domingo, 14 de dezembro de 2014

ESTÉTICA NA ANTIGUIDADE GREGA: A FILOSOFIA DE PLATÃO E ARISTÓTELES


O presente texto é uma produção realizada a partir de um fichamento da disciplina “Estética” do Curso de Licenciatura em Filosofia, que realizo pela Universidade Federal de Lavras, em novembro de 2014, analisando alguns problemas e conceitos chaves da Estética durante a Antiguidade Grega, precisamente, a partir da Filosofia de Platão e Aristóteles. 


Os poetas inspirados na Grécia Antiga:

No período micênico e arcaico, a função do poeta podia ser compreendida como a de ser o “mestre da verdade”. Noutras palavras, isto significa que, dependendo de sua palavra, ou de seu silêncio, a façanha do guerreiro seria eternizada por meio da memória, ou cairia no esquecimento. 

Os atos do guerreiro, no período compreendido entre o século XII e IX a.C (período de uma cultura helênica predominante, onde a tradição oral era imprescindível para o que desenvolvimento de uma memorização ocorresse), não lhe pertencia. O guerreiro arcaico dependia da palavra do poeta. Essa palavra era eficaz, pois, além de refletir uma eficácia pragmática mnemotécnica, apontava para uma memória divinizada, para uma potência religiosa. 

Portanto, por meio de sua palavra cantada, o poeta, celebrava as façanhas dos homens valorosos, bem como louvava aos deuses imortais. Aos homens valorosos, tal canto servia para “imortalizar” a existência e o próprio ser do guerreiro, ou para levá-lo para a obscuridade do silêncio e da morte. 


Estudo do problema da inspiração divina em Platão:

“Mas, o homem que, sem ser tomado por essa loucura (mania) dispensada pelas Musas, chega aos portais da poesia com a convicção de que, no final de contas, a arte (techné) bastará para fazer dele um poeta, este é um poeta imperfeito; da mesma forma, diante da poesia daqueles que são loucos, ofusca-se a poesia daqueles que estão na posse de sua razão.” (Fedro, 245a).

O Íon é um diálogo aporético da juventude de Platão, em que cuja dialética, se propõe a refutar as opiniões de seus interlocutores em busca da excelência que se repousa sobre o saber. Íon, o interlocutor neste caso, é tido como um rapsodo, isto é, um anti-dialético, que além de ser considerado tolo, comportava-se com jactância como sua marca. Aristóteles entendia que o homem virtuoso se encontra no meio dessas duas características: 

"No que diz respeito à verdade (alétheia), podemos chamar de verídico aquele que se mantém no meio e de veracidade, a justa medida. A dissimulação que tende ao aumento é a alazonia e aquele que a pratica, um alazon; aquela que tende à diminuição é a ironia e quem a pratica, um iron" (II-7).

Assim, o alazon é “aquele que finge possuir títulos de glória que não possui ou então aqueles maiores do que realmente tem”. Já o iron “nega possuir os títulos de glória que possui ou os faz menores do que são” (IV-7). 

Como Íon se portava com jactância (ninguém saberia expressar pensamentos mais belos sobre Homero que ele mesmo, merecendo uma coroa de ouro), Sócrates queria demonstrar que era um rapsodo, pois entendia que o que os poetas faziam não decorriam de uma arte (techné) ou de um conhecimento próprio, mas antes, de uma inspiração de ordem divina. Para tanto, apresentou dois argumentos: a) se Íon confessa ser incapaz de discorrer sobre outros poetas que não Homero é porque não fala por arte ou conhecimento, pois a especificidade conferida através da inspiração pelas musas contrapõe a universalidade de conhecimentos de quem possui uma arte; b) cada arte corresponde a uma profissão de acordo com a aptidão natural, e, portanto, ser especialista de todas as artes é o mesmo que não ser especialista em nenhuma.

Portanto, se no mundo micênico e arcaico onde a inspiração divina do poeta concedia-o a condição de “mestre da verdade”, de uma palavra eficaz, em Íon, Platão retoma a essa inspiração para refutá-la decorrente de qualquer conhecimento. Trata-se de uma possessão por um deus, sendo este o responsável pela beleza dos poemas, onde o poeta é um mero instrumento da voz divina, perdendo o uso de sua razão.


Inspiração divina no Fedro:

Na palinódia de Sócrates no Fedro tem-se um diálogo que se inicia com um encontro de Fedro e Sócrates pelo caminho. O primeiro, saindo da casa de Lísias, tinha consigo um discurso que, ao fala-lo com Sócrates, deixa-o curioso, fazendo que Fedro e Sócrates fossem para fora da cidade para analisa-lo. Sentados sob a sombra de uma arvore, passa-se a ler o discurso. Tal lugar era marcado pela presença do divino:

"Mas, meu caro Fedro, não te parece que estou falando sob uma inspiração divina? (...) Na verdade, esse lugar parece divino. Não deves admirar-te se durante o discurso as ninfas tomarem posse de mim, pois o que estou dizendo já se assemelha muito a um ditirambo"(238c)

Pode-se considerar que o fato de Fedro levar Sócrates para fora da cidade como uma representação do espaço onde os discursos se produzem e são transmitidos, apontando para a formação dos homens. Na cidade os discursos são feitos, sendo a cidade de fundamental importância para que o homem possa ser formado. No entanto, é preciso que o homem “deixe a cidade”, isto é, para sua formação é preciso que o homem vá além dos discursos que a cidade forma e comporta. Ir além dos muros da cidade significa que o homem deve ir além de si mesmo. Tanto Fedro como Sócrates podem ir além da própria alma humana. 

Deixar a cidade e ir para um lugar onde a presença do divino se faz presente significa deixar a cidade e sua dialética, deixar a discussão em praça pública e se aprofundar nos discursos inspirados enquanto prática privada de se relacionar com a natureza, e a plenitude de divindades. No próprio diálogo, Sócrates recorre ao cenário natural para ir além de sua realidade, mas para se aprofundar nos mitos, nas lendas contadas, auxiliando na compreensão das questões desenroladas no diálogo entre ele e Fredo. 



Estudo da crítica à poesia nos primeiros livros da República:

A discussão acerca da possível elaboração do livro I da República antes dos demais, com sua incorporação posteriormente, possuem argumentos favoráveis e contrários. Isto se dá, principalmente, em razão do próprio titulo e subtítulo da obra, fazendo com que alguns estudiosos a compreenda como uma obra que consagra enquanto questão principal a educação (assim entendem Rousseau e Havelock), e outros estudiosos a considere como um primado acerca do Estado, sendo um ideal de cidade (como entende, por exemplo, Diès).

Segundo Takayama (2014, p. 38), com base nos estudos de Annas (1994, p. 25-27) pode-se observar que “o livro I se assemelha aos primeiros diálogos socráticos os quais, via de regra, partindo de um pretenso conhecimento por parte de seus interlocutores, terminam numa aporia”. Já os demais livros, onde não se tem interlocutores já individualizados de forma clara, “poderiam ser considerados muito mais como um monólogo por parte de Sócrates do que propriamente um diálogo, aproximando assim a República das últimas obras de Platão”.

Certo o é que em tal diálogo tem-se um painel que expõe como a cultura ateniense daquela época se dava, notadamente, a partir da paideia grega, onde os poetas, e sobretudo, Homero, ao apontar o problema da justiça, utilizavam-se de fábulas, para descrever como os deuses castigavam os mortais por causa de suas iniquidades. Platão propunha então uma crítica à poesia, desde o Livro I de a República, denunciando como o encanto cego pelas palavras dos poetas se dava, chegando, ao ponto de concluir que o problema da justiça, na verdade, se dá porque ela “só é útil para as coisas inúteis”, bem como “que o homem justo e bom é o mais habilitado para roubar dinheiro; além de ser ele o responsável por tornar outras pessoas piores e mais injustas” (TAKAYAMA, 2014, p. 41).



