos de uma certa percepção, como a encarnação do mal, que extrai do homem sua natureza, a racionalidade. Assim, o louco é aquele que ameaça os qualificativos da razão. (pag. 22 e 23).
A polêmica entorno de Foucault talvez resida no fato de que para ele a loucura pode constituir-se um modo de ser do homem, uma das formas pelas quais o homem pode experimentar a vertigem de ser livro no mundo, o que, para alguns faz de Foucault um irracionalista, o que é rebatido em suas obras do segundo momento – genealogia – onde procura estabelecer uma razão critica, iluminista, que desmascara o predomínio da razão cínica, degradada, cuja função é servir ao poder e domesticar os saberes. (pag. 23 e 24).
A loucura, então, diante da razão, é considerada como desrazão, e essa como monstruosidade (na idade clássica) ou doença mental (modernidade), tendo-se então que é produzida pela razão, em sua normatividade, através de enunciados discursivos, sendo tudo o que não corresponde à imagem que a razão tem de si mesma. A medicalização representa um momento sutil de privação da experiência da loucura, na medida em que o conceito de doença mental permite a constituição de um sujeito juridicamente incapaz, inofensivo ou perigoso. O papel humanizador é a domesticação na modernidade, com caráter educativo, com vistas a levar o louco de novo ao bom senso da verdade e da moral, defendidas por Phillipe Pinel e William Tuke, pais da psiquiatria. Assim, Foucault desmascara o movimento que tornou possível um conhecimento hegemônico sobre a loucura que faz com que no mundo contemporâneo, a loucura não se possa se pensada sem acompanhamento da medicina e seu discurso da verdade (pag. 25 a 28).
Entretanto, pode-se concluir que para Foucault a loucura continua sendo experiência humana, inexprimível, originária, que escapa de todas as tentativas de classificação, todas as epistemes da cada época, como no Renascimento e sua associação a ilusão, a Idade Clássica associando-a como erro e maldição, e mesmo na Modernidade, que, por intermédio das ciências do homem, transforma a experiência da loucura em doença mental e alienação. (pag. 29 e 30).
2. A DEPOSIÇÃO DO HOMEM:
Para compreender e avaliar o pensamento de Foucault é necessário que se compreenda que suas idéias estão vinculadas a um conjunto de pensamentos possíveis de uma época, fato designado como episteme, sendo esta a que torna possível a individualidade a que se dá o nome de autor. Para o autor em tela, sua formação passa pelas idéias de Nietzsche e Heidegger.
Em “As Palavras e as Coisas – Uma arqueologia das Ciências Humanas”, Foucault está primordialmente interessado em dar resposta a indagação clássica da filosofia sobre “que é o homem?”, tendo como razão a indagação sobre a finitude humana e as possibilidades de o homem encontrar, nessas existência finita, os alicerces de todo saber (pag. 31 a 34).
Nesta obra se indicam as razões pelas quais certas respostas são fornecidas para, logo a seguir, desaparecem. Para ele, estas respostas são constitutivos de uma episteme, o campo no qual, em um determinado momento, instituíram-se os a priori históricos, as condições de possibilidade de determinados discursos ou saberes e os princípios de ordenação dos saberes, não sendo, segundo Foucault, tais epistemes a mesma em todas as épocas, e nem tampouco, o produto de suas transformações progressivas, mas sim uma estrutura, uma sistema localizado em um tempo, que se realiza nele, que se constitui nele.
Em “As Palavras e as Coisas” Foucault se empenha em demonstrar a episteme dos princípios períodos já assinalados: o fim do Renascimento, a ‘Idade Clássica’ e o limiar da Modernidade, agora pensada como um período situado na virada do século XVIII e XIX, procurar demonstrar como cada época se representa ao nível de sua estrutura. Os indícios mais latentes das diferenças entre uma época e outra, Foucault encontra na relação entre as palavras e as coisas, isto é, naquilo que se manifesta no âmbito da empiria e das suas enunciações ao nível de linguagem. Assim, procura explicar as razões subjacentes ao processo de agrupamento de certos enunciados em unidades, o processo que transforma tais enunciados em uma formação discursiva, e como o princípio de ordenação e unificação da esfera lida e abarca zonas discursivas obscuras (alquimia, magia, filosofias obscuras que foram retiradas para os lugares do não-ciência). (pag. 38 a 40).
Conclui-se que Foucault demonstrou que cada período da cultura tem seu a priori histórico, sobre o qual se ergue todo um conjunto de ciências, artes, literaturas, formas de representação que condicionam o pensamento e a atividade dos homens. Ele usa termo episteme para designar o campo particular, o espaço da ordem no qual, em dada época, forma-se tal a priori histórico. Em cada época histórica a episteme é única, e implica a sujeição da totalidade do pensamento possível aquele período de vigência. Uma episteme é essencialmente uma estrutura, sendo, alem disso, um sistema fechado em si mesmo, pelo que não é possível a passagem, em forma de transição, de uma episteme a outra.
