Tive o prazer de ver publicado um artigo de opinião que escrevi para a Revista da FENEIS na atual edição deste periódico. A Revista da FENEIS tem por finalidade atualizar as pessoas surdas, os profissionais da área e as instituições de atendimento às pessoas surdas sobre as novidades do segmento.
Para quem não sabe, "FENEIS" significa a "Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos", a instituição de maior renome na área da Surdez no Brasil, atualmente presidida com excelência pela professora Dra. Karin Lilian Strobel.
Para mim, é um prazer imenso contribuir na construção do conhecimento, por intermédio de publicação no periódico desta instituição. A seguir o artigo publicado:
GARANTIAS LEGAIS DAS PESSOAS SURDAS - CONQUISTAS E DESAFIOS
Todos os anos, a Comunidade Surda no Brasil, comemora em 26 de Setembro, o Dia Nacional do Surdo. A data remete à inauguração da primeira escola para surdos no país. Nesse dia, no ano de 1857, o Instituto Nacional de Surdos Mudos do Rio de Janeiro, hoje, Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES.
Reconhecida pela Lei Federal n° 11. 796/2008 a data é mais uma conquista do segmento social agregada a outras concretizadas nos últimos anos, no campo lingüístico e em políticas educacionais, laborais e de saúde, através de garantias legais.
A principal foi o reconhecimento da Libras – Língua Brasileira de Sinais, por meio da Lei Federal n°10.436/2002 e de sua regulamentação (Decreto n° 5.626/2005), que ratificou a diferença lingüística desta comunidade e em razão disto, direitos específicos, como o atendimento por meio de profissionais que dominem a língua, a criação do curso de graduação de Letras-Libras e a aplicação de exames nacionais de proficiência, para certificação e reconhecimento dos profissionais que já a dominavam.
A proposta de inclusão de pessoas surdas na rede regular de ensino hoje se dá com o apoio de profissionais tradutores-intérpretes de Libras. Mesmo que haja posicionamentos contrários afirmando que a educação básica de pessoas surdas deva ocorrer num espaço próprio e não integrativo com pessoas ouvintes, a possibilidade da ajuda técnica é uma política educacional que reconhece a diferenciação lingüística.
Outra garantia é a inclusão social de pessoas surdas no mercado de trabalho por meio da Lei Federal n° 8.213/91, que garante uma porcentagem de vagas para pessoas com deficiência no setor privado. Apesar de ser um direito conquistado por todo o segmento com deficiência, as pessoas surdas são preferidas, pois esta inclusão faz com que a rotina das empresas se altere somente linguisticamente. Contratar um deficiente físico, por exemplo, demanda adaptações arquitetônicas, o que envolve custos elevados. Precisa-se discutir melhor para que todo o segmento da pessoa com deficiência possa se beneficiar de forma isonômica.
Para os concursos públicos um avanço significativo foi a aprovação no CONADE (Conselho Nacional de Direitos das Pessoas com Deficiência) da Recomendação n° 001/2010, que traça normas de acessibilidade comunicativa para a realização dos certames, como aplicação das provas por meio de equipamentos midiáticos com o conteúdo interpretado em Libras.
Todas essas ações visam garantir a autonomia produtiva das pessoas surdas, na perspectiva de que deixem de viver com a renda transferida pela concessão do BPC – Benefício de Prestação Continuada, operacionalizado pela Previdência Social.
Na área da saúde, em relação às pessoas surdas, a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva (Portaria n° 2703/GM de 2004), com o atendimento integral em ações de atenção básica (prevenção e identificação precoce de problemas auditivos) e de média e alta complexidade (triagem, diagnóstico, tratamento clínico e reabilitação com fornecimento de aparelhos auditivos e terapia fonoaudiológica) é efetivada pelo Ministério da Saúde. Mesmo com críticas sobre um etnocentrismo clínico, o Brasil é referência nas ações de diagnóstico e reabilitação auditiva.
Garantias legais já existem, entretanto, as pessoas surdas ainda se deparam com alguns desafios:
a) apoiar o fortalecimento da categoria profissional dos tradutores-intérpretes de Libras:
A Lei Federal n° 12.139/2010 reconheceu a profissão. Porém é preciso que haja o fortalecimento e organização enquanto categoria profissional, com direitos trabalhistas básicos garantidos por lei. A categoria reconhecida e valorizada garantirá melhores serviços prestados para as pessoas surdas com o atendimento técnico.
b) envolvimento com a agenda política de inclusão das pessoas com deficiência:
O segmento da pessoa com deficiência possui inúmeras especificidades. É preciso que as pessoas surdas atuem coadunando com os interesses de toda essa coletividade, pois, quando da luta de direitos específicos, todo o segmento atuará para que a especificidade da categoria surda seja reconhecida, como foi na aprovação da Recomendação n° 001/2010 do CONADE. A atuação conjunta para a conquista de direitos de todo um segmento produz melhores efeitos do que ações segregadas.
c) conhecer os espaços públicos de controle social e participar ativamente:
As pessoas surdas precisam se envolver com as Políticas Públicas elaboradas pela sociedade civil a partir de espaços públicos de controle social existentes, como os Conselhos Municipais, Estaduais e Nacionais. É necessário que as pessoas surdas sejam atuantes ativos em Conselhos de Pessoas com Deficiência de todas as instâncias e em de outras temáticas.
d) lutar por uma política educacional que garanta escolas e/ou classes especiais para pessoas surdas na educação básica, com caráter não complementar:
É necessário repensar o papel da escola: educar ou socializar. A inclusão de pessoas surdas na escola precisa reconhecer sua diferenciação lingüística. Não há como se formar uma identidade onde a língua materna não é a referencial. As escolas especiais e/ou classes específicas têm por isso sua importância na educação de surdos. É necessário que as pessoas surdas ou responsáveis possam optar por esse modelo de educação.
e) defender o cumprimento da Norma ABNT 15290/2005:
A acessibilidade comunicativa nos programas de televisão, além do uso de closed caption, deve acontecer com a interpretação em Libras do conteúdo de todas as produções, o que despertará o interesse pelo idioma e pela comunidade usuária.
f) fortalecer as associações de surdos como entidades representativas para a garantia de direitos:
As associações de pessoas surdas podem representá-las em ações judiciais, dependendo de seus estatutos, por meio de ações coletivas, quando os seus direitos não são conquistados administrativamente. É necessário que as mesmas possuam esse caráter jurídico.
Destarte, pode-se concluir que as garantias legais das pessoas surdas, em muitos aspectos, já estão postas. Falta uma melhor articulação dos atores sociais envolvidos para efetivá-las e para dominar territórios de controle social, onde outras possam surgir e sobretudo se concretizarem.
Edmarcius Carvalho Novaes é Pós graduando
BIBLIOGRAFIA:
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR 15290. Acessibilidade em comunicação na televisão. Rio de Janeiro, 2005.
BRASIL. Decreto n° 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Brasília, 2005.
_______. Lei Federal n° 12.139, de 1° de setembro de 2010. Regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS. Brasília, 2010.
_______. Lei Federal n° 11. 796, de 29 de outubro de 2008. Institui o Dia Nacional dos Surdos. Brasília, 2008.
_______. Lei Federal n°10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. Brasília, 2002.
_______. Lei Federal n° 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Brasília, 1991.
_______. Portaria n° 2703/GM, de 28 de dezembro de 2004. Institui a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva. Brasília, 2004.
CONADE – Conselho Nacional de Direitos das Pessoas com Deficiência. Recomendação n° 001, de 15 de julho de 2010. Brasília, 2010.
COMO CITAR ESTE ARTIGO:
NOVAES, Edmarcius Carvalho. Garantias legais das pessoas surdas: Conquistas e desafios. Revista da FENEIS, n°43, p. 22-23, 2011.
COMO CITAR ESTE ARTIGO:
NOVAES, Edmarcius Carvalho. Garantias legais das pessoas surdas: Conquistas e desafios. Revista da FENEIS, n°43, p. 22-23, 2011.