Estudo da crítica à poesia nos primeiros livros da República:

Platão, nos primeiros livros de República, se põe a criticar os poetas, sobretudo Hesíodo e Homero, a partir de aspectos teológicos e morais. 

Para o filósofo, o problema da justiça na alma individual poderia ser compreendido a partir de uma analogia à justiça na sociedade, sendo a diferença que naquela é difícil de ser visualizada a questão da justiça, e nesta última, ao contrário, ao se transpor à alma individual, a justiça possui dimensões ampliadas, sendo facilmente percebida, em razão de sua diferença dar num grau maior. Tem-se assim que para o filósofo, é preciso saber o que é justo para se criar bem as pessoas, podendo dessa forma também se ter uma cidade justiça, uma vez que o contrário é verdadeiro: uma cidade só é justa, se nela as pessoas assim o forem. 

Analisando a gênese da cidade, Platão ao propor uma formação especifica para os guardiões da cidade no seu exercício de defesa e da promoção do bom funcionamento da mesma, crítica como se dá formação tradicional grega, que se utiliza da música para a alma, com discursos verdadeiros e mentirosos. Os mentirosos são justamente as fábulas que são utilizadas para instruir as crianças. Platão afirma como necessário recusar as fábulas ruins, sobretudo as de Hesíodo e de Homero, que ensinam a existência de um Deus que causa a desgraça, pois Deus é bom. Não se pode aceitar também fabulas que ensinam um Deus que se modifique e que engana os outros, pois Deus é perfeitamente simples e verdadeiro. De igual forma, é preciso refutar o quadro tenebroso exposto pelas fábulas mentirosas à respeito do Hades (para Platão, tão falso quanto inútil), bem como “os risos homéricos dos deuses, exemplos de avareza e mesquinhez, cenas de adultério e outros atos sacrílegos” (TAKAYAMA, 2014, p. 44).

O filósofo entende que a formação tradicional grega, com a utilização de tais fábulas mentirosas, tanto em seu conteúdo como na sua forma veiculada, traz um evidente prejuízo na formação moral da juventude.



Crítica da poesia no livro III da República: a mímesis

O conceito de mímese aparece na obra República, na discussão sobre os modos de composição ou dos estilos poéticos. Koller (1954) propõe sua definição ao analisar sua origem relacionando-a com o grupo de palavras ligadas à dança e à música que faziam parte dos cultos dionisíacos, cuja representação era a exteriorização de uma determinada entidade espiritual incorporada. Junto à Havelock (1993), tem-se uma noção de “revivificação” ou “expressão” dramática, um “comportamento caracterizado por empatia” no sentido de que “fazer como outro faz”, ou mesmo de artefatos animados. Diferentemente dos autores citados, Else (1958) a partir de ocorrências pré-platônicas, propõe a concepção de mímese enquanto a ideia de imitação (como cópia de um original, através da “representação direta” de gestos e sons), ou uma imitação ética de um “exemplo” moral, ou ainda, enquanto réplicas (de uma pessoa ou coisa em forma material). Platão avança na conceituação ao afirmar que ela ocorre quando o poeta se dirige falando como sendo outra pessoa (quando sua linguagem tenta ser parecida com a da pessoa por ele anunciada). Para além desse modo de narrar, ainda pode ser pensando no sentido de uma performance de um rapsodo ou ator, uma “representação” dramática de gesto e fala de um personagem qualquer.

Sua relação com o banimento dos poetas na cidade ideal se dá porque com a intervenção do Estado na educação institucional, segundo o principio da especialização, é preciso condenar todo tipo de poesia que objetive tudo imitar, favorecendo somente aquelas que imitem somente as virtudes do homem de bem, o que é apropriado para a formação moral dos guardiões da cidade, uma vez que a existência do poder da mímese na formação da alma jovem, devendo se ter uma “estrita vigilância do que deve ou não ser imitado pelos futuros guardiães” (TAKAYAMA, 2014, p. 52). 


As artes imitativas no livro X da República e no Sofista:

Acredito que a indagação acerca de ser Platão um inimigo declarado e incondicional das artes não se sustenta enquanto verdadeira. Primeiro, é preciso considerar a partir do referencial ora estudado, que se têm um painel sobre a cultura ateniense daquela época, sobretudo, a partir da “paideia grega”, onde os poetas, em especial Homero, ao apontar o problema da justiça, utilizavam-se de fábulas, para descrever como os deuses castigavam os mortais por causa de suas iniquidades. 

É neste contexto que Platão propunha então uma crítica à poesia, desde o Livro I de a República, denunciando como o encanto cego pelas palavras dos poetas se dava, chegando, ao ponto de concluir que o problema da justiça, na verdade, naquele contexto, se dava porque ela “só é útil para as coisas inúteis”, bem como “que o homem justo e bom é o mais habilitado para roubar dinheiro; além de ser ele o responsável por tornar outras pessoas piores e mais injustas” (TAKAYAMA, 2014, p. 41). Platão avança na conceituação ao afirmar que a mímese que ora denunciava ocorria quando o poeta se dirige falando como sendo outra pessoa (quando sua linguagem tenta ser parecida com a da pessoa por ele anunciada). Para além desse modo de narrar, esta pode ser pensada no sentido de uma performance de um rapsodo ou ator, uma “representação” dramática de gesto e fala de um personagem qualquer.

Em segundo lugar é preciso considerar que Platão, nos primeiros livros de República, se põe a criticar os poetas, sobretudo Hesíodo e Homero, a partir de aspectos teológicos e morais. Para o filósofo, o problema da justiça na alma individual poderia ser compreendido a partir de uma analogia à justiça na sociedade, sendo a diferença que naquela é difícil de ser visualizada a questão da justiça, e nesta última, ao contrário, ao se transpor à alma individual, a justiça passa a possuir dimensões ampliadas, sendo facilmente percebida, em razão de sua diferença se dar num grau maior. Tem-se assim que para o filósofo, é preciso saber o que é justo para se criar bem as pessoas, podendo dessa forma também se ter uma cidade justiça, uma vez que o contrário de tal afirmativa é verdadeiro: uma cidade só é justa, se nela as pessoas assim o forem. 

Por fim, é preciso considerar a análise da gênese da cidade na perspectiva de Platão, quando este propõe uma formação especifica para os guardiões da cidade no seu exercício de defesa e da promoção do bom funcionamento da mesma. O filósofo se põe a criticar como se dá formação tradicional grega, que se utiliza da música para a alma, com discursos verdadeiros e mentirosos. Os discursos eivados são justamente eram justamente tais fábulas utilizadas para instruir as crianças. Platão afirma como necessário recusar as fábulas ruins, sobretudo as de Hesíodo e de Homero, que ensinam a existência de um Deus que causa a desgraça, o que contraria a perspectiva de que Deus é bom. Não se podia aceitar também fabulas que ensinavam um Deus que se modificava e que enganava os outros, pois Deus é perfeitamente simples e verdadeiro. De igual forma, era preciso refutar o quadro tenebroso exposto pelas fábulas mentirosas à respeito do Hades (para Platão, tão falso quanto inútil), bem como “os risos homéricos dos deuses, exemplos de avareza e mesquinhez, cenas de adultério e outros atos sacrílegos” (TAKAYAMA, 2014, p. 44). O filósofo entende que a formação tradicional grega, com a utilização de tais fábulas mentirosas, tanto em seu conteúdo como na sua forma veiculada, trazia um evidente prejuízo na formação moral da juventude.