Desse modo, os períodos históricos são percebidos pela arqueologia foucaultiana como processos de rupturas que finalizam uma episteme e dá lugar a outra, no âmbito de determinações muitas vezes clandestinas, visto que raramente se tornam explícitas ao nível das consciências dos sujeitos históricos. (pág. 41 e 42).
3. O ELOGIO DO DISCURSO:
“A Arqueologia do saber” é a tentativa de Foucault de estabelecer alguns argumentos justificadores, é a representação de um balanço da produção até então realizada. (pag. 51).
Se em “As palavras e as coisas” o discurso é considerado pelo autor como a linguagem clássica reduzida à categoria de representação da relação entre coisas e palavras, em “A Arqueologia do saber” adquire outro significado, como categoria de sujeito, onde o discurso é uma prática, política, do sujeito. Acompanhado da tradição vinculada ao pensamento marxiano explicitado em “O Dezoito Brumário de Luiz Bonaparte (Marx e Engels), Foucault entenderá que não são os sujeitos que fazem a história, mas esta faz-se a si mesma por intermédio deles e neles. (pag. 55 e 56).
Também entenderá Foucault que a descontinuidade histórica é função da percepção que os têm de sua ação prática no mundo. Aqui cabe a ressalta a crítica feita por alguns autores à Foucault, pois em “Arqueologia do saber” há a ausência da noção de episteme. O uso estruturalista da categoria de episteme tinha como objetivo estabelecer uma posição singular frente às perspectivas humanistas, que traziam consigo, como um elemento central de seus argumentos, a categoria de sujeito, e essa categoria descrevia as configurações do saber como grandes camadas que obedeciam a leis estruturais, não sendo possível, portanto, pensar a historia das formas de percepção a não ser como rupturas, de certo modo enigmáticas, que ocorreriam a partir de mudanças bruscas de uma episteme para outra. Com a nova obra, fica bem evidenciado o foco no conceito de história, e de uma noção de história que rejeita não somente essa idéia de continuidade do sujeito, mas também de descontinuidade estrutural. (pag. 54 a 56).
Assim, o que se enuncia (discurso) são possibilidades de arranjos que dependem de determinadas relações pré-estabelecidas, já dadas àquele que enuncia. Foucault complementa seu entendimento afirmando que os acontecimentos discursivos, então, apesar de se tornarem fatos históricos no processo de sua enunciação, não estão vinculados exclusivamente ao lugar e ao tempo de sua enunciação, mas sim estão ligados às instituições nas quais se tornam acontecimentos, se tornam eventos. Desta forma, ao adotar em suas obras a categoria de prática (existência objetiva e material de certas regras a que o sujeito está submetido desde o momento em que enuncia um discurso) discursiva, assume a perspectiva de jamais tomar o discurso forma do sistema das relações materiais que o estrutura e o constitui. (pag. 60 a 64).
O saber, então, para Foucault “é aquilo que de podemos falar em uma prática discursiva (...): o domínio constituído pelos diferentes objetos que irão adquirir ou não um status científico (...), o espaço em que o sujeito pode tomar posição para falar dos objetos de que se ocupa em seu discurso (...) o campo de coordenação e de subordinação dos enunciados em que os conceitos aparecem, se definem, se aplicam e se transformam (...) um saber se define por possibilidades de utilização e de apropriação oferecidas pelo discurso”. Conclui entendendo que “há saberes que não são independentes das ciências; mas não há saber sem uma prática discursiva definida e, toda prática discursiva pode definir-se pelo saber que ele forma”. (pag. 64 e 65).
Por isso mesmo Foucault não aceita a falsa dicotomia entre ciência e ideologia, pois considera a ideologia como um saber, e o problema da relação é a sua existência (da ideologia) enquanto prática discursiva e o seu funcionamento em relação a outras práticas. Pressente-se então o surgimento do tema do poder relacionado ao saber, pois são as instituições que dão corpo à profissão e esta instância confere ao discurso que se desenvolve em torno dela, e ao individuo que a encarna, poder. (pag. 65 a 67).
Conclui-se a etapa da Arqueologia, com a obra “A Arqueologia do saber”, Foucault pensando a categoria do discurso, e de discurso como prática, empreendendo de fato o balanço de sua produção intelectual, até aquele momento, e dando a senha para a elucidação de seus projetos futuros. (pag. 67).
Obs: Acesse a terceira parte dos estudos, sobre a Geneologia.
COMO CITAR ESTE ARTIGO:
NOVAES, Edmarcius Carvalho. "Para ler Michel Foucault - Parte 2". Disponível em http://www.edmarciuscarvalho.blogspot.com/ em 23 de fevereiro de 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário