O presente
texto é uma produção realizada a partir de um fichamento das atividades
propostas na disciplina “Teoria do Conhecimento” do Curso de Licenciatura em
Filosofia, que realizo pela Universidade Federal de Lavras, em 08 de abril de
2014.
A primeira
parte deste estudo sobre a Teoria do Conhecimento em Platão, você pode
acessar aqui.
O racionalismo de René Descartes
1) A dúvida metódica (hiperbólica) e o
argumento do Gênio maligno (Discurso do Método: Terceira e Quarta parte;
Meditações: Primeira meditação):
Trata-se da
discussão sobre o conhecimento para Descartes, cuja duvida metódica se destaca
na História da Filosofia Moderna, haja vista colocar em duvida tudo o que
Descartes conhecia, até então, enquanto verdade. Tal característica de metódica
se dá em razão de se processar de forma ordenada e pela lógica, tendo como
inicio a simplicidade e concretude das ideias, de um lado, até o fim do
percurso chegando à abstração e generalização destas. Também é tida como
radical e hiperbólica uma vez que se colocam em extrema dúvida todas as
certezas existentes. Descartes, portanto, apresenta a dúvida como sendo extensa
e intensa, uma vez ser natural e metafísica. Descarta a possibilidade de
conhecimento a partir da percepção e sensibilidade, já que as percepções sensoriais
são muitas vezes eivadas, assim como as representações, pois são pouco nítidas.
A dúvida de Descartes se apresenta também em relação às representações da
metafísica, indagando a hipótese de um Deus enganador e de um gênio maligno.
Porém, entende que somente alguém poderoso, no caso Deus, pode fazer existir a
crença na verdade das representações matemáticas, clareando-as e
distinguindo-as, mesmo não as sendo. Por isto, o filósofo conclui descartando a
possibilidade da existência de um Deus enganador, e propõe a existência de um
Gênio Maligno, que com poderes tais passa a enganar o homem ao pensar, e começa
a questionar se os pensamentos humanos podem, de alguma forma, derivar esse
gênio maligno.
2) A verdade do cogito: “penso, logo existo”
(Discurso do Método: Quarta parte; Meditações: Meditação Segunda):
Essa é a
primeira conclusão a que chega Descartes. Ao se indagar sobre a possível
existência de um gênio maligno enganador, o filósofo conclui que ele só age
porque existia algo anteriormente, para que possa ser enganado. Assim, se esse
algo pensa, logo esse algo existe. O próprio ato de duvidar demonstra a
existência de algo, pois se há uma duvida é porque há pensamento, assim, se há
pensamento é porque algo que existente produz esse pensamento.
3) Existência de Deus e imortalidade da alma
como bases do conhecimento seguro (Discurso do Método: Quarta parte e Quinta
parte [p.59-63; 68-70]; Meditações: Meditações Segunda e Terceira):
Esta certeza
de Descartes se dá a partir da existência do cogito. Deus é a própria ideia de
Deus para o filósofo, tratando-se, portanto, do autor da perfeição que existe
no ser. Na concepção do filósofo, a ideia de Deus é verdadeira, sem
possibilidade de duvidas. É certa, clara, distinta. O ser que pensa faz parte dessa
ideia, porque faz parte dessa perfeição da ideia de Deus, e por fazer parte
desta ideia, pode conhecer esse infinito ao qual faz parte. O ser que conhece a
ideia de Deus a conhece porque o próprio Deus a embutiu neste ser. É por fazer
parte dessa ideia perfeita de Deus que o homem pode existir enquanto autor de
si próprio, uma vez que sem essa ideia de Deus, o homem seria o próprio Deus,
considerando sua necessidade de ser completo e perfeito. Tal completude, tal
perfeição, se dá com a figura de Deus, enquanto ideia perfeita.
4) A
elaboração cartesiana das bases da teoria do conhecimento tradicional
(Meditações: Meditação Quarta):
A partir da
ideia da perfeição em Deus, o filósofo busca a origem dos erros, do que seja
verdadeiro e do que seja falsidade, partindo do pressuposto da bondade de Deus
e não da existência de um Deus enganador. Justamente por ser Deus bondoso, o
mesmo faz com que a imperfeição do homem se acabe. Deus é tão perfeito e bom
que concede aos homens a amplitude da vontade que lhe é própria. Porém, ao
poder fazer escolhas, negando ou afirmando algo, o homem depara-se com a fonte
do erro pelo qual se decaí, justamente por ter o entendimento limitado. Assim,
Descartes propõe o método a ser percorrido pelo homem para se alcançar a verdade,
além de se poder evitar o erro. Por isto, investigar o problema do erro não só
se ter uma solução, de caráter metafísico para um problema, mas é também a
possibilidade do conhecimento do próprio homem se dá de forma fundamentada.
O empirismo de David Hume:
1) “Todo conhecimento se origina na
experiência”: a distinção entre impressões e ideias
A concepção
humeana entende as percepções por meio das impressões e das ideias. As
primeiras são consideradas sensações tidas de forma mais nítida na experiência,
podendo ser de dois tipos: a) impressões de sensação (a partir de estímulos
externos – os sons, por exemplo); b) impressões de reflexão (a partir de
estímulos internos da mente – as emoções, vontade, etc).
Já as
segundas, as ideias, são percepções não muito nítidas, diferindo-se das
primeiras por serem copias de tais impressões na memória. Assim, tem-se que as
impressões se manifestam de forma mais forte ou violenta, enquanto as ideias
são tênues, mais fracas e que são produzidas pela memória, a partir de tais
impressões.
Portanto, as
impressões são responsáveis apenas por gerar a ideia, e por tal razão, não tem
sua natureza enquanto percepção alterada. O conhecimento, desta forma, somente
é uma crença porque se trata de uma impressão forte. O conhecimento é uma
percepção, um sentimento que se faz por meio das ideias.
2) Distinção entre relações de ideias e
questões de fato:
As relações
tidas de ideias são consideradas por Hume como conhecimento a priori, isto é,
são conhecimentos, ou verdades, necessárias. Tudo que deriva destas não
fornecem conhecimento sobre o que acontece contingencialmente. São exemplos das
relações de ideias o teorema de Pitágoras e as proposições aritméticas,
geométricas, dentre outras. Por outro lado, as questões de fatos são tidas como
conhecimento a posteriori, ou seja, suas verdades são contingentes, dependem
das possibilidades, e as proposições que destas derivam refletem coisas
existentes no mundo, possibilitando assim o conhecimento do que existe e do que
de fato, acontece. Um exemplo de uma questão de fato é a assertiva: “o sol
nascerá amanhã”.
Na concepção
humeana não se pode ter certezas sobre questões de fato, nem a verdade de
muitos assuntos/ideias está à disposição do sujeito. Tem-se assim que as
questões de fato relacionam-se à relação de causa e efeito dos registros da
memória, podendo ser compreendido a partir da experiência habitual dos
fenômenos concretos, não havendo, para tanto, raciocínio a priori, apenas
desenvolvendo-se pelo hábito, isto é, trata-se de um conhecimento involuntário.
3) Causalidade e princípio do hábito:
Para Hume, a
causalidade resulta da experiência, não sendo, portanto, produto da razão. É
pela experiência que se pode compreender a existência de uma e de outras
coisas, sendo a causalidade fundamentada, portanto, exclusivamente na
experiência. O principio do hábito diz respeito à conclusão de que a repetição
de algo passado não apresenta nova conclusão, novo raciocínio. Trata-se da
experiência instintiva da natureza humana, que é vivida de forma associada às
impressões, por meio da repetição. Pelo hábito, pode-se inferir a relação de
causa e efeito, e a relação entre experiências vividas e o presente, podendo a
partir disto, inferir o futuro. Toda projeção do futuro se baseia, portanto, no
habito, no conhecimento resultante da experiência. É pelo hábito, portanto, que
o sujeito pode ter prudência e expectativas futuras.
Principais
controvérsias acerca do conhecimento existentes entre a posição racionalista de
Descartes e o empirismo humano.
O
racionalista Descartes admitia a existência de duas fontes de conhecimento, a
saber: a experiência e a razão/pensamento, porém, destacou que a
razão/pensamento é a fonte fundamental de conhecimento. Por sua vez, o
empirista Hume diferencia-se de Descartes, pois, apesar de admitir as duas
fontes de conhecimento, considerava somente a experiência como fonte primordial
do conhecimento.
Para
Descartes, o conhecimento se justifica pela razão, pelo pensamento. Tem-se
assim a primeira certeza cartesiana, ou seja, o cogito (penso, logo existo),
sendo este adquirido pela razão. As crenças básicas, portanto, seriam
racionais, a priori. Já em Hume, o conhecimento de fato (as questões de fato) é
adquirido pela experiência, tratando-se de um conhecimento a posteriori, uma
vez que a razão não apontava nada sobre o mundo exterior, e, portanto, as
crenças básicas não teriam um caráter racional.
Disto
decorre que na concepção racionalista de Descartes os sentidos não são
confiáveis, pelo contrário, são enganadores, e de igual forma, na concepção de
Hume, a razão não produz nada sobre o mundo, já que os conhecimentos sobre o
mundo, sobre os fatos, são fundados na experiência. Descartes, portanto,
entende as ideias inatas como fulcral para o conhecimento, ao passo que Hume,
nega a existência destas ideias inatas, tendo o conhecimento origem nas
impressões.
Portanto,
no racionalismo de Descartes para se decidir quais as crenças podem ser aceitas
enquanto verdadeiras se faz necessária rejeitar, enquanto falsidade, de tudo o
que não seja indubitável, ou seja, há um cepticismo metodológico, isto é, uma
duvida de todos os conhecimentos que não sejam irredutivelmente evidentes. Tudo
que não for completamente evidente e tudo aquilo que já serviu de enganação no
passado, não pode ser considerando enquanto conhecimento tido verdadeiro. Nessa
concepção, existe um conhecimento que resiste a todas as duvidas que seja
céptica, qual seja, o cogito (penso, logo existo), sendo tal conhecimento
justificável pela própria possibilidade da existência do ato de duvidar.
Já no
empirismo de Hume há uma defesa do cepticismo, porém de forma mais moderada,
com base nos argumentos da ausência de justificações para as crenças na
existência do mundo exterior e na uniformidade da natureza, bem como na
consciência dos limites do entendimento humano. Assim, apesar do principio da
causalidade não ser nada além de uma crença subjetiva, o produto de um hábito,
sem essa crença, a vida se dá impraticável.
BIBLIOGRAFIA:
DESCARTES, R.
Discurso do Método. In Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
______________.
Meditações. In Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
HUME, D.
Investigação sobre o entendimento humano in Coleção Os Pensadores. São Paulo:
Nova Cultural, 1978. Sessões I a V
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