Assim, sua relação com o banimento dos poetas na cidade ideal se dava não porque Platão era um inimigo declarado e incondicional das artes, mas sim porque entendia que na intervenção do Estado na educação institucional, segundo o principio da especialização que era adotado, era preciso se pautar pela condenação de todo tipo de poesia que objetivasse a tudo imitar, mas era preciso que se favorecessem aquelas que imitassem somente as virtudes do homem de bem, o que, na perspectiva platônica era apropriado para a formação moral dos guardiões da cidade, uma vez a existência do poder da mímese na formação da alma jovem, devesse ocorrer tendo “estrita vigilância do que deve ou não ser imitado pelos futuros guardiães” (TAKAYAMA, 2014, p. 52).


Crítica à poesia no livro X da República:

Platão, no livro X de República, se põe a criticar os poetas, sobretudo Homero, a partir de aspectos psicológicos e éticos. O filósofo entendia que a formação tradicional grega, com a utilização de poesias imitativas, tanto em seu conteúdo como na sua forma veiculada, trazia um evidente prejuízo na formação moral da juventude.

Para o filosofo, as poesias imitativas induziam à uma prática condenável numa perspectiva ética, pois conduzia a sentimentos específicos que satisfaziam, pelo prazer, somente a parte inferior da alma, desejando lágrimas e lamentos. Isto faria com que a melhor parte da alma, a sua porção racional, fosse desabilitada, nos momentos de adversidades. 

Para além da crítica acerca da poesia imitativa ser nociva (já que a sua produção é um simulacro de três graus de distancia da verdade e que há uma ausência de conhecimento acerca das coisas que os poetas imitam), bem como dos prejuízos na conduta moral, tal crítica psicológico-ética desenvolvida por Platão refutava a forma institucionalizada de pedagogia existente no contexto grego, que subvertia o principio da especialização, fazendo com que a alma fosse comandada por aquilo que deveria ser comandado (o prazer), o que destina tal alma ao domínio da injustiça. 

Para combater o poder da poesia, com seus encantos e com o prazer obtido a partir do sentimento de simpatia com os dramas dos personagens das poesias, o filosofo propunha destituir o poeta do seu posto de educador dos gregos, dando-o ao filósofo, uma vez que além de ter compromisso com a verdade, ao contemplar as Ideias, este mantém a alma sob o comando da razão, podendo dessa forma filtrar, selecionar, diferenciando o verdadeiro do falso.


Platão e a arte de seu tempo

“Alcamene, que não tinha nenhuma experiência de óptica e de geometria, havia feito uma estátua de Atena de grande beleza para aqueles que podiam vê-la de perto. Fídias, ao contrário, [...] estimando que a forma da estátua devia ser completamente modificada em razão da altura prevista em que seria colocada, alarga, por conseguinte, a abertura da boca, desloca a implantação do nariz, e todo o resto em proporção. Quando, em seguida, conduzem-se as duas estátuas a plena luz a fim de as comparar, Fídias se encontra em grande perigo de ser linchado pela multidão, até que as duas estátuas foram enfim erguidas, pois vê-se então se desfazer a doçura dos traços finos do modelo de Alcamene, enquanto que, pelo efeito da altura do local em que foram colocadas, apagam-se as disparidades e as chocantes deformações da obra de Fídias, o que fez com que Alcamene fosse ridicularizado e Fídias visto com ainda maior estima.” (Tzetzès1 apud Villela-Petit, 1991, p. 78)

Tal anedota pode ser relacionada ao diálogo entre dois artistas, uma que um se relaciona com a arte da cópia e outro com a arte da ilusão. Essa é a divisão das artes miméticas apresentada por Platão em Sofista. A arte da cópia pode ser compreendida como aquela que é capaz de copiar as próprias Ideias, onde se produz algo de belo, revelando, em virtude de uma proximidade e solidariedade, alguma coisa da essência das Ideias. Não se trata de uma cópia da aparência das coisas. Por não ter qualidades sensíveis, tal arte é uma mímese noética, isto é, se dá através da inteligência. A arte da cópia é a produção de imagens governadas pela essência e não pela aparência, pelo inteligível e não pelo sensível. Trata-se de, para Platão, um cânon de proporção invariável.

Já a arte da ilusão é aquela ilusionista. Com uma conotação negativa, tal arte tinha grande aceitação e admiração na época de Platão. A anedota acima destacada revela isto, a partir da disputa entre dois pintores (Parrasios e Zeuxis). Platão não era contra toda e qualquer arte, mas somente a esta arte ilusionista de seu tempo. Ele tinha certa neofobia, isto e, ojeriza a tudo que se apresenta como novo, pois entendia que isto era mudança, e, portanto, imperfeita e corrupta da arte da cópia das Ideias, uma vez que a arte da ilusão desprezava a verdade, produzindo imagens segundo proporções que pareceriam belas, mas que só tinha a aparência de se assemelhar ao que é belo, produzindo uma aparência de uma cópia, mas sem ser semelhante. Esse domínio dos falsos, na concepção platônica, é aquele da poesia e da sofística, que produz simulacros-fantasmas, cuja mimese ilusionista produzida não tem relação com as verdadeiras proporções do modelo. 



As diferenças e semelhanças entre a mímese de Platão e a de Aristóteles.

Platão e Aristóteles protagonizam o embate a respeito da teoria da estética filosófica. A categoria de “mimese” existe desde a Antiguidade, e nestes filósofos baseiam-se pontos de vistas distintas acerca de seu significado de sua função.

Em Platão, a mímese tem uma conotação de falsidade, uma vez que a arte não aponta para a verdade, sendo um discurso afastado do verdadeiro conhecimento. A arte é uma imitação, podendo tal imitação ser compreendida como uma cópia ou um simulacro, cuja representatividade é noética, apresentando a falsidade pela qual se fundamenta. Para este filósofo, a arte só possui valor quando se propõe pedagogicamente a transmitir conhecimentos, valores, porém, isto só é possível pelos filósofos, uma vez que os poetas têm como objetivo enganar, a partir do que imitam.

Já Aristóteles, em A Poética, aponta para uma conotação positiva da mímese. Ao utilizar o termo platônico, Aristóteles visa demonstrar que a compreende de forma diferente. Para ele, toda espécie de arte é uma mímese, uma vez que se propõe a reproduz os caracteres, bem como as artes, e principalmente, as emoções. Para o Estagirita, as artes poéticas se propunham a reproduzir a ação humana, e tinha uma conotação de verossimilhança, pois aponta para a exemplificação da universidade das ações humanas. E assim como Platão, entendia que se utilizada didaticamente, as tragédias presentes nas artes poéticas, esta era ativa e criativa, uma vez que levava seu expectador à reflexão e aprendizagem. A catarse seria, portanto, um efeito produzido pela tragédia no publico, onde este reconhecia na arte poética a verossimilhança com a realidade.


Estudo da mímese na Poética de Aristóteles.

Platão criticava os poetas, sobretudo Homero, a partir de aspectos psicológicos e éticos. O filósofo entendia que a formação tradicional grega, com a utilização de poesias imitativas, tanto em seu conteúdo como na sua forma veiculada, trazia um evidente prejuízo na formação moral da juventude. Para o filosofo, as poesias imitativas induziam à uma prática condenável numa perspectiva ética, pois conduzia a sentimentos específicos que satisfaziam, pelo prazer, somente a parte inferior da alma, desejando lágrimas e lamentos. Isto faria com que a melhor parte da alma, a sua porção racional, fosse desabilitada, nos momentos de adversidades. 

Para combater o poder da poesia, com seus encantos e com o prazer obtido a partir do sentimento de simpatia com os dramas dos personagens das poesias, Platão propunha destituir o poeta do seu posto de educador dos gregos, dando-o ao filósofo, uma vez que além de ter compromisso com a verdade, ao contemplar as Ideias, este mantém a alma sob o comando da razão, podendo dessa forma filtrar, selecionar, diferenciando o verdadeiro do falso.

Já em Aristóteles, a mímese tinha uma intenção positiva. Não se tratava de uma mera imitação, cópia da aparência, para identificar uma dada realidade ou objeto. Ele a compreendia enquanto algo compartilhado tanto pela natureza como pela arte. Por entender que “a arte imita a natureza”, Aristóteles não a via enquanto uma retratação, uma imitação falsa da realidade, mas sim um fazer à maneira, como a natureza, imitando o processo como está se dá. Nesse sentido, a imitação era um produto: se a natureza tem um principio interno, a arte por sua vez tem um principio que é externo. Para além da imitação que reproduz as coisas que a natureza produz, o filosofo entendia que a mímese ajudar o homem a completar a si mesmo aquilo onde a natureza não o fez. 

Assim, tem-se que em Aristóteles a imitação não é somente da matéria, mas também da forma, sendo esta vista enquanto um princípio de substância concreta, a partir da qual a matéria é dada. A mímese é, portanto, uma verdade conhecida, cuja imitação da natureza não se põe a fazer a matéria, mas sim a produzir à maneira (forma). Se Platão não se preocupava com a forma, enquanto um saber prático, enquanto uma técnica das artes miméticas, em Aristóteles isto ocorre.


Estudo sobre o problema da catarse trágica na Poética de Aristóteles:

A arte mimética em Platão tinha uma conotação negativa. Aristóteles vê essa categoria como positiva, apontando que as artes literárias possuem um valor de verdade, e um sentido tradicional de sabedoria. Nesse sentido, a mímese em Aristóteles diverge da de Platão, uma vez que aquele se propõe a reforçar um valor de verdade às artes, o que contradiz o último, que via nas artes a possibilidade da falsidade e da ilusão, onde a verdade não se encontrava existente. 

Portanto, tem-se que em Aristóteles, a partir da compreensão de ser a mímese a possibilidade da semelhança, com a matéria e com a forma, da realidade ou objeto imitado, podendo-o reconhecer na representação produzida, é que sua poética tem por objetivo apontar a utilidade, moral e política, nas três acusações, que são de caráter noético e estético, destinadas à poesia, ou seja, no sentido de ser falsa, de ser sedutora e traiçoeira, e de deformar o caráter emocional.

Para o filósofo, quando o poeta concretiza em sua imitação algo que se existe na ação de um individuo, ele produz uma situação exemplar de que o universal se faz possível. E que, a partir disto, o filósofo tido às questões de abordagem humana, passa a teorizar a respeito de tais ações, numa perspectiva ética, a partir da utilização das personagens existentes nas tragédias que o poeta produz, possibilitando desta forma que a natureza humana seja compreendida e lições sejam produzidas e apreendidas. Tem-se assim que o problema noético da mímese em Aristóteles é solucionado, quando este aponta a utilidade que a representação possui para fins didáticos. 

Enquanto transformação da mímese em didática, Aristóteles supera as análises de moralidade propostas por Platão, e aponta que as epopeias e as tragédias, são uteis, pois, ao produzir o terror e a piedade a partir das representações produzidas que demonstram realidades terríveis, a ponto de provocar a emoção daqueles que dessa arte bebem, são capazes de tornar tais expectadores mais fortes e menos compassivos, redimindo a tragédia em razão de uma utilidade didática. 


REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA:

ELSE, G. F. “Imitation” in the Fifth Century. Classical Philology, vol. 53, n. 2 (apr. 1958), 73-90.

HAVELOCK, E. A. Prefácio a Platão. trad. Enid Abreu Dobránzsky, Campinas, Papirus Editora, 1996.

KOLLER, H. Die Mímesis in der Antike. Nachahmung, Darstellung, Ausdruck. Dissertationes Bernenses Ser. I, Fasc. 5. Bern 1954.

TAKAYAMA, Luiz Roberto. Estética: Mímese e poesia em Platão e Aristóteles: Guia de Estudos. Lavras : UFLA, 2014.


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